Por ter dimensões continentais, o Brasil tem vários Brasis em seu território, com regiões díspares quanto a tamanho, cultura, população e economia. Essas diferenças ficaram evidentes no Mapa da Desigualdade entre as Capitais, elaborado pelo Instituto Cidades Sustentáveis (ICS).
Lançado em março de 2024, o Mapa de Desigualdade entre as Capitais foi cofinanciado pela União Europeia e tem como parceiros o Programa Cidades Sustentáveis, a Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos (FNP) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O objetivo é destacar as necessidades específicas e prioridades de cada capital e sua população, orientando a tomada de decisões do poder público.
Para produzir o material, o ICS utilizou fontes de órgãos públicos oficiais como Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Departamento de Informação e Informática do SUS (DataSUS) e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Classificação das capitais no Mapa da Desigualdade
Na pontuação final, a partir da soma dos pontos conquistados por cada cidade em 40 indicadores, cuja pontuação máxima é de 1.040 pontos, Curitiba/PR ficou em primeiro lugar, com 677 pontos, enquanto Porto Velho/RO apresentou o pior resultado, com 373 pontos.
1º: Curitiba (677).
2º: Florianópolis (672).
3º: Belo Horizonte (615).
4º: Palmas (607).
5º: São Paulo (594).
6º: Vitória (590).
7º: Cuiabá (583)
8º: Porto Alegre (580).
9º: Goiânia (578).
10º: Campo Grande (549).
11º: Rio de Janeiro (548).
12º: Natal (516).
13º: Boa Vista (498).
14º: Teresina (473).
15º: Aracaju (468).
16º: João Pessoa (463).
17º: Salvador (438).
18º: Macapá (435).
19º: São Luís (435).
20º: Fortaleza (431).
21º: Maceió (428).
22º: Rio Branco (424).
23º: Manaus (417).
24º: Belém (393).
25º: Recife (392).
26º: Porto Velho (373).
Fonte: Desempenho geral das capitais

A pontuação de destaque da capital paranaense é reflexo do desempenho positivo em diversos temas, como contextualiza o coordenador de relações institucionais do ICS, Igor Pantoja. Saúde, saneamento, habitação e questões ambientais são os principais. “Mas a cidade ainda tem desafios importantes, como a desigualdade de salário entre homens e mulheres (Curitiba ficou na 21ª colocação nesse indicador)”, acrescenta Pantoja.
Já Porto Velho, aponta ele, teve os piores desempenhos em quesitos como renda, taxa de feminicídio (problema bastante grave em Porto Velho, segundo o coordenador); presença de mulheres na Câmara Municipal; e saneamento, cuja defasagem aumenta o número de doença – apenas 6% da população local é atendida por serviços de coleta de esgoto. “Além disso, há elevado percentual de área do município deflorestado e altas emissões de gases do efeito estufa na área, mesmo que seja uma das capitais da Amazônia”.
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Os ODS no Mapa
Os 40 indicadores do mapa foram elaborados pelo ICS com base nos 17 ODS da Organização das Nações Unidas (ONU) e mostram o desempenho de cada uma das 26 capitais brasileiras (sem considerar o Distrito Federal) em áreas como saúde, educação, renda, moradia, saneamento e violência. Segundo o documento, “ (..) olhar o mapa do Brasil pontuado por suas capitais, a partir de dados e indicadores socioeconômicos, é uma forma de entender melhor porque vivemos em um dos países mais desiguais do mundo. É também ampliar o conhecimento sobre o território nacional e dar um sentido mais tangível para a distância que separa ricos e pobres, mulheres e homens, negros e não-negros. É um exercício, muitas vezes, incômodo, e sempre necessário”.
O ODS 1 da ONU – Erradicar a pobreza inspirou o indicador “Percentual de pessoas residentes em domicílios particulares com rendimento real domiciliar per capita inferior a US$ 1,9 ao dia”. Florianópolis foi a capital que se saiu melhor nesse quesito com apenas 1,101% de sua população vivendo nessa situação, ao passo que Salvador apresentou a maior porcentagem, 11,153%. Para cada indicador, o mapa apresenta um “Desigualtômetro”; nesse caso, é de 10,1 vezes, ou seja, o resultado da capital catarinense é 10,1 superior ao da capital baiana.
Já o ODS 5 da ONU – Igualdade de gênero – é representado por quatro indicadores do Mapa da Desigualdade entre as Capitais. É o caso do indicador “Razão entre os percentuais de realização de afazeres domésticos no domicílio de homens e mulheres (homens/mulheres), em que “1” representa igualdade. O melhor resultado foi registrado por Porto Alegre (0,963) e, o pior, por Teresina (0,81).
Outro indicador relacionado ao ODS 5 é o “percentual de vereadoras na Câmara Municipal sobre o total de vereadores”. Neste, Porto Alegre teve o melhor desempenho: 30,55% do quadro de vereadoras da cidade são ocupados por mulheres, enquanto em Campo Grande essa parcela é de apenas 3,44%.

A partir do ODS 3 da ONU (saúde de qualidade), o mapa também traz o indicador que reflete a média de idade (em anos) das pessoas que morreram em cada capital. Nesse quesito, Belo Horizonte e Porto Alegre empataram com a maior idade média, de 72 anos. No outro extremo ficou Boa Vista, com 57 anos. “Nesse indicador, com grande diferença entre as capitais, se vê uma variação de quase 20 anos entre a melhor e a pior cidade; é uma provocação que a gente faz de que o Brasil tem condições muito diferenciadas de estrutura oferecida pelas cidades”, comenta Pantoja.
Ele acrescenta que “O Mapa das Desigualdades entre as Cidades procura mostrar essas diferentes formas de desigualdade, tanto territorial, a partir das médias das capitais, mas também a partir de recortes etários, de gênero e raciais. Acreditamos que mostrar essas diferenças é o caminho mais efetivo para buscar superar essas desigualdades. O mapa é uma provocação para que as políticas públicas sejam direcionadas para aqueles grupos mais afetados por essas desigualdades”.
Fator de transformação
Para Pantoja, o mapa pode ser usado para fazer pressão sobre o Executivo e o Legislativo, a fim de que investimentos como os decorrentes do orçamento público geral (do Executivo) e de emendas parlamentares sejam direcionados a partir do reconhecimento dessas desigualdades mapeadas. “Certamente isso poderia ser um fator de transformação, mas muitas vezes esses recursos acabam reiterando certas desigualdades. As regiões que, às vezes, já têm mais recursos são as que continuam recebendo mais. Então, tentar ao máximo possível ser específico nessa visibilização das diferenças é um trabalho primordial que o mapa da desigualdade faz”, ressalta o coordenador.
Para ele, o mapa pode contribuir para o Governo Federal, por exemplo, direcionar e apoiar mais as cidades em pior colocação no ranking, seja por conta de questões de capacidade institucional dos municípios, de atuarem mais fortemente, seja por falta de recursos diretamente econômicos. “É uma provocação; a utilidade mais direta do Mapa das Desigualdades entre as Capitais é exatamente chamar atenção para a grande desigualdade que existe dentro do próprio Brasil e buscar exemplos e boas práticas no país para que a gente possa reduzir essas desigualdades”, avalia Pantoja.
O coordenador frisa que, dentro do Brasil, há características que são típicas de países europeus, mas ao mesmo tempo há capitais com indicadores típicos de países muito pobres da África, da Ásia ou mesmo da América Latina. “É uma chamada de atenção para essa grande diferença que existe dentre as maiores cidades do Brasil, dentre as capitais, que deveriam ser aquelas cidades quase que modelo, na verdade, para cada um dos seus estados”, pontua Pantoja.