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Pré-histórica e inovadora, fibra de cannabis chega à construção civil
Por vantagens sustentáveis e estruturais, hempcrete (concreto de cânhamo) tende a revolucionar a construção e a arquitetura.
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Ana Cecília Panizza em 1 de outubro de 2024 5minutos de leitura
Foto: Shutterstock
Noroeste da China. 7.000 a.C. a 2.500 a.C. Período neolítico. Foi nesse contexto pré-histórico que nasceram as primeiras raízes da planta Cannabis sativa, segundo pesquisa da Universidade de Lausanne, na Suíça. A planta, catalogada somente em 1753 pelo botânico sueco Carl Linnaeus, é resistente e de rápido crescimento: tem ciclos de cultivos de 90 a 120 dias e cresce 100 vezes mais rapidamente do que o carvalho, por exemplo. A matéria-prima sustentável pode dar origem a produtos psicoativos e não psicoativos. Entre os não psicoativos está a fibra de cannabis, que pode ser usada na fabricação de tecido e de hempcrete, também conhecido como concreto de cannabis, mais precisamente concreto de cânhamo. Além de blocos para construção civil, por ser ecológico, o material tem o potencial de ser adotado de forma mais ampla na arquitetura e no design.
O cânhamo já é usado em todo o mundo na confecção de cordas, isolamentos, bioplásticos e outros materiais industriais, além de ter se tornado opção cada vez mais viável na construção civil pelas suas semelhanças à madeira. O concreto de cânhamo (hempcrete), por sua vez, é produzido a partir da mistura, em betoneiras, de cânhamo, calcário em pó e água, que viram uma pasta espessa, que se petrifica e se torna um bloco leve e resistente. O material tem excelentes propriedades termoacústicas, ajudando a regular a temperatura e a umidade internas de uma edificação, além de ser resistente ao mofo.
Uma grande vantagem do cânhamo é sua capacidade de reter carbono. Pesquisadores americanos descobriram que a Cannabis sativa é capaz de capturar até 16 toneladas de dióxido de carbono do ar anualmente, enquanto outras espécies absorvem cerca de seis toneladas. Segundo o Relatório de Status Global para Edificações e Construção, em 2022 a construção civil foi responsável por 37% da energia operacional global e das emissões de CO2. Na medida em que a indústria da construção procura maneiras de reduzir sua pegada de carbono, cientistas, arquitetos e fabricantes procuram materiais naturais, como cânhamo. Juntamente com outros biomateriais, como micélio e algas, ele tem ganhado popularidade como um dos materiais mais sustentáveis do planeta.
Na Ucrânia, a designer Yova Yager se destaca no uso do cânhamo como matéria-prima para criar jarros, vasos, pratos, porta-velas, entre outros objetos, em busca de materiais alternativos ao plástico.
Na construção, ele pode vir a competir com os materiais mais comuns no setor: concreto, aço e madeira. Em relação à última, uma possível substituição pode ser acelerada em função da recente escassez de madeira, que a tornou mais cara. Contudo, no Brasil há um grande desafio quanto ao uso do hemprete na construção: o cultivo de Cannabis sativa não é autorizado. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deve decidir, ainda em 2024, se libera a plantação para fins exclusivamente medicinais (produção de remédios) e industriais, caso do hempcrete. Enquanto isso, a Justiça tem permitido de maneira isolada o cultivo da planta para uso medicinal.
Apesar de ainda ser mais caro que os materiais clássicos, como o concreto e o aço, o cânhamo vem ganhando destaque pelo cultivo rápido e grande capacidade de retenção de CO2. Edifícios com estruturas à base de hempcrete podem ser vistos em todo o mundo, como na Europa, onde o cultivo de cânhamo é legalizado. A França se destaca no uso. O escritório de arquitetura francês Lemoal Lemoal, entregou, em 2021, o primeiro edifício público de concreto de cânhamo do país na cidade de Croissy-Beaubourg, a menos de 30 km de Paris: o centro esportivo Pierre Chevet, erguido com blocos de concreto de cânhamo cultivado e fabricado a 500 km do local.
Outra vantagem do concreto de cânhamo é apresentar um desempenho excelente quando exposto ao fogo, o que foi demonstrado pelo teste ASTM E 84-19B, nos Estados Unidos. Na Austrália, um teste de incêndio mostrou que não houve dano a uma parede de hempcrete exposta a chamas de um incêndio queimando diretamente contra a parede por 60 minutos.
Ancestral e inovador
Para a arquiteta Stephânia Magalhães, que atua principalmente na área de arquitetura residencial, novos materiais como o cânhamo podem enfrentar resistências no Brasil, mesmo se for legalizado. “Em geral, o mercado da construção civil é bem conservador, tradicional, porque na maioria das vezes a construção de uma casa é o projeto de vida de uma família. Portanto, não há margem para erro e desperdício de recursos”, avalia a arquiteta em relação ao uso de materiais novos e disruptivos, como cânhamo. “Pela minha experiência, sempre que usamos alguma tecnologia mais inovadora ou ecológica nos projetos, isso parte do cliente, quando ele já tem algum tipo de relação com isso e quer que o lugar onde ele vá viver reflita seus valores”, comenta Stephânia.
Stephânia Magalhães (Foto: Arquivo pessoal)
“Agora, pensando lá na frente, considero o potencial do cânhamo bem alto, mas acho que vão uns bons anos aí”, diz ela. “O Brasil tem um território gigante, uma biodiversidade incrível, um agronegócio super forte. Poderíamos não só usar a fibra do cânhamo, como também exportá-la. Outro ponto que me chama a atenção é a sustentabilidade do cânhamo porque a construção civil produz muitos gases de efeito estufa e gera muito resíduo. O fato de ser uma matéria-prima vegetal com uma performance tão alta é muito bacana”.
Assim, o concreto de cânhamo pode ser a principal tecnologia na estrutura de edifícios e solução sustentável para o futuro da arquitetura, da construção civil e do design. Com tantas vantagens estruturais e ambientais, o concreto de cannabis é forte candidato para diversificar o uso do concreto, do aço e da madeira, os grandes clássicos da construção civil, e se tornar uma tecnologia disruptiva no setor, mas que, incrivelmente, vem de uma planta ancestral.
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