Queremos fazer das cidades algo melhor do que elas são

Nesta entrevista, Rafael Menin, CEO da MRV, empresa do Grupo MRV&Co, fala do conceito de habitabilidade e de como as soluções de habitação devem ir além da construção da moradia em si

Por Redação em 11 de outubro de 2021 5 minutos de leitura

rafael menin

Os modelos de negócios baseados em plataformas se tornaram uma tendência na última década. Como você tem visto isso no segmento habitacional?

Para responder a essa questão, gostaria de voltar alguns passos e destacar conceitos importantes. O primeiro deles é lembrar que o mercado imobiliário lida com um produto cada vez mais importante para as pessoas, pois passamos mais da metade do nosso tempo dentro de casa. A preocupação não se restringe aos países pobres ou em desenvolvimento. A atenção com moradia é a maior dor social também nos países ricos. Veja o caso de Hong Kong, na China, onde a renda per capita é de 30 mil dólares por ano. São pessoas bem remuneradas, que vivem num local com baixo desemprego, mas moram em apartamentos caros e compactos, com 25 metros quadrados, em média. Se forem comprar um imóvel novo, provavelmente vão comprometer 60% de sua renda mensal durante 30 anos. É uma conta que não fecha. Outro exemplo do mundo desenvolvido é o Vale do Silício, nos Estados Unidos. A maior parte das pessoas não consegue morar em São Francisco, por exemplo, pelo alto custo dos imóveis, então precisam se deslocar uma hora e meia de casa para o trabalho. Se optarem por morar perto do trabalho, vão ter que arcar com aluguéis caros e comprometer boa parte de sua renda. Em resumo: habitação é um problema global, que piora no caso dos países pobres, pois parte da população precisa passar 12 horas do seu dia em um lugar inseguro e insalubre, comprometendo, inclusive, a educação dos filhos. A habitação é uma fonte de problemas, mas também pode ser uma fonte de soluções para quem vive nas cidades, e a maior parte da população vai viver em regiões urbanas nas próximas décadas. Hoje, nos países ricos, cerca de 85% dos habitantes estão nas cidades. Parte do nosso negócio é endereçar as dores das comunidades onde estamos inseridos, incluindo a solução da moradia. 

E o segundo ponto que você comentou?

O segundo aspecto é uma decisão que tomamos há um bom tempo, dado o tamanho e penetração do Grupo, o que se traduz em uma influência de mercado.  Decidimos que iríamos fazer mais do que o imóvel em si, mas sim fazê-lo de forma inclusiva, atuando na transformação do bairro onde ele está e tendo um impacto positivo no meio-ambiente. As chamadas políticas de sustentabilidade, responsabilidade social e governança, conhecidas pela sigla em inglês ESG, não se resumem a entregar uma moradia, mas fazer isso de forma que impacte positivamente a cidade. Essa decisão foi acelerada e sempre fez parte da nossa operação. Mas queremos acelerá-la ainda mais. 

Na prática, como as iniciativas de ESG podem ser implementadas? 

Primeiro fazer do apartamento uma importante solução social, e o modelo de plataforma, permite que se entregue além da moradia, começando na compra do imóvel e não se encerrando na entrega das chaves. Pelo contrário, é nesse momento que nascem mil possibilidades de relacionamento com o dono do imóvel. Ele pode montar a sua casa com todo o suporte, contratando pela internet, por meio do marketplace, e tendo a possibilidade, nos casos onde isso está disponível, de ter acesso a carros e bikes compartilhados, etc. Ele pode ainda migrar para outros modelos habitacionais dentro do ecossistema que criamos. Com isso, fechamos a ideia da importância da moradia e de como podemos construí-la da melhor forma possível e integrada com iniciativas de sustentabilidade, responsabilidade social e governança. Por fim, entender que a proposta de valor não se encerra na entrega da chave, mas que devemos ter uma função social, ir além da moradia em si. Essa é uma agenda de futuro. 

Você falou em futuro e em soluções que vão além da moradia e incluem a cidade. Como você imagina o futuro das cidades?

Temos duas respostas para a questão. A primeira é quando se compra um terreno para um empreendimento de, por exemplo, 300 apartamentos. Vamos pensar na requalificação da vizinhança, na reforma das vias de acesso, em apoio às creches na região, entre outras iniciativas. A segunda é quando o projeto é maior, ou seja de 10 ou 15 empreendimentos no mesmo bairro. Temos de pensar no conceito de cidade inteligente, no planejamento mais detalhado desse bairro, identificar a falta de creches, de conectividade digital, entre outros, e agregar soluções modernas de moradias a esses complexos habitacionais, tornando-os locais agradáveis de morar, sustentáveis e conectados. Na prática? Ter áreas comuns com acesso Wi-Fi, que permitam a alocação de sistemas de captação de imagens para monitoramento das vias, ampliando a segurança, inclusive para que os pais acompanhem os filhos que estão brincando em áreas comuns. As iniciativas também podem envolver área de coworking e de compartilhamento de carros, de recebimento de entregas, principalmente alimentos. A ideia é ser um hub, um agregador de soluções, o que torna a moradia um dos componentes. Quando pensamos nisso, estamos falando de empreendimentos com áreas verdes, com várias espécies de plantas e quebra-molas para limitar a velocidade interna nos condomínios. É como se tivéssemos um modelo de cidade dos anos 1950 em pleno 2021. 

Você falou que existem duas dores sociais importantes para toda a humanidade, que seriam habitação e saúde. Como a pandemia de Covid-19 reposiciona essas demandas?  

A pandemia foi um catalisador do que iria acontecer num prazo maior e de tendências que vieram para ficar, caso do trabalho híbrido, que acontece em parte no regime de home office, ou da maior permanência na casa. Dessa forma, os empreendimentos imobiliários precisam estar preparados para a nova realidade, oferecendo mais que a moradia, com áreas comuns que sejam molas propulsoras dessa nova realidade, incluindo a estrutura para receber as compras online, como já comentamos. Precisamos entregar mais do que um apartamento, mas sim soluções comuns, com exemplos que vão desde os carros compartilhados, lavanderias comunitárias, minimercados dentro dos empreendimentos… 

Do ponto de vista do negócio, essas soluções precisam ter viabilidade. O modelo que adotamos na MRV&CO é o da implementação delas inicialmente nos empreendimentos da Luggo e, depois de comprovadas sua viabilidade, a inserção no roadmap do grupo. 

Nós falamos de algumas inovações. Qual é o papel delas dentro desse conceito de habitabilidade? 

É uma agenda que precisa ser dividida. É como se estivéssemos falando de software e de hardware. É importante ter um “hardware” cada vez mais durável e eficiente, além de acessível economicamente. Ele também precisa ser cada vez mais industrial e sustentável, com a menor pegada de carbono possível. Além desse hardware atual, temos uma agenda incremental de hardware, com pequenas ideias que se somam e que conferem maior eficiência, inclusive quebrando modelos iniciais de produção. E há uma agenda de “software”, que envolve as questões de ecossistema, ou seja, ir além da moradia, com soluções dentro de uma plataforma de habitação. Temos vertentes de evolução, com velocidades mais lentas de implementação, combinada com vertentes de revolução, onde a velocidade de mudança é menor. 

Como você vê a MRV&Co daqui a 10 anos? Como vocês estarão contribuindo para um mundo economicamente mais justo e ambientalmente sustentável?

Certamente na liderança – lembrando que o poder público não pode fazer tudo sozinho, daí a importância da união do público com o privado – e ter um papel de vanguarda, com a ambição de transformar e induzir o mercado a se transformar em relação aos aspectos sociais e ambientais no que se refere à moradia. Eu vejo o grupo liderando e puxando a nossa indústria nessa direção, pois temos força e densidade. A habitação como futuro do mundo é uma mudança que já está acontecendo. O que será a habitabilidade daqui pra frente envolve pensar em tudo o que está acontecendo ao nosso redor. 

Os smartphones, por exemplo, digitalizaram quase tudo, absorvendo desde as calculadoras até os computadores. As moradias, assim como outros aspectos sociais como o transporte e a infraestrutura de saúde, não podem ser digitalizadas da mesma forma. Por outro lado, as moradias têm o poder de transformação das comunidades. E estamos falando de uma sociedade onde ninguém quer viver em cidades mais poluídas e com menos opções de lazer. Ninguém quer voltar para seu apartamento apenas para dormir. Queremos resgatar o apartamento, ou a moradia, de forma mais geral, considerando as duas questões que comentei acima. Um hardware e um software, a união de uma estrutura física com seu entorno, uma moradia mais agradável e harmônica. Temos potencial e massa crítica para trazer essas soluções de moradias e de uma vida melhor, inclusive para camadas menos favorecidas economicamente. E temos a ambição de ajudar a fazer das cidades brasileiras algo melhor do que elas são atualmente. 

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