Governos nacionais em diversas partes do mundo têm encontrado dificuldades para implementar políticas climáticas efetivas, o que tem colocado os municípios no centro das estratégias globais de combate às mudanças climáticas e dado o papel de protagonistas às cidades na COP30. Como responsáveis por mais de 70% das emissões de gases de efeito estufa e concentrando a maior parte da população mundial, os municípios vêm assumindo um papel de liderança ao estabelecer metas maiores e promover soluções inovadoras. Redes internacionais como o C40 Cities e o ICLEI (Governos Locais pela Sustentabilidade) ilustram como essas localidades conseguem avançar além das limitações impostas pelos seus países, consolidando-se como atores-chave na governança climática global.
A realização da COP 30 no Brasil traz uma oportunidade para fortalecer o protagonismo das cidades na agenda ambiental mundial. O evento pode ampliar o reconhecimento dos compromissos municipais e facilitar o acesso direto a financiamentos internacionais para projetos sustentáveis, reduzindo a dependência das negociações nacionais. Diante da urgência da crise climática, as cidades têm ganhado força para pressionar por ações mais efetivas e concretas, mostrando que, mesmo sem o apoio dos governos centrais, é possível construir caminhos rumo à sustentabilidade global.
Cidades na COP30: linha de frente
A crescente atuação das cidades como protagonistas da ação climática não é apenas uma resposta à omissão ou à lentidão dos governos nacionais. Na verdade, ela é uma consequência das dinâmicas econômica, social e ambiental do mundo contemporâneo. Hoje, mais da metade da população mundial vive em áreas urbanas, segundo as Nações Unidas, e essa proporção deve chegar a 68% até 2050. As cidades concentram, portanto, não só as pessoas, mas também as infraestruturas, a atividade econômica e, consequentemente, grande parte das emissões de gases de efeito estufa.

Esse quadro faz com que as cidades estejam na linha de frente tanto dos impactos quanto das soluções. Elas enfrentam os efeitos diretos da crise climática, como enchentes, ondas de calor, escassez hídrica, colapsos em sistemas de transporte e energia, mas, ao mesmo tempo, possuem capacidade de implementar políticas rápidas, adaptadas à sua realidade, e com impactos diretos na qualidade de vida de milhões de pessoas.
Dessa forma, há uma transformação na arquitetura da governança climática. Se antes os acordos internacionais eram definidos entre países e depois, eventualmente, se desdobravam em políticas locais, agora muitas cidades operam na lógica inversa: implementam ações que superam a ambição de seus próprios governos nacionais.
A título de exemplo, um relatório da própria aliança global de prefeitos para a liderança climática em cidades, a Global Covenant of Mayors for Climate & Energy (GCoM), revelou que 83% dos planos de ação climática das cidades signatárias são mais ambiciosos do que os compromissos nacionais (NDCs) dos países onde estão localizadas. Além disso, 56% dessas cidades pretendem alcançar suas metas em prazos mais curtos do que os estabelecidos pelos governos nacionais.
Ações pelo redor do mundo e inovação

Exemplos do protagonismo que se espera das cidades na COP30 se espalham pelo mundo, com iniciativas inovadoras que combinam redução de emissões e aumento da resiliência ambiental. Em Oslo, por exemplo, a adoção de um orçamento climático anual permite monitorar e controlar as emissões, enquanto a substituição de maquinário convencional por equipamentos elétricos em projetos de construção já evitou a emissão de cerca de 100 mil kg de CO₂ em um único empreendimento.
Da mesma forma, Copenhague tem se destacado ao reduzir suas emissões de dióxido de carbono em 75% desde 2005, estando no caminho para atingir uma diminuição de 80% até o final de 2025, graças a investimentos significativos em energia renovável e infraestrutura urbana sustentável.
Nos Estados Unidos, Nova Iorque lançou o programa “OneNYC”, uma estratégia integrada para reduzir emissões e adaptar a cidade aos impactos climáticos. Entre suas iniciativas estão a substituição de edifícios antigos por construções energeticamente eficientes, ampliação de espaços verdes e investimento em transporte público elétrico. Como resultado, Nova Iorque conseguiu reduzir suas emissões totais em aproximadamente 19% desde 2005.
A força das cidades na COP30 – exemplos brasileiros

No Brasil, grandes metrópoles também têm buscado reforçar sua agenda climática. São Paulo, por meio do Plano de Ação Climática (PlanClima SP) lançado em 2019, concentra esforços na redução dos gases de efeito estufa, especialmente nos setores de transporte e gestão de resíduos. Entre as ações previstas está a substituição gradual dos ônibus movidos a combustíveis fósseis por veículos elétricos, o que não só diminui a emissão de CO₂, mas também contribui para a melhora da qualidade do ar na capital paulista.

Curitiba se destaca pelo seu eficiente sistema de transporte público e políticas de planejamento que estimulam a redução do uso do automóvel particular. A cidade também tem investido na coleta seletiva e reciclagem, alcançando uma taxa de reciclagem de cerca de 22,5% dos resíduos sólidos urbanos, segundo dados da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), índice significativamente superior à média nacional, que gira em torno de 3%.
Leia também: Desafio das cidades brasileiras é conciliar agendas ambiental e social, diz Rafael Greca
Mais recentemente, Belém, capital do Pará e sede da COP30 em 2025, criou o projeto Anamã, que busca reduzir a quantidade de resíduos plásticos nos rios urbanos da Amazônia por meio da instalação de ecobarreiras – dispositivos que retêm os resíduos antes que cheguem aos oceanos. Paralelamente, o Programa “Belém Sustentável, Cidade Educada” destinado à rede municipal de ensino, promove a educação ambiental nas escolas, incentivando a conscientização dos alunos sobre práticas sustentáveis e a importância da preservação do meio ambiente.
Além disso, com o apoio do ICLEI, Belém desenvolveu um diagnóstico detalhado dos serviços ecossistêmicos urbanos e periurbanos, avaliando fatores como a regulação climática e a oferta de espaços de lazer e cultura. Esse estudo tem sido fundamental para orientar a formulação de políticas públicas mais eficazes, que busquem integrar desenvolvimento econômico, inclusão social e proteção ambiental, consolidando a cidade como um importante polo na agenda global de sustentabilidade.
Cidades na COP30: soluções naturais e financiamento climático

A realização da COP30 em Belém, no Pará, em novembro deste ano, marca um momento histórico e simbólico para a diplomacia climática global. Pela primeira vez, uma Conferência das Partes será sediada na Amazônia, bioma importante para o equilíbrio do clima do planeta. O evento representa não só uma oportunidade de colocar a floresta no centro das discussões climáticas, mas também de fortalecer o protagonismo dos governos locais, sobretudo das cidades, na construção de soluções para a crise climática.
A escolha de Belém não é aleatória. A cidade enfrenta, diariamente, os efeitos das mudanças climáticas, como inundações, ilhas de calor e insegurança hídrica, problemas comuns em centros urbanos da região Amazônica e de outras regiões do mundo.

Além disso, a COP30 terá um papel importante no avanço das chamadas “soluções baseadas na natureza” (SbN) aplicadas em ambientes urbanos. A Amazônia é um laboratório natural para essas iniciativas, que promovem a conservação e restauração de ecossistemas como aliadas no combate às mudanças climáticas. Segundo a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), essas abordagens geram múltiplos benefícios, incluindo regulação climática, melhoria da qualidade do ar e bem-estar social.
O debate sobre financiamento climático também ganha força na COP30, especialmente no que diz respeito ao fortalecimento da autonomia financeira dos governos locais. Atualmente, dados do Banco Mundial revelam que apenas 20% dos recursos dos grandes fundos climáticos internacionais, como o Green Climate Fund (GCF), chegam efetivamente ao nível subnacional, justamente onde estão os atores fundamentais para a execução efetiva dos projetos climáticos. Nesse contexto, a conferência deve impulsionar mecanismos inovadores, como títulos verdes municipais, parcerias público-privadas e fundos de investimento locais, capazes de destravar o acesso das cidades aos recursos necessários para enfrentar a crise climática, um grande oportunidade para as cidades na COP30.
Lições da Amazônia na COP30
Outro eixo que ganha relevância é a interseção entre a ação climática e os direitos humanos. As cidades, por sua proximidade com as populações, ocupam uma posição estratégica na promoção da justiça climática. Isso significa garantir que os grupos mais vulneráveis, frequentemente os mais impactados pelos efeitos da crise, não sejam apenas beneficiários, mas também protagonistas na construção de soluções. A Plataforma de Direitos Humanos e Clima da ONU tem reforçado que políticas climáticas só serão verdadeiramente eficazes quando construídas de forma inclusiva, participativa e ancorada nos princípios dos direitos humanos.
Essa perspectiva é corroborada por documentos oficiais do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR) que enfatizam a necessidade de integrar os direitos humanos às políticas de mitigação e adaptação climática. Segundo o órgão, os Estados devem adotar medidas ambiciosas e, ao mesmo tempo, garantir processos participativos que respeitem e empoderem as comunidades afetadas, tornando a ação climática mais justa, eficaz e duradoura.
Por fim, sediar a COP30 também abre uma janela de oportunidade para projetar internacionalmente experiências e inovações que já estão em curso na própria Amazônia. A região tem sido palco de iniciativas que unem saberes tradicionais, conhecimento científico e soluções tecnológicas para a gestão sustentável dos recursos naturais.
Um exemplo é o projeto Saberes Sociobio, que promove o diálogo entre diferentes sistemas de conhecimento, especialmente os saberes tradicionais de povos indígenas e comunidades locais, e a ciência acadêmica. Essa articulação visa construir políticas e práticas que respeitem e integrem, de forma equitativa, esses conhecimentos, demonstrando que o desenvolvimento sustentável na Amazônia passa necessariamente pela valorização das culturas e dos territórios que há séculos cuidam desse bioma, uma inspiração na qual as cidades na COP30 poderão se basear para fortalecer seu protagonismo.