Meio ambiente, sociedade e descarbonização, o tripé das construções do futuro

Em entrevista, Adriana Hansen, engenheira ambiental, mestre em análise de ciclo de vida e diretora técnica de sustentabilidade no CTE traz uma perspectiva ampla sobre o conceito no setor e o caminho para o futuro necessário.

Por Nathalia Ribeiro em 3 de setembro de 2024 8 minutos de leitura

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Adriana Hansen (Foto: Divulgação)

Desde a infância, Adriana Hansen teve sua vida profundamente influenciada pelo compromisso com questões ambientais, uma herança de infância. Afinal, ela cresceu em um lar onde a reciclagem e a economia circular eram um estilo de vida. Na terceira série do ensino fundamental, participou de seu primeiro curso de educação ambiental, motivada pela contaminação da represa de Guarapiranga, próxima à sua residência. Durante seus anos escolares fez parte do núcleo eco estudantil e encontrou sua vocação na engenharia ambiental.

Ainda no primeiro ano da faculdade, começou a participar de projetos de pesquisa no FGVces e iniciou um estágio na consultoria de Fábio Feldmann, advogado e ambientalista brasileiro. “Tive a chance de me envolver nos primeiros projetos de Green Building e conheci várias figuras influentes do setor da construção. Uma delas me inspirou a unir minha formação em engenharia ambiental à construção”, disse Adriana. Foi então que ingressou no Centro de Tecnologia de Edificações (CTE), onde envolveu-se em iniciativas pioneiras, como o Eldorado Business Tower, conhecido por ser a primeira construção no Brasil a utilizar plástico reciclado. Mestre em Avaliação do Ciclo de Vida, atualmente Adriana Hansen é Diretora Técnica da Unidade de Sustentabilidade no CTE.

Em entrevista ao Habitability, ela traz uma abordagem macro da sustentabilidade no setor, a importância de considerar os impactos de cada decisão tomada, a urgência de intensificar a educação sobre práticas sustentáveis e a necessidade de especificações mais detalhadas dos produtos. Confira!

Como se deu o encontro entre a engenharia ambiental e a construção civil?

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Foto: Reprodução/Site do CTE

Adriana Hansen: O CTE me proporcionou um excelente espaço para me desenvolver e antes mesmo de me formar já havia liderado meus primeiros projetos certificados como verdes. Durante a faculdade, percebi a forte conexão entre o mercado da construção civil e a necessidade de quantificar os impactos ambientais. A principal questão era como medir esses impactos de forma quantitativa.

Foi dessa forma que seu foco passou a ser direcionado para a análise de impacto?

Adriana Hansen: Sabemos que o consumo de energia, água e recursos naturais gera impactos, mas a questão é: qual é o impacto real? O efeito varia dependendo da origem da energia. Por exemplo, a energia fóssil pode contribuir para o esgotamento de um recurso fóssil, mudanças climáticas e poluição, enquanto o consumo de gás natural pode liberar enxofre, afetando o solo e também causando chuva ácida. Essas consequências ambientais, resultantes das nossas ações, são tecnicamente chamadas de “aspectos”. Diante desse cenário, me interessei em quantificar esses impactos e comecei a me aprofundar na metodologia de avaliação do ciclo de vida. Realizei uma iniciação científica nessa área e desenvolvi meu trabalho de conclusão de curso focado na avaliação do ciclo de vida. Depois, fui para a USP realizar um mestrado em Avaliação do Ciclo de Vida, no grupo de Prevenção à Poluição dentro da Engenharia Química, com o apoio da Petrobras.

Como foram esses primeiros passos na interseção entre sustentabilidade e construção civil? 

Adriana Hansen: O início foi focado principalmente na análise de materiais, não de edifícios como um todo, mas na aplicação do pensamento de ciclo de vida para a indústria de materiais. No CTE, além das certificações, sempre apoiei a liderança dessa unidade que discutia questões relacionadas à sustentabilidade e a discussão girava em torno do que define um material sustentável. Quais informações as certificações atuais oferecem para que possamos nos posicionar adequadamente? Por exemplo, um material com conteúdo reciclado, mas que não é reciclável, pode ser considerado sustentável?

E qual sua análise sobre essa questão atualmente?

Adriana Hansen: Houve um caso de uma pessoa que me apresentou um produto que era uma telha feita de papel reciclado e betume. Embora o produto tivesse um apelo sustentável, ele não atende às normas técnicas, pois é inflamável. Isso levanta a questão: um material com conteúdo reciclado é realmente sustentável? Será que devemos introduzir no mercado um material que, apesar de ter um viés sustentável, pode apresentar riscos como toxicidade e ameaças à saúde humana? Esse problema é comum na construção civil, onde frequentemente incorporamos resíduos sem avaliar adequadamente os possíveis efeitos prejudiciais.

Poderia citar um exemplo comum deste tipo de equívoco? 

Adriana Hansen: Um exemplo comum é o uso de pneus para pisos em salas infantis. Esses pneus contêm substâncias tóxicas, como o ftalato, que podem causar problemas de saúde, como câncer e problemas no sistema reprodutor, e liberam um cheiro forte e muitas vezes desagradável. Você pode notar isso quando abre a porta de uma brinquedoteca e sente o cheiro de borracha. Apesar de parecer uma solução prática e segura, é um produto extremamente tóxico. Muitas vezes, a visão superficial é que é “fofinho” e protege as crianças de se machucarem, mas as crianças frequentemente colocam as mãos na boca, o que aumenta a exposição a essas toxinas.

É improvável que alguém tenha esse conhecimento devido à grande variedade de materiais. No entanto, no contexto da sustentabilidade, muitas vezes somos enganados por alegações fracas que tentam apresentar um produto de forma atraente, mas deixam de informar sobre aspectos importantes que merecem atenção. Esses aspectos podem incluir conformidade com normas técnicas, níveis de toxicidade, performance ambiental, entre outros.

Quais são os materiais sustentáveis mais promissores no mercado hoje?

Adriana Hansen: São aqueles que focam na redução de carbono. Isso inclui tanto soluções novas quanto as abordagens convencionais, considerando que não podemos esperar uma mudança completa no sistema construtivo brasileiro. Então, tudo que envolve solução para concreto, bloco, aço, vidro é muito relevante. A indústria da construção civil contribui de forma significativa para as emissões globais, e podemos identificar cinco produtos principais que representam essa contribuição: cimento, aço, vidro, alumínio e blocos. Devido à sua alta demanda energética e ao volume consumido, esses produtos são os mais relevantes para se obter um olhar carinhoso. 

Algum exemplo que te chamou atenção no campo da inovação em materiais?

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Foto: Reprodução/CarbonCure Technologies

Adriana Hansen: Recentemente conheci a empresa canadense Carbon Cure, que captura e injeta carbono no concreto. Essa técnica não só remove carbono da atmosfera, mas também altera a reação química do concreto, reduzindo a necessidade de cimento, que é o principal responsável pela pegada de carbono do produto. Tem outras empresas no mercado com soluções para mitigar o impacto de materiais convencionais e, embora não sejam produtos totalmente verdes, essas soluções têm um impacto positivo na redução da pegada ambiental. Mas claro, para obter os melhores resultados, é essencial que o projeto seja bem planejado e otimizado, com impactos quantificados numericamente.

Poderia nos contar sobre um projeto específico em que você esteve envolvida que exemplifique um bom planejamento sustentável?

Adriana Hansen: Atualmente, realizamos muitos estudos de avaliação do ciclo de vida para nossos projetos. Por exemplo, em alguns casos, optamos por aumentar ligeiramente o consumo de aço para reduzir substancialmente o uso de concreto e avaliamos os resultados dessa mudança. No projeto da Universidade Albert Einstein, no Morumbi (bairro de São Paulo), essa mudança resultou em uma compensação ambiental positiva. Embora essa alteração não tenha impactado o custo final, trouxe uma mudança significativa no conceito do projeto. Essas análises combinadas são extremamente valiosas.

Projeto do Centro de Ensino e Pesquisa Albert Einstein (Foto: Reprodução/Site do CTE)

A madeira engenheirada tem recebido mais atenção no mercado brasileiro. Quais potenciais oportunidades para o setor da construção civil em sua avaliação? 

Adriana Hansen: Temos algo muito interessante vindo para o País. No entanto, ainda não sabemos se isso será oferecido em grande escala e se será viável para todos os tipos de edificação. Discutimos bastante sobre o uso misto de sistemas convencionais com madeira engenheirada e frames de madeira. Embora esse avanço seja promissor, há complexidades associadas ao uso da madeira. A introdução de uma nova demanda, que não é pequena, pode impactar a ocupação do solo e ter outras consequências econômicas e ambientais. Nem tudo é positivo. Existem processos como a eutrofização e outros aspectos que precisam ser controlados, mesmo com muitas áreas subutilizadas e deterioradas no Brasil que poderiam ser aproveitadas para o cultivo de madeira engenheirada. É evidente que esse material pode ter um impacto muito positivo no mercado nacional e contribuir para as metas de mitigação das mudanças climáticas. 

Você mencionou anteriormente que não podemos esperar uma mudança completa na mentalidade do setor construtivo brasileiro em relação à adoção de materiais sustentáveis. Quais são os principais obstáculos enfrentados para uma adoção mais ampla desses materiais no Brasil? 

Adriana Hansen: Certamente a educação e o acesso à informação, porque as pessoas precisam saber como projetar com esses materiais ou, às vezes, ajudar a construir normas. Por exemplo, o aço CA-70, desenvolvido recentemente, tem uma resistência superior e é muito interessante. A vantagem desse aço é que precisamos de menos material para suportar vãos maiores, o que permite espaçar vigas e colunas de forma mais eficiente. No entanto, ainda não temos normas adequadas para esse material, então é necessário criar uma norma para regulamentá-lo. Para aproveitar ao máximo esse aço, é fundamental entender sua aplicação e potencial. Embora ele possa ser mais caro, a quantidade necessária é significativamente menor. 

No entanto, se não soubermos projetar corretamente com o CA-70, seu custo será elevado sem oferecer benefícios. Isso é semelhante ao início do uso de LEDs, quando muitos escritórios ainda não compreendiam a eficiência do sistema e acabavam consumindo mais energia com LEDs do que com fluorescentes, devido à falta de conhecimento e planejamento adequado. Sem a devida compreensão da tecnologia e das ferramentas necessárias, o uso pode se tornar excessivo e ineficiente. Assim, o conhecimento sobre o ciclo de vida e a sustentabilidade não está adequadamente incorporado na maioria das graduações em arquitetura e engenharia no Brasil.

Até que ponto a própria cultura do setor está impedindo o progresso nessa área?

Adriana Hansen: Em grandes feiras, é comum encontrar descrições genéricas como “meu produto é mais sustentável” ou “ele tem menos impacto e é mais verde.” Poucos especificam detalhes concretos, como a redução de 10 kg de CO2 por unidade, ou informações sobre emissões, como uma classe de E1 para formaldeído, indicando baixos níveis de emissão que não prejudicam a qualidade do ar. A falta de uma linguagem educativa faz com que muitos consumidores não consigam avaliar o produto de forma crítica.

Além disso, é importante centralizar informações relevantes sobre os atributos dos produtos. Muitas vezes, a falta de especificação se deve à imprecisão nas descrições, não à falta de critérios. Quando encontro “similar” em um memorial descritivo, pergunto sempre: similar em quê? Em cor, potência, estética? A resposta pode abordar alguns desses aspectos, mas raramente considera o atributo ambiental. Hoje, quem decide a compra enfrenta dificuldades para obter informações completas sobre impacto ambiental, mesmo com fichas técnicas, especialmente quando há falta de resposta às solicitações de dados específicos e concretos.

Como superar esses desafios?

Adriana Hansen: Para superar é importante que as grandes empresas pressionem a indústria a fornecer melhores soluções e dados efetivos. No Brasil, a indústria muitas vezes reage somente à demanda, devido à ausência de regulamentações fortes, ao contrário da Europa, onde os padrões são mais rígidos. Como resultado, exportamos nossos melhores produtos para atender às regulamentações estrangeiras e ficamos com os que são menos adequados, como compensados com altos níveis de formaldeído. Portanto, é necessário aumentar a consciência empresarial para que as empresas comecem a exigir e buscar informações mais detalhadas dos fornecedores. Quando um fornecedor percebe que muitos clientes estão demandando essa informação, ele se sente incentivado a melhorar e fornecer os dados necessários. Muitas construtoras e incorporadoras já incorporam esses valores em suas práticas e estão investindo em startups e novas iniciativas que promovem não apenas materiais de menor impacto, mas também soluções para a gestão e facilitação das informações, incluindo o cruzamento de dados recebidos. Acredito que isso pode ser um excelente ponto de partida para o mercado brasileiro. 

Quais são suas expectativas para o desenvolvimento e a expansão das construções sustentáveis no Brasil nos próximos anos?

Adriana Hansen: O que eu espero para o futuro das construções sustentáveis é uma evolução mais organizada. Atualmente, o setor ainda é muito pulverizado, mas vejo um esforço crescente para se estruturar, o que é bastante positivo. Acredito que haverá uma aceleração no curto prazo, impulsionada pelos investimentos na área. Esse movimento tem se expandido, e agora é possível obter empréstimos com garantia de sustentabilidade, com requisitos que não necessariamente envolvem tecnologias avançadas, mas sim a performance obtida. Vejo um caminho em que teremos dados mais precisos sobre carbono e práticas mais integradas ao meio ambiente. Portanto, acredito que os três grandes temas a serem abordados são: integração com o meio ambiente, inclusão da sociedade e redução de carbono.

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