A construção civil e a mudança climática

Em artigo, José Luiz Esteves, embaixador da MRV& CO, aborda a importância da mitigação de impactos na construção civil.

Por José Luiz Esteves em 12 de novembro de 2024 4 minutos de leitura

construção civil e a mudanca climática
Foto: Goncharovaia/ Shutterstock

“Os seres humanos esqueceram como se comportar como bons hóspedes na terra e a pisar leve em nosso planeta, como outras criaturas o fazem”
Barbara Ward (1914-1981) (IIED – International Institute for Environment end Development)

Barbara Ward, destaca aqui a ideia de que a humanidade não está agindo de maneira sustentável e está deixando uma “pegada” ambiental significativa. Mediante tal afirmação, a pergunta aqui a se fazer é: o setor da construção civil está preparado para contribuir de forma a mitigar os impactos nas mudanças climáticas e a pegada de carbono de sua atividade?

Essa é uma provocação. O objetivo aqui é desafiar o setor a pensar o modelo e o processo construtivo atual. Trata-se de uma oportunidade de, como ator participante do processo, ser líder e apoiador principal, contribuindo com projetos, produtos e recursos, que possibilitem o conforto do habitar alinhado à acessibilidade urbana, eficiência energética, produtividade e soluções baseadas na natureza, reduzindo a pegada de carbono do setor e mitigando desigualdades sociais.

Uma avaliação rápida do processo construtivo e seus impactos e a análise do Ciclo de Vida do Produto (ACV) tem mostrado que o uso de recursos naturais, legislações restritivas e burocráticas, aumento de ocupações irregulares r expansão das franjas urbanas impactam diretamente as questões sociais urbanas e a justiça climática, encarecendo e dificultando o acesso à moradia digna para as populações de baixa renda e, por consequência, impactando diretamente nas consequências causadas pelas mudanças climáticas e a pegada de CO2 das construções habitacionais e das cidades.

Os impactos são causados por diversas fontes. Entre as mais relevantes estão:

  • Extração de insumos naturais;
  • Fabricação de produtos embarcados na habitação por meio da aplicação e instalação no processo construtivo;
  • Geração de resíduos oriundos de processos e métodos artesanais e não padronizados;
  • Uso e ocupação do imóvel;
  • Manutenções e reformas ao longo do ciclo de vida do produto;
  • Possível encerramento proveniente de demolições totais, parciais etc.

Não menos impactantes, ainda temos as ocupações irregulares que contribuem com os impactos descritos anteriormente e acabam resvalando na imagem da cadeia produtiva da construção e seus fornecedores pelo fato de gerarem um mercado forte nas comunidades, chamado “formiguinhas” ou informais.

Nesse contexto, como consequência, temos um aumento desordenado da densidade urbana, que causa alagamentos, desmoronamentos de encostas, aglomerados habitacionais irregulares e de alto risco, ondas de calor e secas extremas, tempestades concentradas e localizadas em um curto espaço de tempo etc. Portanto, é urgente agir e buscar ações práticas e colaborativa de todos os stakeholders para o bem maior, que é uma justiça climática possível e para todos. É não só necessário, mas urgente, que o setor atue com o foco na mitigação dps impactos ambientais e de mudanças climáticas, buscando viabilidade de investimentos em infraestrutura urbana.

A resiliência climática pode contribuir com soluções de habitabilidade digna e integrada ao ambiente urbano com acessibilidade para todos, mitigando impactos ambientais e soluções de saneamento que consiga despoluir cursos d’águas urbanos, recuperar encostas, desenvolver drenagens pluviais, um saneamento universal e incentivar o plantio de matas ciliares.

As soluções baseadas na natureza resultam em corredores verdes, jardins de chuva, integra a sociedade ao ambiente e produz moradias dignas com um padrão mínimo que atenda às gerações futuras em cidades sustentáveis nas macrorregiões climáticas do País.

O habitar sustentável pode trazer qualidade de vida aos grandes centros ao integrar a avaliação dos custos e impactos da implementação de práticas que envolva uma análise abrangente, levando em consideração diversos aspectos, entre eles:

  • Eficiência energética e a utilização de práticas construtivas e energias renováveis que possibilitem a maximização dessa eficiência;
  • Materiais sustentáveis, com baixa pegada de carbono, priorizando aqueles de fontes renováveis e recicláveis, com reutilização desses materiais sempre que possível;
  • Design ecológico incorporado que possibilitam minimizar a necessidade de grandes modificações e que levem em conta a biodiversidade local;
  • Tecnologias inovadoras adotadas nos métodos construtivos e maior eficiência nos materiais utilizados e incorporados na construção;
  • Conscientização e educação, talvez os itens mais importantes e desafiadores, capazes de trazer práticas sustentáveis na indústria da construção, envolvendo arquitetos, engenheiros, construtores, trabalhadores e consumidores.

Ao implementar essas medidas, é possível minimizar os impactos produzidos pelo setor de construção civil dentro da cadeia de produção e reduzir sua pegada de carbono, reduzindo o impacto das mudanças climáticas e, em consequência a redução dos impactos causados pela justiça climática, contribuindo, dessa forma, com um ambiente mais sustentável e saudável para as gerações futuras. Tudo isso tem de partir dos financiadores, projetistas e legisladores, ou seja, dos tomadores de decisão na abordagem proativa para alcançar esses objetivos.

Não podemos deixar de trazer aqui mais um fator importante que é a análise dos custos a serem associados a essas medidas de práticas sustentáveis e seu potencial retorno financeiro a longo prazo. Levar em conta as reduções dos custos operacionais, como contas de energia e água para o usuário, os impactos na saúde e bem-estar da população, quando habitam uma moradia sustentável, bem como seus benefícios econômicos associados aos programas governamentais de estado, e não de governo, para a população de baixa renda.

Alinhado a isso, tem-se, ainda, a conservação de recursos naturais e a minimização do impacto sobre ecossistemas locais, o que possibilita prevenção de danos causados pelas fortes precipitações de curto espaço temporal e localização concentrada, reduz os deslocamentos urbanos das populações e, por fim, as mudanças na dinâmica socioeconômica e inclusão social.

A mensagem que deixo aqui é: as cidades podem envelhecer. Ficarem ultrapassadas, jamais. Elas devem se inovar, ser criativas, evoluir sempre. Sendo organismos vivos, elas sempre se reinventam!

José Luiz Esteves
José Luiz Esteves (Foto: Divulgação)

* José Luiz Esteves é gestor executivo de sustentabilidade e relações institucionais, conselheiro consultivo certificado e embaixador da MRV&CO.