Líderes brasileiros precisam se preparar para as rápidas transformações

Autoconhecimento é uma das características que as lideranças devem trabalhar para que deem conta de uma realidade marcada pela incerteza, avalia Betania Tanure

Por Redação em 17 de janeiro de 2022 5 minutos de leitura

Betania Tanure

A cultura nacional tem três traços principais que influenciam o comportamento cotidiano do brasileiro, seja nas organizações, seja no seu dia a dia. Um deles é o valor das relações pessoais, que foi bastante desafiado nestes dois últimos anos de pandemia com o distanciamento social que exigiu da liderança papeis novos. Ainda dentro desse contexto, vivemos uma crise de diferentes facetas e não é possível prever todas as mudanças que ela trará, mas certamente ficará a lição de que ninguém estava preparado para isso. É o que reflete Betania Tanure, sócia fundadora da BTA, consultoria de desenvolvimento empresarial, saúde e vitalidade organizacional com foco em Cultura e Liderança, e membro do Conselho de Administração do Magalu e da MRV, nesta entrevista.

“Outro dia eu estava em uma reunião de comitê executivo e o presidente disse que não foi treinado para lidar com pessoas com o grau de instabilidade emocional que os seus colaboradores estavam. É a mais pura verdade”, confirma ela. Betania avalia ainda que as lideranças brasileiras estão mais atingidas do que a de outros países que têm um traço cultural mais individualistas. Ela também reflete sobre o impacto do ESG e do futuro do trabalho como temas de grande relevância para a sociedade atual.

Como as lideranças estão se transformando para impactar o mundo positivamente?

Betania Tanure – Temos de pôr essa questão na perspectiva da pandemia, que nos colocou em uma crise múltipla, profunda e complexa. É uma crise de diferentes facetas. Na parte econômica, os executivos têm experiência e instrumentos para lidar com crises. Mas tem também a questão sanitária, que trouxe, especialmente para as classes A e B, novos medos em relação à assistência sanitária, além de uma dimensão antropológica com a mudança no jeito de viver, de trabalhar, de consumir. Isso tudo muda a dinâmica das empresas, do ponto de vista da organização, de modus operandi e de modelos de negócios. E as nossas lideranças estão nesse grupo, sentindo isso profundamente. Devo ainda completar a dimensão da crise afetiva e, no caso especial do Brasil, com desafios institucionais relevantes.

Fale mais sobre a crise afetiva por parte das lideranças.

Betania Tanure – A mudança brusca e imposta de hábitos e da forma de viver e trabalhar tem impactos muito profundos. Nossas pesquisas revelam que grande parte das pessoas está fora dos seus eixos de serenidade emocional. Isso é demonstrado na quantidade de gente aumentando o consumo de álcool, passando a tomar remédio para dormir, com crises de burnout e medo, muito medo. Conduzimos pesquisas sobre esse tema faz décadas e nos dois últimos anos o quadro se mostrou muito mais grave.

No final de 2021, 88% das pessoas nunca viveram um estresse tão forte na vida e de maneira tão crônica quanto na pandemia.

Entre os casais, 42% disse ter se separado ou querer se separar. São dados alarmantes e tudo isso está relacionado a como o ambiente da casa, da moradia, passou a funcionar. Afinal, uma coisa é ficar 24 horas por dia em casa, trabalhando, em um local adequado, sem barulho, sem criança. Outra é conviver com tudo isso, de forma junta e misturada e ainda com a culpa que não se pode achar insuportável o ambiente familiar.

Então as lideranças brasileiras estão mais afetadas que as de outros países?

Betania Tanure – Isso tudo está relacionado à cultura nacional que influencia o estilo de gestão, da liderança brasileira, que é muito relacional. Essa característica relacional faz com que a dimensão afetiva da crise seja ainda maior do que as de sociedades individualistas, como as dos Estados Unidos ou Canadá.

Liderar pela tela é muito diferente e requer competências que não foram desenvolvidas anteriormente. E tudo isso interfere no papel que a liderança exerce ou deveria exercer.

A característica fundamental deste nosso tempo é uma grande e profunda incerteza, que gera comportamentos diferentes dos que já eram conhecidos pelas nossas lideranças. Junto a isso, estamos em um momento de muitas mudanças, inclusive sociais, impulsionadas pelas questões ESG, que vem de fora para dentro da sociedade e das empresas.

Uma pesquisa da KPMG neste ano, chamada CEO Outlook, apontou que os líderes empresariais estão colocando o ESG cada vez mais no centro das estratégias mundialmente. Você tem observado esse movimento no Brasil?

Betania Tanure – Ainda não, na prática. Em pesquisas temos sempre o desafio de compreender o que é desejo, o que é embalagem e o que é comportamento real. Acabamos de fazer um levantamento no Brasil e publicado pela Revista Exame, mostrando que há um espaço gigante de avanço para o ESG, pois as pessoas não o tem na sua base cultural, na sua lógica estratégica, ainda. No geral, tivemos um aumento da consciência da importância do ESG, o que é ótimo, mas ainda está no discurso, com consciência que influencia na reputação, mas ainda não o colocaram na “corrente sanguínea” da maior parte das organizações brasileiras.

Mas o ESG está ou não avançando nas empresas do Brasil?

Eu sou otimista por natureza e sim, as questões ESG estão avançando. A sentença é no gerúndio mesmo, em fiel representação ao que está em movimento.

Betania Tanure – Falar que o ESG está no centro da estratégia dos líderes, como na pesquisa citada, pode ser um desejo ou uma fantasia, que impede o avanço. É o mesmo que falar para uma pessoa que está fazendo dieta que ela está no peso adequado, se ainda não está. Isso pode desestimulá-la a continuar o processo. Entendo que o ponto atual é de atenção, mesmo se comemorando os avanços em ESG, que não foram poucos. Mas há um espaço de melhoria enorme pela frente.

Quais dicas você dá às lideranças para enfrentar este momento e deixar legados positivos para o mundo?

Betania Tanure – O líder tem dois principais papeis em temos de crise:(1) mudar o fluxo natural quando ele não está correto ou acelerar se a direção está certa, e (2) administrar e reduzir o grau de ansiedade das pessoas e da organização, colocando o grau de tensão no nível produtivo e não no nível disfuncional. Para isso a primeira dica, em ambientes turbulentos, como o atual, é: cuide de você enquanto líder ao mesmo tempo que cuida da sua equipe, da cultura e do entorno da empresa. Veja que ficou mais complexo ser líder. O primeiro passo para esse sucesso é compreender que, em momentos de crise e incerteza, a ferramenta do autoconhecimento é essencial, pois traz mais clareza sobre quais pontos fortes podem ser exaltados e quais vulnerabilidades têm de ser melhor cuidadas. Com isso, o líder consegue compor equipes mais competentes e também pode colocar em prática a expressão “estar no mirante”, que significa tomar uma certa distância do problema para poder enxergá-lo com amplitude antes de tomar decisões.

Outra dimensão importante para a liderança é a da equipe, e isso conta com o atributo fundamental da relação de confiança, buscando que o resultado conjunto seja maior e mais importante do que os resultados individuais. É como construir uma escola organizacional, uma cultura que possibilite que a empresa avance no fluxo correto.

Como as lideranças empresariais têm endereçado as novas formas de trabalho?

Tudo aponta para que o futuro seja mais híbrido. Não estou falando totalmente híbrido, repare. Estou falando “mais” híbrido.

Betania Tanure – Isso em decorrência das mudanças sociais em curso. É como um terremoto, no qual as placas tectônicas estão se mexendo e não se sabe ao certo quando vão parar. Portanto, não sabemos ainda quais serão todas as mudanças sociais decorrentes do que estamos vivendo, inclusive no trabalho. Neste momento, sabemos apenas que esse híbrido vai existir, mas não sabemos em que medida ou forma, se será diferente por área, por tipo de trabalho, por tipo de empresa e nem mesmo por questões culturais distintas, pois isso está ligado ao próprio objeto de trabalho de cada empresa. Afinal, uma coisa é estar lá fisicamente construindo um prédio e outra é trabalhar em um escritório de engenharia estrutural para a construção desse mesmo prédio. O fato é que, além do formato, que certamente será diferente, teremos de ter serenidade para nos adaptar continuamente às mudanças nos modelos de trabalho.

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