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Arquitetura passiva alia inovação e ancestralidade
Combinando inovação e sabedoria ancestral, as casas passivas oferecem uma solução sustentável para o consumo de energia nas moradias.
Por
Nathalia Ribeiro em 4 de março de 2025 7minutos de leitura
Foto: baisa/ Adobe Stock
Ondas de calor mais frequentes, aumento dos preços de energia e dos combustíveis e condições climáticas cada vez mais extremas. Este é o cenário que desafia as moradias em todo o mundo, tornando aquecer ou resfriar casas uma tarefa cada vez mais cara e problemática. Mas uma abordagem arquitetônica inspirada tanto pela inovação quanto pela sabedoria ancestral oferece uma alternativa promissora: as casas passivas.
Com base em princípios que exploram a eficiência energética e a integração com o ambiente, as casas passivas são projetadas para manter uma temperatura confortável sem depender de sistemas artificiais. Isso é possível graças ao uso de materiais naturais e recicláveis, como madeira e barro, combinados com normas de isolamento, ventilação e aproveitamento solar.
A ideia não é nova. Na antiga Pérsia, torres de vento eram utilizadas para capturar brisas e resfriar construções em regiões quentes. Hoje, técnicas como essas são adaptadas aos tempos modernos, com o auxílio da ciência e da tecnologia, para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas. O resultado é uma redução significativa no consumo de energia. Em casas passivas, a economia pode chegar a 90%, tornando essa solução uma das mais eficazes e sustentáveis para garantir conforto térmico enquanto preserva o meio ambiente.
A crise climática e os custos elevados de energia têm impulsionado a busca por soluções sustentáveis no setor da construção. Mas, segundo Berthold Kaufmann, cientista sênior do Instituto Passivhaus, a economia de energia não deve ser responsabilidade exclusiva do usuário. Em entrevista à BBC, Kaufmann afirmou que a redução do consumo de energia é, antes de tudo, uma questão técnica que pode ser resolvida com os componentes da arquitetura e com o uso do conhecimento especializado. Em outras palavras, não é necessário diminuir o termostato, usar mais roupas no inverno ou simplesmente aceitar o calor no verão, a arquitetura pode ser parte da solução.
A abordagem que Kaufmann defende está centrada justamente nas casas passivas. Através de princípios como bom isolamento, orientação solar adequada e estudo das condições climáticas regionais, essas casas são projetadas para ter uma pegada energética reduzida.
Embora frequentemente associadas a construções luxuosas ou localizadas em cenários paradisíacos, as casas passivas podem ser implementadas em qualquer tipo de moradia. Um simples bloco de apartamentos na periferia pode ser transformado em uma construção que atenda aos padrões de eficiência energética. No entanto, as soluções adotadas para implementar esses padrões variam de acordo com o clima local. No Brasil, por exemplo, o foco poderá ser em criar zonas de sombra para enfrentar o calor, enquanto na Islândia, a principal estratégia será maximizar a captação de radiação solar.
O conceito por trás das casas passivas é simples: manter o consumo de energia no nível mínimo necessário. Kaufmann explica que, para uma nova residência, a meta é consumir no máximo 15 kW por metro quadrado por ano. Já para as casas reformadas para atender aos padrões Passivhaus, o limite é de 25 kW por metro quadrado. Em comparação com as moradias convencionais, que podem consumir entre 150 e 300 kW por metro quadrado ao ano, a economia de energia proporcionada por esse modelo é significativa.
Origem das casas passivas
Foto: fadamson/ Adobe Stock
O conceito de casas passivas não é uma invenção recente. Desde a Antiguidade, diferentes civilizações usaram os recursos naturais ao seu redor para criar moradias confortáveis, ajustadas à geografia e clima de suas regiões. Exemplos dessa adaptação são as casas de barro do Mali, que permanecem frescas mesmo sob o implacável Sol do Saara, e os iglus construídos pelos povos indígenas das regiões árticas, que oferecem isolamento térmico contra o frio extremo.
Contudo, com a revolução industrial e a invenção de sistemas modernos de climatização, como o ar-condicionado e as caldeiras de calefação no século 20, a arquitetura se desvinculou da necessidade de adaptação ao clima. Agora, era possível manter uma casa fresca em um ambiente quente ou aquecer um ambiente gelado com o auxílio da tecnologia. O conforto térmico parecia ter sido desacoplado da eficiência dos materiais e da estrutura das construções.
O cenário começou a mudar nos anos 1970, com a crise do petróleo, que trouxe à tona a necessidade de repensar o consumo de energia. Nesse período, o conceito de eficiência energética ressurgiu como prioridade. Mais tarde, com o agravamento da crise climática, a arquitetura passiva voltou à pauta das universidades e dos profissionais da área. O objetivo passou a ser a criação de construções que minimizem o impacto ambiental e o consumo energético, sem sacrificar o conforto dos moradores.
Diferentes sistemas de casas passivas começaram a surgir em vários países, como Estados Unidos, Itália e Suíça. Contudo, o modelo que se consolidou foi o desenvolvido pelo alemão Wolfgang Feist e o sueco Bo Adamson, que, no final da década de 1980, criaram o sistema Passivhaus. Sua primeira construção certificada com esse padrão foi concluída em 1991. Desde então, milhares de residências e edifícios ao redor do mundo têm adotado esse conceito.
Os princípios das casas passivas
1. Isolamento térmico
Foto: sommthink/ Shutterstock
O isolamento térmico é um dos pilares da arquitetura passiva, sendo até três vezes mais eficiente que o de construções convencionais. Em climas frios, as casas passivas utilizam camadas de isolamento de 20 a 30 centímetros, enquanto em climas temperados, o espessamento pode ser reduzido, mas ainda assim eficaz. Esse isolamento atua como uma camada protetora, evitando que o calor ou o frio escape da residência, mantendo a temperatura interna estável sem o uso excessivo de energia.
2. Hermeticidade para evitar perdas de calor
Uma boa vedação é fundamental para garantir a eficiência energética das casas passivas. Mesmo que o isolamento térmico seja de alta qualidade, falhas nas vedações podem permitir que o calor escape por pequenas ranhuras, comprometendo o desempenho do sistema. Por isso, as casas passivas são projetadas com foco na hermeticidade. Testes rigorosos de sopro de ar são realizados para identificar possíveis vazamentos e corrigi-los, assegurando que a energia não seja desperdiçada.
3. Portas e janelas de alta qualidade
Foto: weerastudio/ Shutterstock
Uma das maiores fontes de perda de calor nas construções tradicionais são as janelas e portas. As casas passivas combatem esse problema ao investir em portas e janelas de vidro triplo, que minimizam a troca de calor entre o interior e o exterior. Além disso, a orientação das janelas é planejada para aproveitar ao máximo a luz solar, reduzindo a necessidade de aquecimento artificial durante os meses mais frios.
4. Redução das pontes térmicas
Pontes térmicas são pontos onde o isolamento da construção é interrompido, permitindo que o calor escape. Isso pode ocorrer devido a elementos como pregos, batentes de janela ou estruturas de alumínio. Nas casas passivas, um esforço significativo é feito para minimizar essas interrupções no isolamento, garantindo que a estrutura da casa seja contínua e sem pontos de fuga térmica.
5. Sistema de ventilação com recuperação de calor
Foto: Kinek00/ Shutterstock
Em muitos lares, abrir as janelas para ventilar acaba resultando na perda de calor durante o inverno ou na entrada de calor durante o verão. Nas casas passivas, um sistema de ventilação mecânica com recuperação de calor é instalado. Esse sistema permite que o ar seja filtrado e, ao mesmo tempo, recupera o calor presente no ar interno da casa para aquecer o ar que entra.
O padrão Passivhaus
O conceito de construções sustentáveis tem ganhado força ao redor do mundo, especialmente em regiões como a União Europeia, onde o padrão Passivhaus se tornou uma referência em eficiência energética. Com o tempo, essas diretrizes se traduzem em regulamentações nacionais, tornando-se normas.
No entanto, o impulso por construções mais ecológicas não está restrito à Europa. Países como os Estados Unidos também buscam formas de diminuir a pegada de carbono de novos edifícios. Um exemplo foi a proposta do ex-prefeito de Nova Iorque, Bill de Blasio, que tentou proibir a construção de “arranha-céus clássicos de aço e vidro”, reconhecidos pela sua ineficiência energética. Embora a medida não tenha sido implementada, ela gerou uma ampla discussão sobre a relação entre arquitetura e mudanças climáticas.
Para Berthold Kaufmann, a proposta de De Blasio era acertada, não apenas do ponto de vista ecológico, mas também econômico. Em muitos casos, a utilização excessiva de vidro em edifícios, especialmente em áreas desnecessárias, como os andares inferiores de um arranha-céu, resulta em perdas energéticas significativas. “Cerca de 30% a 50% da superfície de vidro são mais do que suficientes para obter a luz necessária. Em um edifício comercial, por exemplo, apenas as janelas acima das mesas são úteis. Tudo o que está embaixo não traz benefícios, além de aumentar o calor no verão e causar perda de calor no inverno”, afirma Kaufmann ao portal britânico.
A primeira casa passiva da América Latina
Primeira casa passiva modelo da América Latina (Foto: Adriano Abreu/ Tribuna do Norte)
A primeira Casa Passiva modelo da América Latina foi construída em 2018 no Brasil. A edificação de 80 m² é certificada pelo Instituto Casa Passiva da Alemanha (Passive House Institute) e foi apresentada pelo Sistema FIERN, por meio do SENAI-RN. Localizada no Centro de Educação e Tecnologias SENAI Flávio Azevedo, em Natal, ela é dividida em quatro cômodos — sala, quarto, cozinha e banheiro —, e idealizada para ser uma plataforma de aprendizado e qualificação para operários, técnicos, engenheiros e arquitetos. Seu principal objetivo é disseminar o conhecimento sobre o padrão Passivhaus. Atualmente, a edificação é utilizada em cursos e treinamentos, permitindo que profissionais da construção civil se familiarizem com as práticas mais inovadoras e sustentáveis do setor.
Durante a inauguração, Georg Witschel, representante do Instituto Casa Passiva, destacou a importância da construção como um exemplo de boas práticas no uso de materiais eficientes. Ele ressaltou que a edificação de Natal é composta por um tijolo leve, maciço e com propriedades de isolamento térmico e acústico, garantindo a máxima eficiência energética e conforto para seus ocupantes, alinhando-se às exigências globais de um futuro mais sustentável e consciente.
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