Bioconcreto e bioconstruções são as tendências de inovação do mercado de edificações no momento. Cientistas e empresas buscam novas tecnologias para fazer prédios com materiais que impactam menos o meio ambiente e o espaço ao redor. Alguns arquitetos e urbanistas, no entanto, se voltaram para a história e perceberam que tal material já existe: a terra. A construção de barro pode se tornar um dos caminhos possíveis para a cidade sustentável.
As casas e prédios feitos de barro, seja o adobe ou taipa, estão em todos os lugares do mundo. Há construções na Ásia, na África, na América do Sul. Como a mesquita de Djenné, em Mali; a Igreja da Missão San Francisco de Assis, no México, ou as cidades inteiras construídas no Irã e no Iraque. Todas elas guardam o segredo da ancestralidade, já que as técnicas foram ensinadas por gerações. Elas também guardam um outro segredo: da durabilidade. “Nos dias atuais, cerca de um terço da população mundial vive em uma forma de estrutura de terra feita de alvenaria de adobe, taipa ou sabugo. Essas estruturas se sustentaram durante terremotos, furacões e eventos climáticos extremos em todo o mundo”, indica a autora Ankitha Gattupalli, no ArchDaily.

Futuro feito de barro
As construções de barro têm milhares de anos de idade, mas permanecem “terrivelmente contemporâneas”, disse Salma Samar Damluji, uma das criadoras da Fundação de Arquitetura com Tijolos de Barro de Daw’an, no Iêmen, em entrevista à BBC. Damluji usa as edificações iemenitas da cidade de Sana’s como um exemplo. Os prédios, que fazem parte da lista de Patrimônios Históricos da UNESCO, são feitos de terra e foram construídos antes do século 11.

Leia também: Sonia Guimarães: o futuro da ciência é ancestral e africano
As estruturas são habitadas até hoje e oferecem um ambiente fresco para os moradores.
Os materiais de construção à base de terra bruta, como adobe, taipa de pilão e os blocos de terra comprimida, têm mais inércia térmica do que o concreto, o que significa que atenuam o calor e o frio com mais eficiência e reduzem a necessidade de tanto ar-condicionado. Esses materiais, juntamente com maior atenção à orientação do edifício, ajudam a reduzir o uso de energia quando a demanda é maior, como explica esta reportagem do The Atlantic.
Além do isolamento térmico, as construções são sustentáveis, já que foram feitas unicamente com o material abundante no local: terra e água. Sem ter desperdícios e resíduos, com uma matéria-prima 100% reciclável. “É a arquitetura do futuro”, falou Salma.
“O barro é o futuro da construção sustentável“, disse a arquiteta austríaca Anna Heringer, à BBC. “É o único material que podemos reciclar o quanto quisermos, sem usar energia”, afirma ela. “Realmente fica melhor quanto mais você usa.”
Construção de barro: flexibilidade da terra
Feito com a terra bruta, o barro muda de acordo com a localidade. Em alguns casos, o solo tem mais sedimentos, em outros, é mais umido. A construção de barro usa técnicas ancestrais para controlar a granularidade do material, o que resulta em paredes mais resistentes e sem ruptura.
A coesão, ou seja, as partículas que mantém o barro unido, afetam a arquitetura em terra. Tais partículas podem ser alteradas. Existem casas de terra na Islândia que se valem do uso de grama para ajudar a construção a ficar ainda mais resistente.
Em entrevista à BBC, Trevor Marchand, professor emérito de Antropologia Social da Escola de Estudos Africanos e Orientais de Londres e autor do livro The Masons of Djenné (Os pedreiros de Djenné, em tradução livre) explica de outro ponto de vista a flexibilidade do barro: a capacidade de construção mais rápida. Em Djenné, no Mali, parte da cidade é feita de barro, até mesmo a sua Grande Mesquita, com 20 metros de altura.

Por lá, as pessoas criaram um ritual centenário de recobrir a mesquita com argila anualmente. É uma cerimônia que todos participam, um símbolo importante de um outro tipo de coesão, a “coesão social”. Os prédios e casas de barro da cidade, bem como a própria mesquita, mudam conforme os moradores trocam a argila e reconstroem suas casas.
“Existe dinamismo no processo”, afirmou Marchand. “O barro é muito maleável e reage a mudanças dos habitantes da casa.”