Philip Fearnside: precisamos largar os combustíveis fósseis e parar o desmatamento agora

Para o pesquisador do INPA, esforços não têm sido suficientes e nem efetivos para evitar o ponto de não-retorno na Amazônia e mitigar a mudanças climáticas.

Por Paula Maria Prado em 30 de setembro de 2024 6 minutos de leitura

Philip Fearnside (Foto: Inpa/ Divulgação)

Evitar a fragmentação de florestas nativas responsáveis por estocar carbono é uma das ações prioritárias para mitigar as mudanças climáticas e seus impactos na perda de biodiversidade. Essa é a conclusão de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Centro de Conhecimento em Biodiversidade, em parceria com pesquisadores de instituições estrangeiras.

A reflexão, divulgada pela agência Bori, foi publicada em maio deste ano na revista científica “BioScience”, no artigo “Alerta dos cientistas: seis pontos-chave onde a biodiversidade pode melhorar a mitigação das mudanças climáticas” (em tradução livre do inglês). Em entrevista ao Habitability, o pesquisador do Inpa Philip Fearnside, um dos autores do artigo, traz os principais pontos abordados pelo estudo, destacando o compromisso que o Brasil precisa assumir definitivamente: parar o desmatamento e a degradação da floresta remanescente e largar os combustíveis fósseis.

O artigo do qual você é coautor elenca medidas fundamentais para mitigar as mudanças climáticas. Quais seriam?

Philip Fearnside: Com uso de literatura científica recente, elencamos seis itens: a conservação de estoques e sumidouros de carbono; a restauração adequada de áreas degradadas; a conservação integrada de fauna e flora locais; o investimento em mais produtividade agrícola, em vez da devastação de novas áreas naturais para cultivo; a incorporação de medidas práticas para sustentabilidade por empresas e instituições financeiras; e a colaboração entre especialistas para alinhar políticas e ações necessárias aos desafios ambientais. Esse último ponto poderia ser feito por meio da união das Conferências das Nações Unidas (COPs) sobre Biodiversidade e Clima, que atualmente têm calendários distintos de realização.

Leia também: Pacto trinacional recupera 1 milhão de hectares da Mata Atlântica

Quais desafios relacionados à biodiversidade enfrentamos no Brasil?  

Foto: Ricardo Stuckert/ PR/ Palácio do Planalto via Flickr

Philip Fearnside: Os principais desafios para a biodiversidade na Amazônia são o desmatamento, a degradação da floresta por exploração madeireira e incêndios. Também há a mudança climática, que inclui o aumento de eventos extremos; a invasão de espécies exóticas; e a exploração local por caça, pesca e formas de colheita. 

Quais os principais ônus das alterações climáticas e da perda da biodiversidade para o ecossistema e a sociedade? 

Philip Fearnside: O aquecimento global, que causa aumento de grandes secas e de grandes inundações, tem claros impactos sobre a biodiversidade e ameaça o ecossistema da floresta tropical como um todo na Amazônia. Se passar de algum dos vários pontos de não retorno [quando um ecossistema ultrapassa sua capacidade de suportar alterações, tornando raras as chances de retorno ao seu estado original], a perda da floresta não só elimina a sua biodiversidade, como também emite uma enorme quantidade de carbono, o que pode ser um fator crítico em aumentar o aquecimento de uma forma que empurrará o sistema climático global para além do ponto de inflexão. 

Leia também: “Aquecimento global não. Estamos em ebulição”, diz cientista Paulo Artaxo

Reduzir as emissões de CO2 na atmosfera ainda é o suficiente? 

Philip Fearnside: Reduzir a emissão de CO2 e dos outros gases de efeito estufa é essencial para evitar uma catástrofe global. O Brasil será uma dos maiores vítimas se o aquecimento global sair de controle, começando com a perda da floresta amazônica e o seu papel em manter as chuvas em grandes centros populacionais, como São Paulo. Por isso, precisamos parar de queimar combustíveis fósseis , o desmatamento e a degradação da floresta amazônica, além de coibir o plantio de florestas baseadas em espécies exóticas, como pinus ou eucalipto, e promover um uso mais consciente da terra para atividades agrícolas, o que evitaria a expansão de áreas de cultivo.

O plantio de pinus e eucalipto é um dos pontos de crítica do artigo. Por quê? 

Philip Fearnside: O plantio de pinus e eucalipto não beneficia a biodiversidade. Também não é prioridade para a redução do carbono porque o benefício de parar o desmatamento é muito maior. Uma vez que o “dinheiro verde” é sempre insuficiente, gastá-lo com plantio de árvores significa que ele não está sendo usado com a finalidade de parar o desmatamento, o que deveria ser nossa prioridade.   

Temos ainda alguns projetos de restauração, com plantios de árvores para cobrir áreas nuas. Essa é uma estratégia eficaz?  

Philip Fearnside: A restauração com plantios de árvores não é a prioridade hoje na Amazônia. É muito mais caro plantar um hectare de árvores do que evitar um hectare de desmatamento da floresta original. Além disso, os benefícios são muito menores tanto para a biodiversidade quanto para o clima, levando em conta o hectare ou a tonelada de carbono reduzido por real investido.  

O artigo diz que apenas a conectividade ambiental pode trazer benefícios para o ser humano. A que se refere esse conceito?  

Philip Fearnside: O artigo, na verdade, lamenta a criação de “ecossistemas sem conectividade ambiental” no sentido de termos ecossistemas fragmentados fisicamente. Neles, lidamos com a perda de espécies que possibilitam a reprodução de outras espécies. Assim, precisamos dar continuação do ecossistema como um todo, por exemplo, manter polinizadores e dispersores de sementes dos quais as espécies de árvores dependem. 

A manutenção de espécies nativas da floresta tropical mantém as funções climáticas da floresta, como a estocagem de carbono e a reciclagem da água. É bom lembrar que todas as unidades de conservação foram criadas para proteger a biodiversidade, não para proteger o clima. Mas essas áreas têm uma grande importância para evitar mudanças climáticas. 

Os governos (caso do Brasil) já oferecem incentivos financeiros para quem mantiver suas áreas conservadas. É o suficiente? Precisamos do apoio da iniciativa privada?  

Philip Fearnside: É evidente que este esforço não é suficiente. A floresta continua a ser perdida. É bom lembrar que estes programas de incentivos financeiros só funcionam em terras legalmente tituladas. E este não é o caso de, ao menos, metade das terras que sofrem com desmatamento na Amazônia. 

E como empresas privadas estão lidando com a questão da biodiversidade global e as alterações climáticas? Há uma movimentação nesse sentido?  

Philip Fearnside: Muitos dos programas ambientais financiados por empresas funcionam bem como uma ação de relações públicas, mas têm pouco efeito em diminuir o desmatamento.  Por exemplo, promover a implantação de agroflorestas por pequenas comunidades na Amazônia não tem muito efeito, pois essas comunidades desmatam muito pouco. A agricultura e a pecuária, por exemplo, são as principais forças na perda de floresta amazônica, que tem graves consequências para as mudanças climáticas. Portanto, é preciso enfrentar os grandes fazendeiros e grileiros que estão fazendo o grosso do desmate. 

Qual o cenário diante de uma inércia?  

Philip Fearnside: O cenário é ruim, dada a urgência de parar o desmatamento. No entanto, não se deve adotar uma visão fatalista sobre isto. 

Quais os principais pontos-chave que precisamos focar neste momento para conseguirmos ter êxito nessa batalha em prol de um futuro habitável? 

Philip Fearnside: A urgência de grandes mudanças a curto prazo é evidente. A avaliação global lançada pela Convenção de Clima (COP28), no final do ano passado, mostrou que as emissões globais de gases de efeito estufa precisam diminuir em 43% até 2030 para evitar que passemos do limite de 1,5 graus acima da média pré-industrial, o que corresponde a pontos de inflexão no sistema climática global e também na manutenção da floresta amazônica. Isso significa que precisamos largar os combustíveis fósseis e parar o desmatamento agora!

Temos caminhado nessa direção?

Philip Fearnside: Com exceção do Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas, praticamente todo o resto do governo brasileiro está agindo do outro lado, aumentando as emissões.  O Ministro de Minas e Energia até falou que o Brasil deve explorar petróleo, inclusive na Foz do Amazonas, até que o País se torne rico. E o próprio presidente se referiu ao projeto da Foz Amazonas, afirmando que não devemos jogar fora qualquer oportunidade para fazer o País crescer. Sendo que esse “crescer e ficar mais rico”, significaria a intenção de explorar para sempre. 

O Ministério da Agricultura subsidia pastagem e soja na Amazônia. O Ministério dos Transportes quer reconstruir a rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho), que, junto com as estradas laterais planejadas e as estradas ligadas a ela já existentes, expõe aproximadamente a metade do que sobra da floresta amazônica brasileira à entrada de desmatadores. E o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) continua querendo legalizar as reivindicações de terras em terras públicas.  Tudo isto leva à perda da floresta amazônica e as suas funções, incluindo o suprimento de água pelos “rios voadores” que mantém a cidade de São Paulo.

Mas, no seu ponto de vista, ainda há saída? É possível estabelecer um diálogo sobre esses temas complexos?   

Philip Fearnside: As pessoas não devem se deixar ficar paralisadas diante da grave situação. Uma posição de fatalismo sobre a destruição da floresta se torna uma profecia que se auto realiza.