“O lado B pode se transformar em A”, diz Débora Rocha

A gerente de Novos Negócios do Sistema B, Débora Rocha, mostra como as cidades podem usar a combinação entre negócio, propósito e lucro.

Por Redação em 16 de maio de 2022 6 minutos de leitura

A expressão “plano B” vai ganhar um significado diferente para as cidades. Pelo menos é o que o movimento batizado de Sistema B pretende. O objetivo é mostrar que existe um outro lado, ou seja, uma maneira possível, viável e necessária de integrar negócio, propósito e lucro e romper com um sistema que visava, exclusivamente, ao lucro a qualquer custo.

Assim, a rede de Empresas B foca em criar e desenvolver companhias que seguem modelos de negócio de impacto socioambiental positivo. “É um movimento que tem conexão com a vida e que mostra essa consciência de que o sistema que vivemos agora, com a desigualdade social, as guerras, a fome, a emergência climática… não está correto. Ser B é olhar para o mundo de maneira diferente e mostrar que podemos melhorar juntos”, disse a gerente de Novos Negócios em Rede do Sistema B do Brasil, Débora Rocha. Para ela, esse é um pensamento que está chegando à gestão das cidades, criando espaços de diálogo e de prática de inovações e formando parceria entre empresas, ONGs, governo e cidadãos. Confira, a seguir, a entrevista que ela deu exclusivamente ao Habitability sobre o tema:  

O que é o Sistema B?

Débora Rocha – O movimento de Empresas B começou nos Estados Unidos em 2006 a partir da experiência de três empresários, que tinham passado por situações de venda das suas empresas em que estavam. Eles trabalhavam em companhias comprometidas socioambientalmente, mas que, com venda, corriam o risco de perder parte desse viés. Seja por conta da visão diferente das grandes companhias que compraram a empresa, seja pelo corte de custos que geralmente acontece depois de uma fusão ou aquisição. A partir da ideia de que esse movimento de mercado não poderia ameaçar o avanço do comprometimento social e ambiental das empresas, esses executivos criaram as Cláusulas B, que vão direto para o contrato social da empresa. Essas cláusulas dizem expressamente que todas as decisões tomadas naquela empresa terão como objetivo a lucratividade, as pessoas e o meio ambiente, com o mesmo peso para os três fatores. Não é um ou outro, são todos juntos. Parece simples, mas o fato desse pensamento estar no DNA da empresa, no estatuto social, já faz toda diferença quando acontece uma fusão ou aquisição. A preocupação social vira um patrimônio da empresa e isso é tão poderoso que empresas grandes acabam procurando comprar empresas B. Essas, por sua vez, se transformaram em um vírus do bem. 

A certificação como Empresa B está disponível há quase 10 anos no Brasil, e já conta com mais de 230 empresas certificadas. Qual o papel do Sistema B atualmente?

Débora Rocha – Saímos daquele modo “sobrevivência” e estamos apoiando as empresas que já são certificadas a ampliarem a voz do “jeito B”. Agora estamos pensando em como levar mais empresas e organizações para que elas pensem em serem melhores para o mundo e não apenas em serem “do mundo B”. 

Qual o significado de Modelo de Impacto e o que isso implica para as cidades?

Débora Rocha – O “B” vem do inglês “benefit”, ou seja, de como as empresas podem entregar benefícios para  a sociedade e para o planeta. Quando ela resolve um problema socioambiental, por exemplo, ela entrega um benefício. Chamamos isso de Modelo de Negócio de Impacto porque a empresa já coloca na missão dela o objetivo de resolver um problema socioambiental ou apenas social ou ambiental. 

A nossa cabeça cartesiana é condicionada a pensar em causa e efeito, mas uma coisa que aprendi com as a ferramenta de avaliação de impacto B é que precisamos entender a atuação das empresas em cinco áreas: clientes, meio ambiente, comunidade, trabalhadores e governança. E a sua expressão é diversa e complexa, por exemplo, há empresas B com 80 pontos, mas a disposição desses pontos é de forma diversa e em áreas diferentes. Ou seja, existem empresas com modelo de negócio tradicional, mas que têm bom impacto social ou ambiental. Tem empresas com modelo de impacto na gestão, mas cuja governança é centralizada… e isso me lembra muito o projeto de cidades: olhamos cidades modelo, geralmente localizadas no Hemisfério Norte, mas elas são diferentes e não comparáveis com as cidades daqui. Como sociedade, sermos ensinados a olhar a singularidade de cada pessoa e de cada lugar é um grande feito. Assim, paramos de tentar reproduzir coisas para achar as nossas próprias soluções. Pensando no futuro das cidades, cada uma tem exigências diferentes. Portanto, é difícil pensar em um futuro só para as cidades, pois são vários tipos urbanos. Quando comparamos, por exemplo, São Paulo e Curitiba, são exigências diferentes embora existam similaridades quanto à desigualdade social e os desafios da emergência climática. 

O que significa o “ser B” das cidades?

Débora Rocha – O urbanista Jan Gehl é uma inspiração para se pensar em como os princípios de ser B pode ser aplicado nas cidades. Isto é, não existe uma fórmula pronta que atenda a todo mundo e a todas as cidades. É preciso observar as condições, o entorno, as relações, para então propor uma solução que de fato possa mudar aquela realidade. Um dos valores do Movimento B é a interdependência do papel das empresas no desenvolvimento do mundo, seja para o bem, seja para o mal, pois esse desenvolvimento é do mundo em geral e não apenas da empresa ou de seus colaboradores. Isso também vale para as cidades, afinal, precisamos olhar para todos os fatores e para os diferentes temas que afetam as pessoas. 

O movimento B é um movimento que tem conexão com a vida e que mostra essa consciência de que o sistema que vivemos agora, com a desigualdade social, as guerras, a fome, a emergência climática… não está funcionando bem, pois não está promovendo, a abundância, a harmonia, a justiça social e ambiental. Ser B é olhar para o mundo de maneira diferente e mostrar que podemos melhorar juntos. 

Quando trazemos para o projeto de cidades, o “jeito B” traz essa articulação “multi-stakeholders”. A mudança é coletiva e sistêmica e não pode ser feita apenas pelas empresas. Então, é trazer os setores público privado, as ONGS, o governo, as universidades e os cidadãos conversando em uma mesma mesa para criar uma visão compartilhada. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) são o guia para que se chegue a uma transformação real e a conversa saia apenas da discussão da política pública. 

No caso das empresas, existe uma certificação como Empresa B. Mas e as cidades, como é a ação de uma “Cidade B”?

Débora Rocha – As ações são mais regionais: os feitos de Barcelona, de Assunção e do Rio de Janeiro, todos com os projetos +B são diferentes uns dos outros. A cidade de Mendoza, na Argentina, por exemplo, criou uma política pública para incentivar que empresas que são suas fornecedoras adotassem compromissos ambientais. Ou seja, para ser contemplado em uma licitação as que tem impacto social positivo acabam se destacando. Isso convida as empresas a entrarem na trilha do desenvolvimento de comprometimento socioambiental. Imagina a potência que é uma prefeitura falar: “vamos todos melhorar porque o dinheiro é público e queremos contratar serviços que apoiam a melhora da cidade como um todo”. 

Quais as respostas que a ação multidisciplinar do Sistema B traz para as pessoas e para as cidades?

Débora Rocha – Um dos aprendizados que escutei de pessoas que participaram do Rio + B é que quando o projeto tem a governança compartilhada entre os quatro setores, a tomada de decisão é melhor porque se cria um outro território, algo que não é comum de se ver e viver. Não é uma audiência pública discutindo uma política pública, porque até nesses ambientes, quem participa não é, exatamente, o dono da caneta. Tampouco é uma reunião de conselho de uma empresa. É outra realidade, com uma articulação que mobiliza novos fazeres e novos jeitos de se comportar. 

. Para as cidades, o projeto cidade + B traz a construção do propósito compartilhado, depois o laboratório vai fazer com que essa visão seja mais prática. E, então, temos as iniciativas para solucionar os problemas levantados, com a atuação direta no território para, em seguida, medir esse impacto. 

Você comentou do Rio e de Mendonça, mas tem alguns outros exemplos de laboratórios de “cidades + B” para dividir com a gente?

Débora Rocha – Assunção, no Paraguai, usou o Assunção + B para criar pertencimento, um branding local. Fizeram uma articulação para que cada bairro criasse seu branding, para que outros conhecessem e ficou muito legal, pois uniu a cidade. Barcelona usou o Barcelona + B para criar um diagnóstico colaborativo utilizando dados levantados pela própria população. Os dados foram coletados com o público e analisados em massa, saindo da dependência dos dados oficiais. Isso mostrou uma realidade diferente da cidade em relação ao que os dados públicos mostravam. Dessa forma, políticas públicas podem ser construídas de maneira mais especializada. O mapeamento coletivo dos dados é algo que Barcelona vai usar mais vezes e que traz muito da visão B: trazer o olhar dos cidadãos sobre o município.

Esses casos só mostram que não existe uma resposta pronta, que a mudança é coletiva e que, para fazer junto, é preciso sonhar junto, porque individualismo e competição são valores do século passado. Estamos tentando mudar!