O planeta está cansado. Literalmente, no limite. É isso que evidencia o Dia de Sobrecarga da Terra, data em que a demanda da humanidade por insumos excede o que o planeta pode regenerar. É como se ele entrasse no cheque especial.
Desde 2020 os cálculos apontam que a data chega cada vez mais cedo. Em 2024, o dia de sobrecarga calculado pela organização de pesquisa Global Footprint Network, que tem escritórios nos Estados Unidos, Suíça e Itália, foi 1 de agosto. Em 1971, primeiro ano em que o cálculo foi feito, a data caiu em 25 de dezembro. Para este ano, a data será anunciada em 5 de junho, quando se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente.
O objetivo é aumentar a conscientização das pessoas quanto aos prejuízos ambientais que a atual taxa de consumo acarreta para a população e o planeta. Um alerta de que o atual consumo desenfreado, que liquida estoques de recursos ecológicos e acumula resíduos, principalmente CO2 (dióxido de carbono) na atmosfera, é insustentável.
Como mostra no gráfico abaixo, a parte azul aponta os Dias de Sobrecarga da Terra de cada ano. As partes em vermelho representam os períodos de déficit ambiental.

Cálculo
O Dia de Sobrecarga da Terra é calculado a partir de métricas de pegada ecológica global (quantidade de recursos naturais que uma pessoa, comunidade ou país consome) e de biocapacidade (capacidade de uma área de produzir recursos renováveis e absorver resíduos), por meio de estatísticas da Organização das Nações Unidas (ONU). Essas contas incorporam os dados mais recentes e a metodologia contábil mais atualizada. Para estimar a data, a pegada ecológica e a biocapacidade são projetadas para cada ano usando dados de fontes adicionais, como o Global Carbon Project.
Enquanto a pegada ecológica se preocupa em medir a demanda de uma população por recursos, como alimentos, produtos de pecuária e pesca, madeira, espaço para infraestrutura urbana e florestas, entre outros, a biocapacidade de uma cidade, estado ou nação representa sua área terrestre e marítima biologicamente produtiva, que inclui florestas, pastagens, terras cultiváveis, áreas de pesca e terras construídas.
A sobrecarga de cada país

A Global Footprint Network também calcula o Dia de Sobrecarga de cada país, data em que o orçamento anual de biocapacidade do planeta seria esgotado se a população da Terra vivesse no mesmo nível de consumo dos moradores da nação em questão. Preparada pela Ecological Footprint Initiative da York University para FoDaFo, o órgão regulador das National Footprint and Biocapacity Accounts, a edição de 2025 inclui resultados de 1961 a 2024. Devido a defasagens de tempo nos relatórios de dados, os resultados de 2022 a 2024 foram baseados em dados reais e estimativas preliminares, semelhantes às previsões do Produto Interno Bruto (PIB) de cada país.
Para o cálculo de cada país são consideradas informações como dados de área agrícola (atualizações de estatísticas de terras de pastagem e terras agrícolas do ResourceStat da FAO da ONU); dados do Orçamento Global de Carbono (estimativas revisadas para absorção de carbono oceânico) e classificações comerciais (ajustes no carbono incorporado ao comércio devido à reestruturação nos conjuntos de dados do Comtrade da ONU). “A competição pela biocapacidade do nosso planeta está se intensificando com o resto do mundo, dado que a demanda da humanidade excede agora em 75% o que os ecossistemas do planeta podem renovar. A consequência é o acúmulo de dívida ecológica global – aumento dos níveis de CO2 na atmosfera, escassez de água potável, diminuição das florestas”, aponta a Global Footprint Network em seu site.
O país com maior dívida ecológica é o Catar, que terá já está em déficit desde 6 de fevereiro. No Brasil, a data da sobrecarga será 1º de agosto. Em 2024 e 2023 o país atingiu a data em 4 de agosto e 12 de agosto, respectivamente, o que aponta que a taxa de consumo de recursos naturais do país está cada vez mais alta. Os 10 países com maior dívida ecológica em 2025 são:
- Catar – 6 de fevereiro de 2025.
- Luxemburgo – 17 de fevereiro de 2025.
- Cingapura – 26 de fevereiro de 2025.
- Mongólia – 2 de março de 2025.
- Estônia – 4 de março de 2025.
- Kuwait – 7 de março de 2025.
- Letônia – 7 de março de 2025.
- Bahrein – 9 de março de 2025.
- Estados Unidos – 13 de março de 2025.
- Omã – 15 de março de 2025.
Cheque especial
Segundo Gabriel Novaes, gerente de projetos ESG/Sustentabilidade da Fundação Vanzolini, “os dados deixam claro que nosso modelo de produção e consumo precisa mudar para garantir um futuro sustentável. Então, cada pessoa pode contribuir fazendo escolhas mais conscientes no dia a dia, como reduzir o desperdício de alimentos, optar por produtos sustentáveis, consumir menos plásticos e embalagens descartáveis, buscar gerar menos resíduos e fazer a separação dos recicláveis”. Priorizar meios de transporte menos poluentes, economizar água e energia e conscientizar amigos e familiares sempre que possível também são ações necessárias, segundo o gerente. “São pequenas mudanças no comportamento individual que, quando adotadas em larga escala, fazem uma grande diferença e ajudam a reduzir a pegada ecológica da sociedade e a preservar os recursos naturais”, frisa ele.

As empresas, por sua vez, alerta ele, têm impacto ainda maior e, por isso, exercem papel essencial nessa transformação, para a qual precisam investir em práticas para reduzir emissões de gases de efeito estufa e de poluentes atmosféricos, reduzir o consumo de água e de energia, otimizar processos, reduzir o desperdício e a geração de resíduos, utilizar matérias-primas e insumos de origem menos impactante, adotar a economia circular e tornar suas cadeias produtivas mais responsáveis. “Além de reduzir impactos ambientais, isso impulsiona inovação, torna os negócios mais resilientes e fortalece a relação com consumidores e investidores cada vez mais atentos a questões ambientais e sociais”, acrescenta.
Já as cidades e os governos, segundo ele, precisam liderar políticas públicas que incentivem práticas sustentáveis em todos os setores, melhorar o transporte público, investir em energia renovável, promover construções mais eficientes, reduzir desperdícios, educar e engajar a sociedade nessas ações.