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E se as mulheres projetassem as cidades? Arquiteta May East responde
A urbanista May East propõe uma visão inovadora para as cidades, enfatizando sustentabilidade e a importância de uma perspectiva feminina.
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Nathalia Ribeiro em 16 de dezembro de 2024 12minutos de leitura
May East (Foto: Arquivo pessoal)
Paulistana de nascimento e cidadã do mundo por vocação, May East é uma dessas figuras que desafiam rótulos. Quando jovem, sua voz ecoava na cena new wave brasileira como parte da banda Gang 90 & as Absurdettes. Com sua postura irreverente, foi musa de um movimento que uniu o tropicalismo ao som futurista, consolidando hits como Perdidos na Selva e Louco Amor. Hoje, essa artista multifacetada transita entre cidades, culturas e áreas de atuação com a mesma fluidez que conquistava o público nos palcos dos anos 1980. Porém, seu foco atual está longe dos holofotes: está nas cidades e nas pessoas que as habitam.
Maria Elisa Capparelli Pinheiro, conhecida pelo nome artístico que celebra sua temporada no East Side nova-iorquino, é urbanista, educadora e designer de projetos regenerativos. Reconhecida como “Mulher da Década em Sustentabilidade e Liderança” pelo Women Economic Forum, ela redefine o conceito de impacto ao promover mudanças que integram sustentabilidade, igualdade e arte. Para May East, cada cidade pode ser uma obra de arte viva, moldada pela experiência humana e, sobretudo, pela perspectiva das mulheres.
Recentemente, lançou a sua mais nova provocação ao mundo, o livro “E se as Mulheres Projetassem as Cidades?”. O trabalho, originado de sua tese de doutorado, dá voz a 274 mulheres de três cidades escocesas: Edinburgh, Glasgow e Perth. A pesquisa propõe uma reimaginação do espaço urbano, baseada nas necessidades e vivências femininas, defendendo bairros mais inclusivos, sustentáveis e regenerativos.
Camaleônica, como ela mesma se define, May East se transforma sem nunca perder a essência. Depois de atravessar gerações como cantora e ativista, sua atuação como designer de projetos regenerativos reflete um compromisso com o futuro. Em entrevista exclusiva ao Habitability, May compartilha sua visão de que cidades projetadas por mulheres são capazes de atender a todas as necessidades, superando o pragmatismo técnico ao valorizar a diversidade das vozes femininas e suas experiências. A cada passo, ela questiona o status quo e abre espaço para novas maneiras de pensar, viver e interagir com o mundo.
Como a exclusão histórica das mulheres nos processos de planejamento urbano moldou as cidades que habitamos hoje?
May East: Impactou em dois aspectos: o senso de pertencimento e a mobilidade. Em relação ao senso de pertencimento, a configuração das cidades antes da Primeira e Segunda Guerra Mundial, era mais comunitária. Locais como Paris e São Paulo eram formados por vilas que funcionavam como pequenos núcleos onde as pessoas viviam, trabalhavam e oravam, criando um forte sentimento de identidade local. Com o impacto das guerras, muitas cidades foram destruídas e houve uma necessidade urgente de reconstrução. Nos anos 1950 e 1960, houve um aumento significativo na demanda por habitação, o que levou ao planejamento urbano voltado para a construção rápida.
As mudanças levaram a um foco maior na mobilidade nas cidades, com o surgimento do modernismo e do funcionalismo nos Estados Unidos e o aumento do uso do automóvel. Nesse período, as cidades começaram a ser projetadas para facilitar o trânsito de veículos, refletindo uma perspectiva predominantemente masculina. Além disso, com a reconstrução das antigas vilas e a escassez de materiais tradicionais, o uso do cimento armado se tornou popular, originando o estilo brutalista. Essa nova abordagem influenciou o planejamento urbano, reforçando a mobilidade automotiva que levava os homens de casa para o trabalho enquanto as mulheres se viam cada vez mais confinadas em subúrbios, sentindo-se isoladas e aprisionadas nos “guetos verdes”.
Com a chegada de tecnologias como a máquina de lavar, elas não precisavam mais lavar roupas em grupo, perdendo uma importante forma de interação social. Isso contribuiu para o aumento de casos de depressão entre as mulheres, que passaram a ficar isoladas, cuidando da casa nos subúrbios. Foi nesse período que os subúrbios nasceram, já que antes eles não existiam.
Em que ponto da história das cidades nos encontramos atualmente?
May East: Podemos considerar que estamos no ponto de intersecção de três megatendências importantes. A primeira é a rápida urbanização da população humana. Hoje, estamos construindo o equivalente a cinco “Parises” a cada cinco dias. No Brasil, 86,7% da população já é urbana, enquanto no mundo esse número é de 56,7%, com uma previsão de chegar a 70%.
A segunda megatendência é a reposição da mulher na sociedade. Observando projetos ao redor do mundo, hoje temos 28,7% de representação feminina nos parlamentos globais. Se continuarmos nesse ritmo, levará 206 anos para alcançarmos a paridade de gênero.
A terceira megatendência é o imperativo da descarbonização no estilo de vida. Ao unir essas três megatendências, emergem novas perspectivas sobre a relação entre mulheres e cidades. Podemos repensar como as mulheres desenhariam as cidades, pensando em espaços mais inclusivos e sustentáveis.
No seu livro, você menciona 33 pontos de alavancagem, identificados a partir de entrevistas com 274 mulheres. Poderia explicar o que são esses pontos e como eles ajudam a promover mudanças significativas no planejamento e na gestão das cidades?
May East: Não há um único ponto mais importante; todos são fundamentais. Por exemplo, um dos aspectos essenciais é que a saúde da comunidade, do bairro ou da cidade, está diretamente relacionada ao número de espaços disponíveis. As mulheres destacam a importância de ter locais para se reunir, o que nutre o senso de pertencimento. Quando as pessoas se juntam, elas também desenvolvem um senso de lugar e pertencimento. Isso altera a mentalidade de manter seu espaço para uma atitude de cuidado, voltada para preservar e melhorar o ambiente ao nosso redor, visando viver nele da melhor forma possível. Infelizmente, muitas prefeituras não oferecem a manutenção adequada aos bairros, o que contribui para essa falta de cuidado.
Podemos até considerar mudar o nome dos departamentos de manutenção para departamentos de cuidado. Enquanto a manutenção se foca em gerenciar o que já existe, o cuidado envolve a melhoria dos sistemas através de relações. A manutenção se ocupa do que está em funcionamento, enquanto o cuidado vai além, envolvendo e transcendendo o existente, preocupando-se com o sistema como um todo.
A pergunta que um departamento de cuidados faria seria: ‘Quais são as melhores maneiras de alcançar as melhorias necessárias para o nosso bairro?’ Considerando os recursos disponíveis e compartilhados. Dessa forma, começa-se a democratizar a necessidade de cuidado, não como uma responsabilidade exclusiva da prefeitura, mas como uma responsabilidade de todos nós. É essencial que isso seja nutrido e democratizado, envolvendo os moradores nas discussões e estabelecendo parcerias com outros stakeholders: autoridades locais, comércios locais, moradores e organizações. Esse é um aspecto fundamental do senso de pertencimento: cuidar, criar lugares para estar juntos.
Segundo o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), 63% dos profissionais ativos e registrados no conselho são mulheres. Na Engenharia, houve um aumento de 42% no número de mulheres registradas no CREA desde 2016. Mas onde estão esses reflexos no planejamento urbano?
May East: Eu acredito que projetar e construir cidades utilizando a experiência do homem como referência é uma questão histórica e não se reverte de um dia para o outro. Globalmente, cerca de 35% dos arquitetos e urbanistas são mulheres, um número muito maior do que existia anteriormente. No entanto, ainda não vemos esses reflexos claros nas cidades. Mas estamos vivendo um momento histórico de mudança. Pessoalmente, recebo todas as semanas meninas de todas as idades, seja fazendo graduação, pós-graduação ou doutorado nesse campo. Há um grande interesse, o que eu vejo como um movimento de repensar a posição das mulheres. É quase um movimento rizomático, sem começo nem fim, onde os nódulos surgem e se espalham por muitos lugares ao redor do planeta, investindo energia nesse tema.
Apesar de serem 63% do total de profissionais registrados, ainda são menos da metade (47%) dos responsáveis técnicos de empresas. Que estratégias poderiam ser adotadas para atrair mais mulheres para cargos de liderança no planejamento urbano?
May East: Existem três maneiras de considerar a relação entre mulheres e cidades. A primeira é a perspectiva oficial das Nações Unidas, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que frequentemente agrupam as mulheres com crianças, idosos e pessoas com deficiência, sugerindo que elas precisam ser cuidadas. Nesse olhar, a cidade é vista como um ambiente que pode ameaçar a felicidade das mulheres, exigindo proteção junto com os grupos vulneráveis como crianças e idosos.
A segunda perspectiva é mais feminista, que defende que as mulheres devem ocupar todos os espaços urbanos – tanto diurnos quanto noturnos. É uma visão que já está presente há algum tempo, defendendo que as mulheres devem estar ativamente presentes na cidade. Muitas amigas minhas, tanto acadêmicas quanto praticantes, adotam essa abordagem mais feminista. Meu trabalho propõe uma perspectiva que inclui e transcende essa visão. Existem bons lugares no planeta onde as mulheres precisam ser cuidadas, mas também precisamos ocupar espaços. Minha abordagem é baseada no mutualismo evolutivo: as mulheres e as cidades se constroem mutuamente, com as mulheres ajudando a construir cidades que, por sua vez, ajudam a construir as mulheres. Isso inclui trabalhar com os homens para redistribuir o poder, equilibrar a representação e transformar os sistemas de planejamento urbano e legais.
Acredito que é no diálogo e na reciprocidade que temos a capacidade de avançar de forma mais regenerativa. Caso contrário, corremos o risco de adotar uma perspectiva de ‘jogo de soma zero’, onde se uma pessoa ganha, a outra perde. Por exemplo, se um homem tem sete fichas e uma mulher tem três, ele pode ver a situação como um jogo competitivo e decidir tomar as duas fichas dela para aumentar seu próprio total. A verdadeira mudança vem quando todos colaboram para redistribuir poder de forma equilibrada.
E como fazer isso?
May East: Em uma perspectiva de colaboração. Por exemplo, em 2025, iniciarei um novo projeto que chamo de ‘arquitetura de trocas’. Será um triálogo entre mulheres, homens e a cidade, porque percebi que, neste primeiro ano de lançamento do meu livro, há um grande interesse tanto de mulheres quanto de homens. Sempre fiquei curiosa para entender como os homens se relacionavam com esses 33 pontos de alavancagem, se havia algo que os incomodava ou os desafiava. Eu percebi que preciso promover esse diálogo para entender como garantir que não movamos o pêndulo para o outro extremo.
Eu sinto que há um movimento para equilibrar essa representação, mas precisamos entrar em uma escuta ativa e profunda dos dois lados. Não há respostas únicas, são questões diversas e complexas. Acredito muito no poder de uma escuta profunda, que é essencial para promover a mudança.
Quais transformações sociais, políticas e tecnológicas contribuem para a criação de um cenário mais favorável à construção de cidades mais inclusivas e seguras para as mulheres?
May East: Sinto que não se trata de os homens simplesmente incluírem as mulheres no tecido urbano. Acho que estamos ocupando esse espaço num ritmo interessante, que está emergindo através de um mosaico de políticas e intervenções. Não sei exatamente qual é o caminho, mas sinto uma direção clara de busca por equilíbrio e representação, que se refletirá nas cidades. No entanto, precisamos escutar aqueles que já estão há muito tempo envolvidos no design para cocriar, não apenas entre os gêneros, mas com uma visão de cocriação mais abrangente, uma co-criação que envolva uma regeneração concreta, não apenas sustentabilidade. A sustentabilidade não é suficiente; precisamos ir além para regenerar e trazer mais vida, vitalidade e viabilidade aos sistemas.
Para mim, a relação entre mulheres e cidades nunca foi um problema a ser resolvido, mas sim um potencial a ser realizado. Realizá-lo significa escutar, caminhar e cocriar com as mulheres na cidade, criando um espaço para discussões colaborativas, imaginação e design coletivo. As condições históricas estão aqui, movendo-se ao longo dessas três mega tendências que mencionei no início da nossa conversa: o reposicionamento contínuo das mulheres na sociedade, a crescente necessidade de descarbonizar nosso estilo de vida e a urbanização crescente da população humana. Na interseção dessas mega tendências, surgem as condições para transformar e regenerar as cidades.
Qual é o papel das universidades e dos programas educacionais na formação de urbanistas com uma perspectiva de gênero?
May East: Eu acredito que tudo começa desde o berço, passando pela casa, pela escola e posteriormente na universidade. Um dos pontos chave de alavancagem, repetidamente destacado pelas mulheres, é lembrar que os valores fundamentais começam muito cedo, desde o início da vida. Na minha troca com as mulheres, ficou claro que há uma ênfase na importância de cultivar a biofilia nas cidades.
Vamos conectar isso ao gênero. A biofilia, derivada do grego ‘bio’ (vida) e ‘filia’ (amor à vida), envolve uma conexão profunda com a natureza. Com a previsão de que até 2050, 70% da humanidade viverá em cidades, imagine a quantidade de crianças que nascerão em ambientes urbanos, predominantemente mais do que nas áreas rurais. Segundo grandes educadores como Steiner, Montessori e Piaget, do zero aos sete anos, as crianças criam seus valores, e essas experiências terão um impacto vitalício.
As mulheres enfatizaram a importância de manter essa continuidade de interação com sistemas vivos, desde sacadas até pequenos jardins ou caixas de ervas, para que as crianças possam se conectar com a natureza desde cedo. O urbanismo deve ser um organismo biodinâmico, incorporando a biofilia para que as crianças desenvolvam um amor e um cuidado genuíno pela natureza. Quando se tornam adolescentes, essas crianças não jogarão lixo na rua e, quando se tornarem adultas, não tentarão controlar a natureza. As mesmas mulheres também sugerem que os conceitos tradicionais de cuidado, tanto para homens quanto para mulheres, devem ser desconstruídos desde a casa até a escola e além, promovendo um mundo mais igualitário.
E, claro, quando chegamos às universidades de arquitetura e urbanismo, é crucial integrar uma cadeira sobre urbanismo sensível ao gênero. Tenho certeza de que a demanda será alta porque há um interesse genuíno e uma curiosidade sobre como envolver todas as identidades, não apenas homens e mulheres.
Poderia citar exemplos de cidades ou projetos que foram influenciados positivamente pela participação feminina no planejamento urbano?
May East: Existem muitas cidades que me inspiraram e ainda me inspiram, e Viena é um exemplo. Com mais de 30 anos de um planejamento urbano sensível ao gênero, Viena mostra desde detalhes como o tempo necessário para um pedestre cruzar a rua até a priorização de quem é mais importante na via – primeiro o pedestre, depois o ciclista e, por último, o carro, que é visto como um convidado. Viena é um grande exemplo não só em termos de mobilidade, mas também na área de habitação.
Outro exemplo é Lyon, que adotou um orçamento participativo sensível ao gênero e que se expandiu para o mundo. Na França, assim como em várias cidades na Espanha, esse orçamento não se limita a números, ele é uma expressão dos valores da cidade. Eles avaliam todas as linhas do orçamento para verificar se o gasto municipal está aumentando ou diminuindo a lacuna de gênero. Eles identificaram, inclusive, onde havia necessidade de intervenções específicas para reduzir essas desigualdades.
De que maneira essas cidades realizaram as intervenções?
May East: Por exemplo, eles perceberam que todos os investimentos em esportes eram direcionados para clubes competitivos, como o futebol, sem considerar o que as meninas realmente gostariam de fazer. Começaram a perceber que as meninas não estavam interessadas em esportes competitivos, mas também não tinham verba para outras atividades. Então, decidiram ouvir as meninas para entender o que elas queriam. No início, as crianças entre zero e sete anos brincam juntas nos playgrounds, mas aos sete anos, os meninos começam a se engajar mais em atividades esportivas competitivas, enquanto as meninas acabam sem um espaço adequado fora de casa. Isso as leva a buscar espaços como shoppings, onde têm opções limitadas de socialização urbana.
Então, iniciativas como o movimento Make space for girls [Faça espaços para garotas, em tradução livre], estão muito fortes na Escandinávia. Há uma cidade na Suécia chamada Umeå que há anos trabalha para criar espaços adequados para meninas. Sentam-se com elas para perguntar como gostariam de usar os espaços públicos. Elas expressam o desejo de estar onde todo mundo está, mas não necessariamente no centro da cidade, preferindo se reunir em grupos menores em outros lugares.
Exemplos como esses mostram como cidades como Lyon e Umeå estão focando em atender especificamente a faixa etária de oito a 18 anos, uma vez que quando chegam aos 18 anos, muitas meninas não têm dinheiro suficiente para sair e pagar um café com amigos. Além disso, já não são crianças que vão ao parquinho ou ao balanço. Então, onde elas ficam? Muitas cidades estão começando a se preocupar com essa geração ‘perdida’ no urbanismo.
O que podemos aprender olhando para o exemplo dessas cidades e trazer para a realidade das cidades brasileiras?
May East: Na verdade, a gente fala muito mais sobre bairros e lugares específicos do que sobre cidades como um todo. Em São Paulo, por exemplo, há movimentos como o Eco bairro na Vila Mariana e o Transition Granja Viana, que estão promovendo proximidade entre vizinhos, aproveitando os recursos e talentos locais para resolver problemas. Em Florianópolis, o centro-oeste da cidade realizou um trabalho incrível ao manter os paralelepípedos históricos na região, apesar da pressão para modernizar com calçadas de concreto para saltos altos. A comunidade entendeu que preservar esses elementos históricos é mais importante para a identidade do bairro.
Na Rocinha, no Rio de Janeiro, as mulheres escritoras estão reescrevendo a história do local, com um movimento chamado ‘uma mulher chama outra’, onde uma mulher apoia a outra. Cidades e bairros funcionam como livros: é possível estar lendo, reescrevendo e transformando a narrativa ao longo do tempo. No Brasil, há muitos bolsões interessantes emergindo de potencial enraizado na singularidade biocultural espacial, que combina o natural, o cultural e o construtivo, como ruas, prédios e praças.
Falando um pouco sobre o futuro dos espaços urbanos. Na sua visão, como as tecnologias de cidades inteligentes podem ser usadas para atender às necessidades das mulheres e de outros grupos também?
May East: Eu vejo cidades inteligentes, como Curitiba, como exemplos a serem seguidos. Elas deveriam integrar um processo de humanização urbana. Curitiba é um bom exemplo nesse sentido, pois há muitos anos implementa programas eficazes. Eles incluem um sistema de distribuição de cestas básicas, trazendo produtos locais para áreas urbanas a preços acessíveis. Isso beneficia tanto os agricultores locais quanto as famílias de menor renda. Além disso, a cidade oferece cozinhas comunitárias e uma teia de programas voltados para a sustentabilidade.
É fundamental repensar e usar a tecnologia para criar um ambiente urbano mais sustentável. Hoje, as cidades cobrem apenas 4% da superfície terrestre, mas são responsáveis por 80% do consumo global de energia, 75% das emissões de carbono e mais de 70% do uso de recursos naturais. Entre 1,8% e 2% desse território são dedicados a ruas e estacionamentos. Portanto, precisamos redesenhar as cidades para serem de proximidade, favorecendo o transporte ativo como bicicletas, patinetes e caminhadas. A dependência no carro movido a etanol ou gasolina precisa ser repensada. Recentemente, o governo federal brasileiro anunciou investimentos em estradas, mas precisamos avançar para uma abordagem mais sustentável. Isso implica repensar a questão do gênero, a rápida urbanização e o imperativo da descarbonização em nossas vidas.
Como imagina as cidades no futuro, considerando um planejamento que inclua de forma a perspectiva feminina e de outros grupos?
May East: Sinto que o futuro das cidades será totalmente orientado para a localização. Elas podem ser grandes em termos de crescimento, mas as pessoas manterão uma forte identidade local. Elas viverão e consumirão localmente, terão pequenos negócios, e a produção de alimentos urbanos vai crescer significativamente. A biofilia permeará essas cidades, que maximizarão o uso de recursos locais e promoverão a vida silvestre retornando às áreas urbanas.
Também vamos aprimorar um aspecto muitas vezes negligenciado: a vigilância natural, através dos ‘olhos da rua’. Isso significa que não dependeremos apenas de câmeras de segurança e policiamento armado. As pessoas se cuidarão mutuamente. Vamos redistribuir o uso do solo e os orçamentos urbanos para a feminização dos espaços verdes, implementando guardas comunitários não armados, compostos por homens e mulheres que caminham pelas ruas para mais segurança.
O uso do espaço público à noite será totalmente liberado para todos os gêneros e idades, com mais empatia entre motoristas, ciclistas e pedestres. Além disso, estaremos projetando cidades que incluem rotas de ar puro e zonas de baixa emissão de carbono. Vamos criar uma infraestrutura onde pedestres, ciclovias, patinetes e transporte público se movimentem de forma eficiente e bem conectada.
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