Equilíbrio eficiente para cruzar o rio

Como a compreensão do modelo econômico adotado pela China inspira – e como esse modelo tem algo a ensinar sobre as organizações que queremos.

Por Eduardo Fischer em 8 de setembro de 2025 4 minutos de leitura

Vista dos arranha-céus de Xangai ao longo do rio Huangpu com a bandeira nacional da China
Foto: tige /Shutterstock

Estive na China em abril desse ano para participar de um curso sobre inovação. A visita passou por Pequim e Xangai, e proporcionou, além das trocas com empreendedores e outros CEOs, uma oportunidade singular de ver a China sob uma ótica muito mais ampla do que os estereótipos e as simplificações tão comuns no ocidente. 

Visitei o país que analistas e economistas, locais ou não, chamam de “a nova China”. Um país que equilibra de forma eficiente o que pareceria, em um olhar superficial, uma dicotomia irreconciliável, mas que acaba criando o cenário ideal para uma economia inovadora e potente: centralização política, descentralização econômica, nas palavras da economista Keyu Jin, professora associada da London School of Economics, atuante em Londres e em Pequim. 

Essa característica – segundo Jin, fundamental para contextualizar as transformações que colocam a China no lugar de destaque em que se encontra – combina-se com perfeição a uma conjuntura composta por cultura de disciplina e compromissovalorização do conhecimento e visão afiada sobre as forças produtivas que fazem mais sentido hoje. 

Começando por essa conjuntura: na China, trabalha-se muito. Estuda-se muito. O desenvolvimento vem, essencialmente, pelo esforço. E esse esforço, cada vez mais, envolve, além do “conhecer”, o “saber aplicar”. 

E isso não é de hoje: há na China uma cultura de nação milenar que mantém pessoas, famílias, sociedade, estado, iniciativa privada na mesma página. Algo como um “jeito de ser e de agir” chinês, a partir de uma visão verdadeiramente compartilhada do caminho a seguir. Uma visão que é que é fortalecida, reiterada e perpetuada geração após geração e sustenta uma rede que funciona, sem energia dissipada, em que tudo avança para uma mesma direção. 

Essa lógica cultural é impulsionada por incentivos sistêmicos; entre os mais notáveis, aqueles voltados para a inovação, a ciência, a tecnologia. A educação STEM (em tradução, Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) é prioridade na China – e tem papel crucial no desenvolvimento econômico e tecnológico e na crescente independência chinesa em termos de capital intelectual. 

Nos anos recentes, têm sido significativos os investimentos em nessas competências, resultando em abundância de profissionais qualificados em áreas como inteligência artificial, robótica e TI. Habilidades como investigação, resolução de problemas, inovação, empreendedorismo, comunicação tecnológica e design experimental são incorporadas (muitas vezes desde bem cedo) a um processo de aprendizagem experiencial, prático, em que a capacidade de aplicar o conhecimento está em foco. 

É fato conhecido que a baixa disponibilidade de talentos em tecnologia e áreas correlatas é um entrave ao desenvolvimento. Ao estimular essas formações, o governo chinês consolida um dos pilares para o crescimento sem precedentes do país. Dados relativamente recentes da Unesco e do Fórum Econômico Mundial apontam que entre os chineses formados em carreiras de curso superior 33% se especializam em áreas STEM (para comparação, no Brasil, no mesmo momento, o percentual é de 17%). 

Agora, sobre aquela dicotomia – centralização política, descentralização econômica – talvez esteja a maior “surpresa” para quem teimar (como eu fazia) em ver a China como um sistema enrijecido.  

A China que tirou 850 milhões de pessoas da pobreza em pouco mais de 30 anos, e que viu seu índice de Desenvolvimento Humano (IDH) passar de 0,410 em 1978 para 0,761 pontos em 2020, tem uma política centralizada, que define os grandes objetivos, e uma gestão bastante descentralizada para fazer acontecer. 

Em poucas palavras: o governo nacional determina os índices a atingir e estabelece as referências, o “porquê”; as províncias decidem de que forma serão canalizados esforços, investimentos, os recursos intelectuais e humanos, ou seja, o “como”. 

Nesse equilíbrio eficiente, há um consistente contrato social que evidencia o esforço individual e o progresso pessoal como componentes de um organismo coeso

A tradição de colocar interesses da comunidade acima de interesses pessoais a princípio parece contrastar com a ênfase no indivíduo (algo bem ocidental); mas na China, a sociedade é motivação para esse indivíduo; é um todo que estimula, que cria oportunidades e que orgulha, alavancando, assim, complementariedade, conectividade e cooperação – entre pessoas, empresas, países. Um sentido, uma vontade e uma disponibilidade geral, extremamente perceptível em todas as visitas e conversas. 

A economia mais dinâmica do planeta, com metrópoles confortáveis, mobilidade social, sociedade funcional e gente vibrante, é exemplo bem-acabado de como o alinhamento a um propósito combinado à pluralidade de meios cria as condições para o crescimento (não por acaso, isso é presente também em organizações bem-sucedidas). Mais ainda: a engrenagem que mantém a China na posição em que está é intrincada, complexa e remonta, entre outros aspectos, a traços milenares; mas remete, também, a uma busca permanente de novas e melhores formas de organização e gestão. 

O “jeito chinês de promover transformações” foi resumido por Deng Xiaoping, líder supremo da República Popular da China entre 1978 e 1992 e responsável pela chamada economia de mercado socialista: “é preciso cruzar o rio sentindo as pedras sob os pés”. Ver de perto os elementos, os grandes desafios e os resultados dessas transformações é um aprendizado inspirador para lideranças – aliás, para todos. 

Eduardo Fischer (Foto: Leo Drumond/ NITRO)

*Eduardo Fischer é CEO da MRV&CO e Líder com ImPacto – ODS 11, programa do Pacto Global da ONU. 

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