Relação entre desmatamento e chuva é trazida à tona por pesquisa inédita

Estudo evidencia em dados o custo da perda de florestas, estimada pela ONU em 10 milhões de hectares por ano, área equivalente à da Coreia do Sul.

Por Redação em 21 de novembro de 2024 5 minutos de leitura

desmatamento e chuva
Foto: Rich Carey/ Shutterstock

As florestas exercem papel fundamental para equilibrar o clima e a vida na Terra. Cobrem 31% da superfície do planeta e concentram 80% da biodiversidade terrestre, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Fornecem oxigênio e armazenam dióxido de carbono, um dos principais gases de efeito estufa (GEE). Para mais de 1,6 bilhão de pessoas, são fontes de emprego e renda. Quase um terço da população mundial depende de lenha para cozinhar ou se aquecer. Na África, a parcela sobe para dois terços. Também há uma relação direta entre desmatamento e chuva, pois as árvores bombeiam, de volta para a atmosfera, a umidade do solo, que passa pelo processo de condensação e cai na forma de chuva. O vapor d’água liberado pelas florestas pode percorrer distâncias de dois a cinco mil quilômetros, de acordo com a organização WRI Brasil. 

A lógica, portanto, é óbvia embora nem sempre evidente: o desmatamento cria um ciclo vicioso. Ou seja, florestas derrubadas, menos árvores para bombear umidade, menos chuvas, menos árvores. As florestas tropicais desempenham um papel crítico no ciclo da água porque ajudam a manter os padrões de chuva locais e regionais. É o que mostra o estudo da Universidade de Leeds (Reino Unido) publicado na revista Nature, que avaliou a relação entre áreas de desmatamento e diminuição das chuvas. A pesquisa analisou três regiões do mundo com florestas tropicais – Amazônia, Congo e sudeste asiático – e foi a primeira que investigou, em larga escala, a relação entre redução de áreas florestais e pluviosidade; estudos anteriores observaram casos específicos e não abrangentes. 

Os pesquisadores observaram a ocorrência de chuvas em relação à cobertura florestal a partir de dados de satélite e de estações meteorológicas das três regiões, entre 2003 e 2017. O estudo revela que a rápida diminuição da cobertura vegetal interfere no índice pluviométrico e prejudica a fauna e a flora. Os dados mostraram que todas as áreas desmatadas tiveram diminuição na taxa de precipitação anual. 

O sudeste asiático foi a região com maior redução no acumulado de chuva, entre 0,48mm e 0,36mm mensal por ponto percentual de perda florestal. Os pesquisadores também analisaram as estações de seca, de chuva e de transição nas florestas tropicais. Com exceção do período de seca da Amazônia (que ocorre no segundo semestre, com o pico em outubro e novembro), que registrou aumento da precipitação, todas as outras estações, nos locais analisados, registraram redução no volume de chuva. 

Desmatamento e chuva, um retrato científico

A pesquisa também apresentou previsões pluviométricas. Com base no prognóstico de um grande desmatamento até o ano de 2100, o estudo prevê que a Floresta do Congo será a mais afetada entre as florestas tropicais, com risco de perder cerca de 40% da cobertura florestal atual. A precipitação média pode cair, por mês, entre 6,2mm e 16,5mm, o que resultaria em uma redução de 8% a 10% da taxa de precipitação local. 

Foto: Harmattan15/ Shutterstock

A redução das chuvas causada pelo desmatamento tropical afetará as pessoas que vivem nas proximidades por meio do aumento da escassez de água e da diminuição do rendimento das colheitas, além dos danos à fauna e a flora.  

Imitar a natureza 

Para o biólogo molecular e ambiental Guilherme Gennari, há vários caminhos possíveis, que são complementares, para mitigar esses efeitos, a começar por parar o desmatamento, a degradação, para resolver o problema de maneira sistêmica, conjunta. 

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A segunda medida elencada pelo biólogo é a ação de forma integrada. Quando for necessário ter uma área produtiva, que ela seja viabilizada por um sistema agroflorestal, que é uma forma de uso e ocupação do solo em que árvores são plantadas em associação com culturas agrícolas. Ou seja, o produtor planta e cultiva árvores e produtos agrícolas na mesma área, garantindo a melhora de aspectos ambientais e a produção de alimentos, por exemplo. Essa é uma alternativa, segundo Gennari, ao ato de limpar uma área para implementar algum tipo de pecuária ou plantação. Paralelamente, “trabalhando com as comunidades locais de maneira mais integrada e mostrando o valor da floresta em pé”, explica Gennari, que é professor na Singularity Brazil e fundador da startup Iandé, que utiliza a biomimética para o desenvolvimento de pessoas, a formação de lideranças e a construção de inovações e negócios regenerativos.

Abordagem biomimética é a terceira medida apontada por Gennari para equilibrar a relação entre desmatamento e chuva. “Tem uma frase de que gosto muito, de uma líder global de biomimética, Janine Benyus: a partir do momento que as cidades e as florestas forem funcionalmente indistinguíveis, aí sim teremos alcançado a sustentabilidade. Ou seja, naquilo que a gente precisar construir, fazer ou progredir como sociedade, que a gente entenda e preste os mesmos serviços ecossistêmicos que aquele bioma presta. Isso não quer dizer que temos que sair degradando, mas, nos lugares que a gente ocupar, que a gente consiga entregar de volta para o ambiente, para essa vizinhança, algo que aporte o ciclo da água, aporte a retenção e riqueza do solo, que aporte a permanência e preservação de biodiversidade, que crie outras condições que são favoráveis à continuidade da vida. Geralmente o que vemos é o contrário: simplesmente dizima, limpa, arranca tudo de vida ali e constrói algo duro”.

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Desmatamento e chuva, relação não é a única impactada  

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Foto: Roberta Blonkowski/ Shutterstock

O mundo perde, anualmente, 10 milhões de hectares de florestas, área equivalente à da Coreia do Sul, de acordo com a ONU. Menos árvores, segundo o biólogo, afeta não só o regime de chuvas, mas leva à necessidade de uso de fertilizantes no solo. “Quando se limpa completamente o solo, perde-se qualidade de solo, tem que aportar fertilizante, irrigar muito mais porque você mudou o regime de chuvas. O custo que se tem ao longo do tempo de não manter a floresta preservada nas áreas em que você vai precisar produzir é muito maior, mas as pessoas não fazem essas contas”, critica Gennari. 

Assim, para o biólogo, combinar três caminhos – parar o desmatamento, integrar e aderir à biomimética – pode fazer com que a humanidade caminhe para a regeneração e a redução do impacto das ações humanas já feitas, até que o sistema como um todo comece a se recuperar. Isso poderá cessar o ciclo vicioso que envolve o desmatamento e o regime de chuvas e levar a um ciclo virtuoso, equilibrado, que seja saudável para as pessoas, para as espécies, para o planeta. 

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