Janelas finas como cartão, robustas em eficiência

As janelas ultrafinas thin-triple revelam como milímetros quase podem transformar a eficiência energética de edifícios inteiros.

Por Nathalia Ribeiro em 26 de dezembro de 2025 7 minutos de leitura

Corte de janela de vidro ultrafino com tecnologia thin-triple, destaque para o avanço na indústria de fachadas eficientes para edifícios
Foto: AlpenGlass / Divulgação

Uma janela tão fina quanto um cartão de crédito parece, à primeira vista, incompatível com o vento forte, as variações térmicas e o ritmo intenso das cidades. No entanto, é justamente nessa aparente fragilidade que nasce uma das apostas mais ousadas da construção civil por eficiência energética. A Corning, empresa responsável por proteger a tela de milhões de smartphones, resolveu levar sua especialidade para um novo patamar: usar o mesmo vidro ultrafino que revolucionou os eletrônicos para reinventar as janelas de edifícios.

A iniciativa ganhou força quando a empresa se uniu ao Lawrence Berkeley National Laboratory, um dos centros de pesquisa e desenvolvimento mais respeitados do mundo e financiado pelo governo federal dos Estados Unidos. Juntos, eles desenvolveram o thin-triple glass, nomeado como Enlighten pela Corning, uma janela composta por três camadas, incluindo uma lâmina central ultrafina, capaz de oferecer um desempenho térmico significativamente superior ao dos modelos tradicionais. 

A transição do laboratório para o mercado também contou com a participação da Alpen, uma das fabricantes líderes de janelas thin-triple. Com a Alpen, a tecnologia deixou de ser apenas uma inovação acadêmica e se tornou viável em escala industrial, pronta para atender projetos reais. O resultado é uma solução que redefine as fachadas de vidro: mais leves, eficientes, confortáveis e capazes de transformar o vidro de mero elemento estético em protagonista da próxima geração de edifícios de alto desempenho.

Por que as janelas continuam sendo o elo fraco da eficiência energética?

Por mais que as janelas simbolizem luz natural, ventilação e conexão com o exterior, elas permanecem como um dos maiores pontos vulneráveis dos edifícios em termos de eficiência energética. Mesmo com avanços como o vidro duplo e diferentes tratamentos térmicos, as superfícies envidraçadas continuam respondendo por uma fatia relevante das perdas de calor e de ganho térmico indesejado em residências, escritórios e arranha-céus. Segundo a International Energy Agency (IEA), os edifícios são responsáveis por cerca de 40% do consumo global de energia e grande parte desse gasto está diretamente ligado aos sistemas de aquecimento e climatização.

É nesse contexto que as janelas se tornam um componente crítico. Como explica Stephen Selkowitz, pesquisador do Lawrence Berkeley National Laboratory, por metro quadrado, uma janela pode transferir de 10 a 20 vezes mais energia do que uma parede bem isolada. Em outras palavras, são os pontos mais “porosos” das fachadas, permitindo a entrada do frio no inverno e do calor no verão. Reduzir essa troca térmica é, portanto, uma ação direta e estratégica para diminuir tanto o consumo energético quanto as emissões associadas.

Nas janelas convencionais, dois vidros de 3 a 4 milímetros separados por um espaço preenchido por ar ou gás inerte formam a configuração mais comum. O isolamento extra vem justamente dessa camada intermediária. No entanto, existe um limite físico e econômico para esse arranjo, já que acrescentar novas lâminas com a espessura tradicional torna o conjunto significativamente mais pesado, exige caixilhos especiais e aumenta custos. Esses fatores, somados, historicamente impediram a popularização das janelas de três ou mais camadas, justamente o tipo de solução que poderia elevar o padrão de desempenho térmico do setor.

Fabricação de vidro ultrafino destravou a evolução das janelas

Cientista trabalhando em um laboratório de nanofabricação no Molecular Foundry
Foto: Sundry Photography/ Shutterstock

Foi justamente esse gargalo, a dificuldade de adicionar camadas sem criar janelas pesadas, caras e incompatíveis com caixilhos convencionais, que motivou décadas de pesquisa no Lawrence Berkeley National Laboratory. Desde o fim dos anos 1980, pesquisadores do laboratório investigam maneiras de produzir vidros cada vez mais finos e leves, capazes de viabilizar múltiplas lâminas dentro de um mesmo conjunto sem alterar significativamente sua profundidade, peso ou custo. A viabilidade comercial, no entanto, só chegou quando processos industriais avançaram o suficiente para fabricar lâminas arquitetônicas ultrafinas em larga escala, retomando e ampliando as descobertas acumuladas nas pesquisas acadêmicas.

O princípio da inovação está justamente na espessura. Em vez dos 3 a 4 milímetros típicos da construção civil, as novas lâminas têm entre 0,5 mm e 0,7 mm, praticamente a espessura de um cartão de crédito. Essa redução extrema só se tornou possível graças a técnicas industriais semelhantes às usadas na fabricação de telas eletrônicas.

Essa redução destravou o setor. Três lâminas passam a pesar praticamente o mesmo que duas sem exigir caixilhos especiais ou aumentar drasticamente o peso final. “Uma camada central de vidro fino tem aproximadamente um quarto a um quinto da espessura do vidro convencional, isso reduz diretamente o uso de matéria-prima, a energia de fusão e as emissões de transporte”, explica Avi Bar, Chief Revenue Officer da Alpen, uma das fabricantes líderes dos thin-triple, em entrevista ao Habitability.

Da teoria à fábrica: a entrada da indústria e a virada comercial

Com a tecnologia já validada pela academia e por centros de pesquisa, o próximo passo foi a entrada definitiva da indústria. Grandes fabricantes começaram a estruturar linhas de produção dedicadas, e a Alpen já fabrica unidades thin-triple em escala comercial. Essa transição da teoria para a fábrica marca o ponto em que o material deixa de ser uma promessa e passa a disputar espaço real nos projetos.

Segundo Avi Bar, esse momento lembra outra virada histórica no setor de fachadas: a chegada das películas low-E nos anos 1990. “Antes do vidro de baixa emissividade (low-E), o vidro era em grande parte passivo. Após o desenvolvimento do low-E, ele se tornou um material de alto desempenho ativo. O vidro fino tem o potencial de impulsionar uma mudança radical semelhante”, afirma. Ou seja, a indústria está diante de mais uma mudança estrutural na maneira de pensar o papel do vidro, de elemento estático para componente de alto desempenho.

E essa mudança não é apenas técnica: ela afeta diretamente a economia dos edifícios. Bar explica que fachadas mais eficientes permitem reduzir toda a infraestrutura associada ao condicionamento de ar. “Fachadas de alto desempenho permitem reduzir o tamanho dos equipamentos de climatização, da infraestrutura elétrica e da capacidade de demanda de pico. Em alguns projetos comerciais, sistemas com vidro fino podem até eliminar completamente o aquecimento perimetral.”

Na prática, isso significa cortes nos custos de implantação e operação, além de impactos positivos relevantes em emissões de carbono. O ganho não vem apenas da eficiência energética, mas também do menor uso de material, do peso reduzido – que alivia estruturas – e da maior durabilidade do sistema. É a combinação desses fatores que faz o thin-glass deixar de ser apenas uma inovação de laboratório e se consolidar como uma solução economicamente viável para o mercado.

Mas, afinal, como o vidro ultrafino redefine desempenho energético?

Um vidro ultrafino de janela com estrutura de moldura preta, ideal para projetos de construção e renovação, proporcionando elegância e resistência.
Foto: AlpenGlass / Divulgação

Os estudos do Lawrence Berkeley National Laboratory mostram que a configuração thin-triple pode ampliar em até cinco vezes a eficiência energética em comparação às janelas convencionais, reduzindo significativamente as perdas térmicas sem alterar a profundidade ou o peso do conjunto.

A própria espessura reduzida das lâminas facilita a produção em escala industrial, permitindo que fabricantes adaptem suas linhas existentes em vez de reconstruí-las. Somado a isso, o revestimento especialmente desenvolvido para esses vidros cria uma barreira ao ganho solar, o aquecimento provocado pela incidência direta de luz, contribuindo para manter a temperatura interna mais estável.

Esse desempenho superior não depende apenas da barreira física das camadas adicionais, ele se reflete também na operação cotidiana dos edifícios. Ao reduzir a entrada de calor no verão e a perda térmica no inverno, o conjunto diminui o acionamento constante dos sistemas de climatização, suavizando picos de demanda e tornando a performance energética do edifício mais estável ao longo do dia. Em ambientes urbanos expostos a ondas de calor cada vez mais intensas e frequentes, esse amortecimento operacional pode resultar em economias expressivas de energia em escala de bairro ou cidade.

Testes independentes realizados pelo Pacific Northwest National Laboratory reforçam essa tendência. Em medições de laboratório e campo, janelas com a configuração thin-triple apresentaram melhor isolamento, menor risco de condensação interna e desempenho acústico superior, evidenciando ganhos não apenas em eficiência térmica, mas também em conforto e durabilidade no uso real.

Além da fase de operação, começam a surgir evidências de que o vidro ultrafino pode trazer vantagens também ao longo do ciclo de vida. Um relatório publicado em 2025 pelo Argonne National Laboratory analisou cenários de retrofit utilizando janelas thin-triple e identificou reduções de emissões incorporadas em determinadas configurações, um indicativo de que, dependendo do padrão de substituição, a tecnologia tem potencial para diminuir a pegada de carbono total do edifício.

“A maior parte do parque imobiliário previsto para 2050 já existe, e grande parte dele utiliza vidros de baixa qualidade. Os sistemas de retrofit com vidros finos permitem grandes melhorias de desempenho com menos transtornos e prazos mais curtos”, observa Bar.

Para ele, essa combinação de eficiência, adaptabilidade e facilidade de instalação vai transformar a percepção do mercado sobre o material. Com mais dados de operação, referências e confiança dos projetistas, o thin-glass deve deixar de ser considerado uma solução de nicho e passar a compor o padrão das fachadas de alto desempenho. “O vidro fino deve deixar de ser visto como um material especializado e passar a ser uma opção padrão. Não se trata mais de uma tecnologia de nicho, mas sim de um novo padrão para a forma como envidraçamos edifícios.”

Mercado global: o vidro ultrafino está a caminho de se tornar padrão

O potencial do thin glass vai muito além de uma inovação tecnológica, ele responde a desafios globais que moldam a construção civil no século XXI. Para Avi Bar, três megatendências sustentam a expansão dessa tecnologia.

A primeira é a corrida por edifícios net-zero, que exige soluções capazes de reduzir drasticamente o consumo energético e as emissões de carbono. A segunda é a necessidade de atualizar rapidamente o enorme estoque de prédios existentes, previsto para ainda representar grande parte da construção global até 2050. E, finalmente, há a demanda contínua do mercado por transparência e grandes áreas envidraçadas, sem comprometer eficiência ou conforto térmico.

“O potencial futuro tem alcance global. O vidro fino se adapta naturalmente a qualquer lugar onde as normas de eficiência energética sejam rigorosas ou os preços da energia sejam altos, como Europa, América do Norte, partes da Ásia e América Latina”, explica Bar, destacando que a tecnologia não se limita a um único mercado ou clima.

Em resumo, a tecnologia se posiciona não apenas como uma alternativa técnica ou estética, mas como uma resposta concreta aos desafios de sustentabilidade, economia e conforto que dominam a agenda global da construção. O vidro ultrafino deixa, assim, de ser promessa para se tornar referência na próxima geração de edifícios.

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