Estrutura de árvores a bactérias, arquitetura viva pulsa

Integrando natureza e tecnologia, conceito inova ao oferecer soluções sustentáveis com organismos vivos.

Por Redação em 2 de julho de 2024 5 minutos de leitura

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Foto: Reprodução/Terreform ONE

Um movimento revolucionário na arquitetura está ganhando vida (literalmente): a arquitetura viva! Alimentada por uma sinergia entre natureza e tecnologia, ela contempla desde a utilização de árvores à criação de argamassas autorregenerativas e isolamentos inteligentes que se adaptam ao ambiente interno dos edifícios, redefinindo o conceito de construção sustentável e desafiando paradigmas da construção civil ao integrar organismos vivos.

Embora muitas dessas inovações estejam em estágio experimental, algumas demonstram resultados promissores e começam a ser exploradas por empresas de construção e escritórios de arquitetura. Entre elas, destaca-se um edifício ao norte da cidade de Nova Iorque, localizado em uma floresta às margens do rio Hudson. Trata-se da Fab Tree Hab, um projeto constituído por árvores em crescimento.

Arquitetura viva em estruturas habitáveis 100% naturais

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Foto: Reprodução/Terreform ONE

Desenvolvido pela Terreform ONE – um grupo de pesquisa sem fins lucrativos liderado pelo arquiteto Mitchell Joachim – o Fab Tree Hab é um projeto de habitação multiespécie, que utiliza plantas lenhosas enxertadas para formar estruturas habitáveis 100% vivas. Ou seja, em vez de empregar materiais tradicionais como concreto e aço, as próprias paredes, tetos e até mesmo sistemas de ventilação são cultivados a partir de plantas selecionadas e manipuladas.

No método, as árvores tem blocos estruturais como base para seu crescimento, adicionando gradualmente novas partes à edificação. Os plantadores são posicionados estrategicamente para assegurar o desenvolvimento adequado da casa, permitindo que ela cresça de maneira contínua ao longo do tempo. 

A primeira unidade do Fab Tree Hab foi instalada em uma floresta de quatro hectares em New Windsor, em Maryland, também nos EUA, com financiamento do National Endowment for the Arts. Com cerca de 93 metros quadrados, a estrutura é composta por sequências de pilares principais feitas de salgueiros-brancos, replantados em fazendas de biomassa. Estes pilares, que funcionam como as nervuras verticais da espinha dorsal viva, são “dobrados” em andaimes de madeira maciça, resultando em uma configuração que evoca a imagem de um casco de barco invertido. 

A escolha do salgueiro-branco para compor a estrutura da Fab Tree Hab não foi por acaso. A espécie foi selecionada devido à sua capacidade de crescimento rápido, podendo atingir dezenas de metros em apenas alguns anos. Sua juventude flexível permite que as árvores sejam moldadas desde cedo, facilitando a integração na construção. Além disso, outras espécies vegetais são plantadas em vasos feitos de materiais biodegradáveis, com juntas feitas à mão e utilizando bioplástico.

Reparos e regulação térmica inspirados na natureza

Na Holanda, um grupo de pesquisadores da Universidade Tecnológica de Delft desenvolveu o concreto autorreparável. A técnica envolve a incorporação de esporos bacterianos na mistura do concreto para prevenir o agravamento de fissuras.

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Foto: Reprodução/TU Delft/Universidade Tecnológica de Delft

O processo funciona de maneira simples e eficiente. Quando surgem as primeiras fissuras no concreto, a água que entra em contato com o material ativa os esporos bacterianos. Esses esporos começam a se alimentar de lactato de cálcio, uma substância adicionada à mistura. A alimentação dos esporos resulta na produção de cristais de calcita, um material que preenche as fissuras microscópicas, reparando o concreto e prevenindo maiores desgastes e patologias estruturais.

Essa abordagem inovadora não só aumenta a durabilidade das construções, mas também representa um avanço significativo na manutenção de infraestruturas, reduzindo a necessidade de reparos frequentes e prolongando a vida útil dos edifícios e estruturas de concreto.

Já pesquisadores da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, liderados pelo professor Dade-Robertson, estão desenvolvendo uma tecnologia semelhante às bactérias que cicatrizam fissuras em concreto. A nova pesquisa foca em soluções para a regulação térmica dos edifícios, utilizando uma abordagem biológica e sustentável.

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Ilustração do Computational Colloids Project: bactérias como sensores de pressão em solos – Imagem: BY-SA/Universidade de Newcastle

A ideia central do projeto é incorporar uma membrana de látex recoberta de esporos bacterianos nos fechamentos das construções. Esses esporos permanecem inativos até que um aumento na umidade do ambiente interno os reative. Quando isso ocorre, as bactérias tornam o material mais flexível, o que leva à abertura de poros na membrana. Esses poros permitem a circulação do ar através das paredes, facilitando a regulação da temperatura interna do edifício.

A pesquisa da equipe de Dade-Robertson é um exemplo de como a biotecnologia pode ser aplicada para resolver desafios contemporâneos na construção civil. Assim como as bactérias cicatrizantes de concreto, que já demonstraram sucesso em prevenir fissuras, a aplicação de microrganismos para a regulação térmica abre novos horizontes para a criação de edifícios mais inteligentes e sustentáveis.

Materiais biomiméticos no horizonte da construção civil

Em 2021, a equipe do professor Qiming Wang, da Universidade do Sul da Califórnia, apresentou uma pesquisa que se alinha com os princípios da arquitetura viva. A pesquisa de Wang também explora as capacidades dos microrganismos vivos para desenvolver materiais com propriedades únicas de autocura e autofortalecimento. 

Inspirados pelos processos biológicos, os cientistas utilizam células vivas para metabolizar biomassa, em um mecanismo semelhante ao da compostagem. Microrganismos como bactérias, algas e fungos desempenham um papel crucial nesse processo, atuando como agentes que catalisam a transformação de materiais.

Após provar o conceito, a equipe de Wang está incorporando a impressão 3D para desenvolver métodos que reprocessam e ativam materiais residuais derivados da agricultura, como grama descartada, restos de colheitas, madeira e plásticos biodegradáveis. Dessa forma, aproveita resíduos que seriam descartados e cria materiais que podem se reparar e se fortalecer ao longo do tempo, aumentando a durabilidade e a sustentabilidade das construções. A proposta busca abordar dois grandes problemas enfrentados pelo planeta: o acúmulo e o desperdício de subprodutos agrícolas, e a necessidade de reparar e manter eficientemente os materiais de engenharia.

Essa abordagem utiliza biocompósitos com organismos vivos para criar versões sustentáveis de produtos tradicionalmente feitos de plásticos à base de petróleo ou madeira natural. Incorporando propriedades dos organismos vivos, esses itens teriam a capacidade de se autorregenerar ou se reconstruir rapidamente em caso de danos. 

As aplicações dessa tecnologia podem beneficiar sistemas de infraestrutura de grande escala, como metrôs urbanos, pistas de pouso de aviões e redes de estradas e pontes, sendo mantidos com eficiência graças a materiais autorreparáveis. A equipe do professor Wang também vislumbra o uso desse método para a produção em massa de moradias de emergência, proporcionando uma resposta rápida e eficaz em situações de crise. 

Leia também: Biomimética: a natureza como inspiração para a arquitetura

Arquitetura viva traz diversos benefícios

As arquiteturas vivas destacam-se pela redução do impacto ambiental. Ao utilizar materiais renováveis e minimizar o uso de concreto, essas estruturas contribuem para a preservação dos recursos naturais e a mitigação das emissões de carbono associadas à construção convencional. Além disso, a integração de sistemas vivos nas construções pode criar ecossistemas sustentáveis que beneficiam tanto a flora quanto a fauna local, promovendo a biodiversidade.

Outra vantagem é a capacidade de adaptação às mudanças climáticas. Os sistemas biológicos presentes nessas estruturas são naturalmente resilientes e capazes de responder às flutuações ambientais, proporcionando um ambiente mais estável e seguro para seus habitantes. Trata-se, portanto, de uma abordagem inovadora e sustentável, que pode, literalmente, dar nova vida ao futuro da arquitetura e da construção.