A nova fronteira climática das cidades está no que elas descartam

O plano global lançado na COP30 para reduzir 30% das emissões de metano mostra que o manejo adequado dos orgânicos é uma estratégia de clima.

Por Nathalia Ribeiro em 29 de dezembro de 2025 4 minutos de leitura

Resíduos orgânicos variados, incluindo folhas, frutas e galhos, em processo de decomposição para compostagem.
Foto: Saad315/ Shutterstock

Nas últimas décadas, a discussão sobre clima ganhou uma nova escala dentro das cidades. Não se trata apenas de reduzir emissões industriais ou expandir energias renováveis, o desafio urbano agora também passa pelo modo como se lida com o descarte. Entre todos os fluxos de resíduos, os orgânicos assumem um protagonismo. Eles não apenas compõem a maior fração do lixo urbano em muitas regiões do mundo, como também carregam um potencial climático subestimado: quando mal manejados, tornam-se uma das principais fontes de metano, um gás de efeito estufa com poder de aquecimento até 80 vezes maior que o CO₂ nos primeiros 20 anos após a emissão.

É nesse contexto que iniciativas globais, como o No Organic Waste (NOW), apoiada pelo Global Methane Hub, ganham relevância. Na COP30, realizada em Belém, foi lançado o plano global para reduzir 30% das emissões de metano de resíduos orgânicos até 2030 e um aporte financeiro de US$ 30 milhões, sendo US$ 10 milhões destinados à América Latina. A iniciativa propõe não apenas soluções técnicas, mas uma transformação estrutural da vida urbana: centralizar compostagem, redistribuir alimentos excedentes, integrar trabalhadores de resíduos à economia circular e, acima de tudo, repensar a relação da cidade com o que descarta.

Por que os resíduos orgânicos urbanos são centrais para mitigar metano nas cidades

Pessoa cortando resíduos orgânicos urbanos como cenouras e maçãs para compostagem, que ajuda a mitigar o metano nas cidades
Foto: Natalia Hrynovets/ Shutterstock

Em muitas cidades, especialmente nos países do Sul Global, os resíduos orgânicos representam uma parcela significativa do total de lixo: segundo um levantamento da rede C40, em algumas cidades eles podem constituir até 70% do lixo urbano.

Esse volume elevado tem consequências diretas para as emissões. Quando os resíduos orgânicos são enviados para aterros sem tratamento adequado, a decomposição anaeróbica libera grandes quantidades de metano. Um estudo da Universidade Federal de São Paulo mediu emissões fugitivas em aterros brasileiros, registrando fluxos entre 18,66 g/m²/dia e 149,86 g/m²/dia, dependendo da cobertura do aterro. 

Esse alto percentual evidencia uma oportunidade dupla: reduzir emissões de gases de efeito estufa e, ao mesmo tempo, transformar o material orgânico em recursos para agricultura urbana, compostagem comunitária ou redistribuição alimentar.

Diversas estratégias têm se mostrado eficazes para reduzir a geração de metano a partir de resíduos orgânicos. A compostagem, por exemplo, que transforma restos de comida e podas em adubo natural, reduz a produção de metano que ocorreria em aterros e contribui para a fertilidade de solos urbanos e periurbanos. Já a digestão anaeróbia (AD) converte a matéria orgânica em biogás, fornecendo energia renovável e biofertilizante, sendo especialmente indicada para grandes volumes de resíduos.

Além das soluções tecnológicas, políticas de desvio de alimentos excedentes, como bancos de alimentos e sistemas de redistribuição, reduzem o desperdício, evitando que toneladas de comida ainda própria para consumo cheguem a aterros e aterros controlados. Em muitos países latino-americanos, catadores e cooperativas informais desempenham papel central nesse processo, conectando o resíduo orgânico com redes de compostagem comunitária e iniciativas de segurança alimentar. 

Iniciativas globais e brasileiras redefinem o tratamento de resíduos orgânicos

Iniciativas globais e brasileiras estão redefinindo o tratamento de resíduos orgânicos, promovendo sustentabilidade e economia circular.
Foto: DC Studio/ Shutterstock

A iniciativa No Organic Waste (NOW), apoiada pelo Global Methane Hub, mostra como as cidades podem transformar o desafio do lixo orgânico em oportunidades climática e social. Com um compromisso global de US$ 30 milhões, sendo US$ 10 milhões destinados à América Latina, o programa financia projetos urbanos que integram compostagem, redistribuição de alimentos excedentes e inclusão de trabalhadores de resíduos na economia circular.

Estima-se que a iniciativa possa recuperar 20 milhões de toneladas de alimentos excedentes por ano, alimentar 50 milhões de pessoas e integrar 1 milhão de trabalhadores de resíduos em atividades formais da economia circular.

A complementaridade entre compostagem e bancos de alimentos é particularmente estratégica. Enquanto a compostagem transforma resíduos em adubo para agricultura urbana e jardins comunitários, os bancos de alimentos capturam excedentes, evitando que produtos ainda comestíveis se decomponham em aterros. Estudos recentes do Global FoodBanking Network mostram que, em regiões piloto da América Latina, a redistribuição de alimentos evitou um total de 816 toneladas métricas de metano ao longo de um ano, além de reduzir a insegurança alimentar. 

No Brasil, outras experiências reforçam os benefícios desse modelo. Em Belém, por exemplo, unidades de compostagem pública estão sendo integradas a cooperativas de catadores, permitindo que o resíduo orgânico urbano seja transformado em adubo e que trabalhadores informais tenham oportunidades de formalização. 

A combinação dessas ações contribui diretamente para o conceito de habitabilidade urbana, tornando as cidades não apenas mais verdes, mas mais justas e resilientes, onde o manejo do lixo orgânico se converte em oportunidade para todos os habitantes.

Desafios, riscos e perspectivas até 2030

Crianças colhendo e explorando uma variedade de hortaliças e legumes frescos em uma plantação orgânica, promovendo educação ambiental.
Foto: Anuta23/ Shutterstock

Embora todas as iniciativas sejam promissoras, o caminho para reduzir significativamente as emissões de metano de resíduos orgânicos nas cidades até 2030 tem obstáculos. Um dos principais é a infraestrutura de compostagem ainda muito limitada: no Brasil, embora cerca de 45,6% dos resíduos sólidos urbanos coletados sejam orgânicos compostáveis, menos de 0,3% desse volume é efetivamente tratado por compostagem, segundo dados da Brasil Composta Cultiva.

No entanto, a interseção entre compostagem de resíduos orgânicos, redes de bancos de alimentos e inclusão social, como proposta pela iniciativa NOW e pelas ações brasileiras, representa uma das alavancas mais poderosas para tornar as cidades mais resilientes. O Plano Nacional de Redução e Reciclagem de Resíduos Orgânicos Urbanos (Planaro), também lançado na COP30, com seus R$ 12 bilhões previstos de investimento até 2050, marca uma virada estratégica.

Mas para realizar todo esse potencial, será necessário superar gargalos estruturais, expandir a coleta seletiva, financiar infraestrutura, capacitar comunidades e criar mecanismos de monitoramento eficazes. As cidades que conseguirem unir essas peças técnicas, sociais e políticas, estarão mais bem posicionadas para cumprir as metas até 2030 e, sobretudo, construir territórios mais habitáveis, sustentáveis e equitativos.

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