Meliponários, conhecidos como fábricas de abelhas sem ferrão, ajudam a recuperar áreas verdes em função da polinização feita pelos insetos.
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Ana Cecília Panizza em 27 de fevereiro de 2024 5minutos de leitura
Foto: Alessandro Carvalho
Entre os pontos turísticos de Belo Horizonte/MG, um nada convencional no Parque das Mangabeiras tem chamado a atenção: uma fábrica de abelhas – o Meliponário Biofábrica. Inaugurado em novembro do ano passado, ele faz parte do projeto Poliniza BH, promovido pela prefeitura.
Composto por estruturas geralmente feitas com caixas de madeira, que dão forma a colmeias de abelhas sem ferrão de várias espécies, o meliponário tem como objetivo multiplicar os enxames na cidade, sem colocar em risco à população, uma vez que as abelhas sem ferrão fazem a polinização do meio ambiente, atuando diretamente na frutificação e reprodução das plantas e, assim, ajudam a recuperar áreas verdes do município. O projeto também busca conscientizar a população acerca da importância dos insetos para a biodiversidade.
Segundo o relatório da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos e da Rede Brasileira de Interações Planta-Polinizador, as abelhas são responsáveis por quase 80% dos cultivos polinizados. Além delas, moscas, vespas, borboletas, mariposas, morcegos e besouros desempenham de forma natural os chamados serviços ecossistêmicos. Indispensáveis à sobrevivência do homem, eles também estão associados à qualidade de vida e ao bem-estar da sociedade e são fornecidos pela natureza.
Fábrica de abelhas em casa
No Meliponário Biofábrica de BH sete espécies de abelhas sem ferrão atuam na polinização da horta, dos jardins e das áreas florestadas do Parque das Mangabeiras: mirim-preguiça (Friesella schrottkyi), marmelada amarela (Frieseomelitta varia), mocinha-branca (Frieseomelitta doederleini), mocinha-preta (Frieseomelitta languida), mandaçaia (Melipona quadrifasciata), uruçu amarela (Melipona mondury) e jataí (Tetragonisca angustula). Entre as mais de 300 espécies de abelhas sem ferrão existentes no Brasil, essas foram as escolhidas por serem dóceis e conseguirem se adaptar ao meio urbano.
Os materiais utilizados vêm da natureza (como barro e própolis) ou são produzidos pela cera secretada pelas próprias abelhas. Com esses materiais, a colônia é construída, dando forma ao ninho. Em cada célula de cria, a rainha deposita um ovo, que dá origem a uma nova abelha. Nessas células de cria, as operárias depositam alimento suficiente para que as abelhas se alimentem até atingirem a fase adulta.
No Centro de Educação Ambiental do Programa de Recuperação e Desenvolvimento Ambiental da Bacia da Pampulha (CEA PROPAM) outra fábrica já está na ativa. E mais duas estão previstas para serem inauguradas ainda em 2024. Mas, para que se interessar, é possível criar abelhas sem ferrão até mesmo em casa, desde que o entorno da residência tenha alguma área preservada ou parque bem arborizado. “Qualquer cidadão pode criar em casa, desde que seja uma espécie que esteja adaptada à localização e respeitando as características de cada espécie”, esclarece Thiago dos Santos, biólogo da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Belo Horizonte. Santos explica que para até 49 enxames não é preciso registrar o criadouro junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) ou Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA). Se o cidadão tiver 50 ou mais enxames, o meliponário precisa ser registrado.
No Meliponário Biofábrica as oficinas de “iscas-pet” são dedicadas a ensinar os participantes a fazer uma fábrica de abelhas sem ferrão em casa começando com o uso de uma garrafa pet. A técnica consiste em usar a embalagem para simular um local favorável para a criação de ninhos, como se fosse uma isca para atrair as abelhas sem ferrão.
Além de favorecer a polinização de mais áreas verdes e hortas, a prática pode se tornar fonte de renda em função da produção de mel. Para isso, as espécies mais produtivas são mandaçaia, uruçu, mandaguari e jataí.
O mel produzido por abelhas sem ferrão é menos açucarado e mais suave em relação às espécies com ferrão. O meliponicultor e biólogo Ian Meireles da Cunha explica que uma das razões é que as primeiras procuram alimentos em flores nativas, ou seja, são dependentes de florestas. Já as segundas são mais generalistas, buscam alimentos em qualquer coisa que possa oferecer recurso açucarado: de plantas exóticas à Coca-Cola.
Outra diferença é no armazenamento do mel. Abelhas sem ferrão, segundo Cunha, têm uma característica interessante. Para construir favos (estruturas de cera com furos hexagonais), que são os potes de mel, elas usam cera acrescida de própolis. “Então o mel de abelha sem ferrão vem sempre batizado com própolis, ele tem propriedades de um produto medicinal, é mais benéfico”, revela o biólogo, que atualmente desenvolve pesquisa de mestrado estudando a diversidade de abelhas sem ferrão da Serra do Japi em Jundiaí/SP.
Fábricas de abelhas pelo Brasil
Iniciativas como a de Belo Horizonte se espalham pelo País, como observa Cunha. Segundo ele, projetos que visam à conservação das abelhas sem ferrão estão em alta no Brasil e na América do Sul. “A meliponicultura foi uma atividade mais popular no passado e agora volta com força e de forma mais estruturada, com apoio de instituições públicas e privadas”.
É o caso do programa Poliniza Paraná, que disponibiliza a instalação de estruturas para criação de seis espécies de abelhas nativas sem ferrão. São 205 meliponários no estado, localizados em parques urbanos, unidades de conservação e outros pontos, como o Palácio Iguaçu, que fica em Curitiba e é sede do governo estadual.
Santarém, no Pará, também tem o seu Meliponário Didático “Bosque das Abelhas”, localizado na Unidade Tapajós do campus da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa). O projeto é vinculado à disciplina de Apicultura e Meliponicultura do curso de Zootecnia do Instituto de Biodiversidade e Florestas e tem como proposta compartilhar conhecimento sobre as abelhas sem ferrão com estudantes da universidade, além de receber o público externo por meio de visitas monitoradas.
Em novembro de 2023, foi a vez da Bahia ganhar seu primeiro meliponário público, no município de Vitória da Conquista. A fábrica de abelhas funciona no Orquidário Municipal Zilda Gusmão, local propício para a reprodução das abelhas sem ferrão e para a conscientização dos visitantes sobre a importância das abelhas na polinização.
Já Goiânia/GO recebeu seu primeiro meliponário público em maio de 2023, no Parque Bernardo Élis, após um processo de resgate de abelhas sem ferrão. Elas foram retiradas de seu habitat porque estavam com ninhos estabelecidos em árvores que tinham que sofrer podas ou seriam extirpadas por motivo de doença ou morte das plantas.
As abelhas foram distribuídas em 40 caixas-ninhos confeccionadas por funcionários da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) com madeira reciclada, já usada por eles para construção de bancos e mesas para praças e casinhas de corujas. O Parque Bernardo Élis foi o escolhido para sediar a fábrica de abelhas em função do processo de recuperação ambiental de matas ciliares degradadas da bacia do Ribeirão Macambira e Anicuns. “Cultivar abelhas sem ferrão abre os olhos para a necessidade de se manter e se produzir áreas verdes. A meliponicultura caminha com a ideia de tornar o espaço urbano algo mais próximo do espaço natural”, acrescenta Cunha.
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