Projeto Arquitetura na Periferia leva conhecimento de obras e planejamento arquitetônico para mulheres. O resultado são lajes, casas e uma cidade mais bonita para todos.
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Camila de Lira em 16 de janeiro de 2023 4minutos de leitura
Luh Dandara (Foto por: Mariana Pekin)
Começou com uma torneira. Depois veio o tanque. Mais cômodos, uma cozinha, uma garagem. Uma porta e então janela. Janelas e paredes. Até chegar em uma laje. A casa de Luhh Dandara é ao mesmo tempo um símbolo e um resultado do trabalho da organização que ela é diretora: a Arquitetura na Periferia.
O Projeto visa a melhora da moradia para mulheres periféricas, a partir do ensino de técnicas de arquitetura e do microfinanciamento de obras. Luhh é cofundadora e diretora no IAMI (Instituto Assessoria a Mulheres e Inovação), mas também já foi beneficiada e colocou muito a mão na massa.
“A minha casa tem nome, ela é a ‘casinha mansão’. Porque ela é uma casinha de periferia, mas ao mesmo tempo, é uma mansão pela grandeza e pela riqueza das mulheres que estiveram ao meu lado. Nas paredes, há a vontade das mulheres que aprenderam a colocar tijolo, a pintar e a colocar ladrilhos”, conta Luhh.
Homenageada no 1º Prêmio Habitability, a organização atua em Minas Gerais há dez anos e começou como a casa de Dandara, gradualmente. “A ideia do projeto era fazer pequenas melhorias no interior. O primeiro grupo, que a Carina [Guedes, diretora financeira e arquiteta] ajudou a montar, era para ensinar a fazer pequenas obras em casa”, lembra Luhh. “Meu foco era acertar uma torneira, a única que usava para o dia a dia com meus filhos em casa, mas eu queria mesmo era ter uma casa com laje, escada, paredes pintadas”, fala.
E ela não era a única. “As mulheres começam o projeto já com o sonho da casa terminada”.
“Sonhamos juntos, planejamos juntos e acertamos o orçamento junto”, conta Luhh.
Arquitetura não é luxo (mas parece ser)
A vocação da ONG é levar arquitetura para todos. “Durante algum tempo, eu achava que a arquitetura era uma função desnecessária, uma perfumaria. Para quem era rico só”, conta Luhh. Para ela, como moradora de um bairro periférico de Belo Horizonte, era mais importante conhecer advogados e médicos.
A visão sobre arquitetura mudou quando entrou em contato com Carina Guedes. A arquiteta apresentou parte da visão do projeto para Luhh. E ela, como mobilizadora da comunidade, quis participar. O que era para ser um grupo de mulheres aprendendo a projetar se tornou algo que fez os olhos de Luhh brilharem: uma ferramenta para dar autonomia para as mulheres.
O caminho do projeto foi mostrar para as mulheres que o saber arquitetônico funcionava em favor delas. As atividades são feitas em grupo, e nada é executado sem que as participantes decidam. Nem mesmo uma cor ou um material é usado sem que as “arquitetas-em-formação” aprovem. E quanto mais aprendem as técnicas, mais as moradoras entendem o que precisam e o que podem alterar dentro das suas casas, como iluminação ou ventilação.
“A arquitetura se tornou um espaço de escuta, uma arquitetura que a gente faz. Não só por decisão de cima para baixo, mas das mulheres pensando em desperdiçar menos materiais, em olhar para as etapas da obra, fazer encaixar tudo nas suas condições. Em seus termos”, diz Luhh.
Mulheres constroem (e planejam) o futuro
O futuro é feminino, dizem camisetas e adesivos que se popularizaram no meio artístico. Nas favelas, o presente já é feminino. No Rio de Janeiro, por exemplo, sete em cada dez casas em favelas são chefiadas por mulheres. No Brasil, pesquisas mostram que a porcentagem é de que as mães e avós chefiam 50% das famílias periféricas.
A escolha por ensinar mulheres veio quase de maneira natural para o Arquitetura na Periferia: já eram elas que decidiam sobre a casa, estava na hora delas terem ferramentas e técnicas para tomar melhores decisões. As reformas podem parecer pequenas, mas quando as pessoas não estão treinadas, elas podem gastar recursos e tempo, ambos escassos para aquelas que têm jornadas triplas e quádruplas.
Os projetos de reformas crescem com o tempo. “Se coloca o piso, tem que pintar a parede para destacar o piso. O projeto surge simples e vai ganhando mais forma com o tempo”, aponta Luhh.
Tais mudanças transformam não apenas a casa, mas a forma de viver naquele espaço. A forma da família viver e como aquelas pessoas se enxergam na comunidade. “Muda a nossa forma de ver a cidade. E de enxergar o nosso bonito, e de reivindicar o que é nosso. A estética que é nossa”, disse Luhh.
Cidade (também) é sonho, diz Luhh Dandara
As cidades são mais do que estruturas de concreto e asfalto, pedra e cimento. São pessoas, diz Luhh. E as cidades estão adoecidas, pouco acolhedoras. A desigualdade social se escancara no ambiente urbano e o preconceito aparece nas ruas e vielas. Uma reforma precisa acontecer. Como as promovidas pela Arquitetura na Periferia.
O impacto da ONG no bairro fortalece as mulheres, para que elas olhem para além da própria realidade e comecem a imaginar e criar mais. “Antes, eu ia na casa de amigas e a gente conversava sobre os problemas que elas estavam passando, agora a gente conversa sobre a casa. Mudou as nossas conversas, falamos sobre o que podemos fazer naquele espaço, como podemos melhorá-lo. Tudo nosso remete a obras”, diz.
“Fiz uma reforma na minha casa e fiz algumas reformas em mim e na comunidade em que vivo”, finaliza Luhh.
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