Fiação subterrânea não é mais opção, é necessidade

País enfrenta entraves financeiros e técnicos para enterrar os fios, mas medida é fundamental para evolução da infraestrutura urbana.

Por Ana Cecília Panizza em 20 de maio de 2025 5 minutos de leitura

Foto: MKSuzuki/ Shutterstock

A Avenida Paulista, em São Paulo/SP, é icônica por múltiplos aspectos. É um centro financeiro e empresarial da cidade, com grande concentração de escritórios de companhias e bancos. Abriga museus, cinemas e galerias, o que a torna um importante polo cultural e artístico. Mas um desses aspectos se destaca justamente por não ser visto: a rede de eletricidade. A avenida tem fiação elétrica subterrânea, o que a deixa ainda mais bonita e organizada, com um aspecto visual agradável aos olhos. A medida consiste na instalação de cabos de energia sob o solo, em oposição à fiação aérea, que utiliza postes e fios expostos.

Fios enterrados são realidade em outras áreas de São Paulo, como a região do Museu do Ipiranga e ruas do centro antigo. Porém, são casos isolados. Apenas 1% da rede elétrica está enterrada na capital paulista. O cenário é similar em outras cidade. No Rio de Janeiro/RJ, a solução representa 11% e, em Belo Horizonte, 2%.

A adoção à medida enfrenta desafios significativos, como altos custos de implementação, questões logísticas e falta de política pública eficaz para que a fiação elétrica subterrânea passe a ser norma. Por outro lado, enterrar os fios elétricos reduz riscos de acidentes e de interrupções no fornecimento de energia, além de contribuir para a preservação da paisagem urbana, o que torna esse um debate fundamental para que o País evolua quanto à sua infraestrutura urbana. Tanto que em países desenvolvidos, como Japão, Alemanha e Holanda, enterrar os fios elétricos é uma realidade consolidada.

Projeto inacabado

Fiação elétrica subterrânea na capital paulista está na agenda urbanística desde o Plano Diretor Estratégico de 2002 e isso foi mantido nas revisões, mas não houve avanço. Em 2017, o então prefeito de São Paulo, João Doria, prometeu enterrar 52 km de cabos em 117 vias do centro. Em 2024, na gestão de Ricardo Nunes, a previsão subiu para 65 km de fios. Mas, em outubro de 2024, o número era de apenas 40 km, com previsão de chegar a 80 km, sem data estimada.  

No artigo A (in)capacidade de resposta do poder público na crise climática em São Paulo, publicado no Jornal da USP, Ivan Maglio, pós-doutorando da Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design da USP, destaca que, na cidade, “há um custo estimado de R$ 10 milhões por quilômetro enterrado. Os R$ 2,5 bilhões gastos pela prefeitura em recapeamento de vias em 2024 já teriam permitido enterrar cerca de 250 km da fiação de cabos em rede subterrânea. Isso sem contar com a obrigatória participação da concessionária, que prefere manter a rede aérea onde aufere recursos das outras empresas de cabos inteligentes e telefonia. A média dos paulistanos de sete horas no escuro por ano é a maior entre as cidades mundiais atendidas pela Enel”.

Desafios para fiação elétrica subterrânea  

O físico Hudson Zanin, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador de centros de pesquisa de conversão e armazenamento avançado de energia na mesma universidade, destaca que fiação elétrica subterrânea é padrão há décadas em países como Japão, Alemanha e Holanda não apenas por estética, mas por reduzir falhas, evitar acidentes e aumentar a resiliência contra desastres naturais. “Países como Chile e Colômbia avançam com subsídios cruzados (parte da tarifa de zonas ricas financia enterramento em áreas periféricas). No Brasil, contudo, essa solução ainda é restrita a áreas centrais, bairros nobres ou projetos pontuais de reurbanização. O que explica essa disparidade? A resposta envolve desafios técnicos, financeiros e uma falta de visão integrada do espaço urbano”, diz Zanin. 

Ele explica que entre os grandes entraves para a fiação elétrica subterrânea no Brasil estão os de cunho técnico, como barreiras físicas – entre elas, o subsolo caótico. “Nas grandes cidades brasileiras, o subsolo já abriga redes de água, esgoto, gás, telecomunicações e drenagem, muitas vezes mapeadas de forma desorganizada. Em São Paulo, por exemplo, estima-se que 40% das tubulações não constem em registros oficiais, o que eleva riscos de rompimentos durante escavações”, comenta o físico. 

Foto: Nelson Antoine/ Shutterstock

Condições ambientais críticas são outras questões técnicas. “Em regiões alagáveis (como partes do Norte e Nordeste), redes subterrâneas exigem sistemas de vedação e drenagem especiais, encarecendo a obra. No Rio de Janeiro, alagamentos frequentes corroem cabos, reduzindo sua vida útil”, explica Zanin, que acrescenta a manutenção complexa como fator técnico de dificuldade. “Identificar um curto-circuito em redes enterradas demanda equipamentos como radar de subsolo e termografia, recursos ainda escassos em muitas concessionárias”. 

Quanto aos desafios financeiros, o professor da Unicamp cita os custos proibitivos. “Enterrar fios custa até 15 vezes mais do que instalá-los em postes, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Em áreas densas, como o centro do Recife, o valor pode chegar a R$ 10 milhões por quilômetro”. 

A falta de incentivos econômicos é outro fator. “Como as tarifas de energia não cobrem modernizações sem aumento direto de consumo, distribuidoras priorizam investimentos em expansão, não em substituição”, critica Zanin. Ele pontua que o financiamento para instalação subterrânea de fios elétricos é fragmentado e que não há programas nacionais contínuos para subsidiar a transição. “Projetos dependem de verbas esporádicas, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), historicamente marcado por atrasos”.

Segundo o especialista, para viabilizar a modernização da infraestrutura elétrica e a instalação de fiação elétrica subterrânea, são fundamentais estratégias para reduzir custos e aumentar eficiência, como integração com obras prioritárias, ou seja, “aproveitar escavações de metrô (como a Linha 6 do Metrô de São Paulo) ou revitalizações de zonas históricas (a exemplo do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro) para instalar cabos subterrâneos simultaneamente”. Parcerias setoriais também contribuem. Zanin lembra que, em Curitiba/PR, um consórcio entre Copel (energia), Sanepar (saneamento) e prefeitura dividiu custos de enterramento em 12 vias, usando dutos compartilhados. 

Já as tecnologias de ponta, com Sensores IoT, por exemplo, podem monitorar temperatura e umidade em cabos, antecipando falhas, explica o físico. “Na Coreia do Sul, redes inteligentes reduziram o tempo de reparos em 70%”, diz ele. 

Segundo o pesquisador, políticas públicas estruturantes consistem em mais um caminho para tornar realidade a fiação elétrica subterrânea no Brasil, com leis urbanísticas rigorosas. “Exigir fiação subterrânea em novos loteamentos, como feito no Plano Diretor de Florianópolis, em 2023”, recomenda. 

Zanin cita a necessidade da criação de fundos setoriais, por meio do redirecionamento de parte da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para subsidiar projetos municipais, com contrapartida em redução de perdas técnicas. E sugere a modernização da regulação: “A ANEEL poderia permitir que concessionárias incluam custos de enterramento nas tarifas, desde que vinculados a ganhos de eficiência comprovados”.

Colapso por novos empreendimentos  

Com a explosão de condomínios verticalizados e a transição para veículos elétricos, a demanda por energia em bairros como Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro/RJ, e Vila Olímpia. Em São Paulo/SP, já sobrecarrega redes projetadas para cargas menores. E em Brasília, lembra Zanin, empreendimentos em Brasília enfrentaram, em 2023, atrasos de até seis meses para obtenção de ligações elétricas, segundo o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon/DF). 

Foto: Travel-Fr/ Shutterstock

O físico elenca soluções urgentes para esse colapso na infraestrutura elétrica do País. Uma delas reside no uso de energia solar e de microgrid, sistema de geração e distribuição de energia elétrica de pequena escala, que pode operar de forma independente da rede principal ou conectado com ela. “Edifícios como o Parque Cidade Jardim, em São Paulo/SP, já operam com geração própria, aliviando a rede pública”, menciona Zanin. 

Ele aponta digitalização de processos como um passo relevante e cita o exemplo da Neoenergia, que reduziu o tempo de ligações de 45 para 15 dias com plataformas online de solicitação, além de revisão de normas técnicas. “A NBR 5410, que rege instalações elétricas, precisa incluir padrões para integração com redes subterrâneas e carregadores de veículos elétricos”. 

“Enterrar fios não é só uma questão técnica, mas um projeto de cidade. Enquanto o Brasil adia essa transição, arca com prejuízos: em 2022, quedas de energia causaram perdas de R$ 25 bilhões ao setor produtivo. O momento é oportuno: com o crescimento da energia solar e dos carros elétricos, modernizar a rede é passo inevitável para evitar um apagão estrutural. A pergunta não é se devemos fazer, mas quando começaremos”, conclui Zanin. 

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