Projeto de teatro na Austrália se inspira na natureza e na literatura

Novo teatro do Queensland Performing Arts Centre une ousadia e ancestralidade, inspirado na natureza e em poesia indígena.

Por Redação em 24 de setembro de 2024 4 minutos de leitura

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Imagem de design conceitual do novo teatro do QPAC, projetado pelos escritórios de arquitetura Snøhetta e Blight Rayner (Crédito: Ray Lau/site do escritório Snøhetta)

Construção civil e arquitetura remetem costumeiramente a concreto, aço, cimento, além de formas retas, discretas, sóbrias. Esses setores, contudo, podem fazer diferente e se inspirar no que a sabedoria e a beleza da natureza – e até da literatura – podem proporcionar. É o caso de uma obra em andamento na Austrália que tem chamado atenção – dentro e fora do país – pela criatividade: o novo teatro do Queensland Performing Arts Centre (QPAC), na cidade de Brisbane. Terceiro maior município australiano e capital do estado de Queensland, ao leste do país, Brisbane é um hub econômico, administrativo, cultural e urbano. 

O projeto do novo teatro do Queensland Performing Arts Centre é assinado pelos escritórios Snøhetta, da Noruega, e Blight Rayner, da Austrália – que venceram uma competição internacional. O design se sobressai em vários aspectos, a começar pela transparência, pouco comum em teatros. A fachada de 2,4 mil metros quadrados será toda transparente, composta por mais de 200 painéis de vidro curvos, referência ao formato de serpente do Rio Brisbane, que banha e dá nome à cidade.

A inspiração veio de um poema da poetisa indígena Aunty Lilla Watson que evoca as ondulações do Rio Brisbane. É também uma homenagem a dois povos tradicionais do local, Turrbal e Yuggera, que habitaram a região antes da colonização inglesa, no fim do século 18. Com isso, a intenção do projeto é reconhecer e respeitar os verdadeiros proprietários e guardiões tradicionais do território – os povos indígenas –, juntando passado, presente e futuro.

Com capacidade para 1,5 mil pessoas sentadas, o teatro do QPAC receberá espetáculos de balé, ópera, artes cênicas, musicais e novas tendências teatrais. O objetivo é atrair mais 300 mil visitantes por ano.

Camadas de natureza 

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Imagem do interior do projeto (Crédito: site do escritório Blight Rayner)

O projeto do teatro do Queensland Performing Arts Centre é dividido em camadas. O auditório fica no centro, envolto em uma concha de concreto. Um véu de vidro ondulado envolve o núcleo de concreto, em alusão ao reflexo e ao movimento do Rio Brisbane. O coração do edifício é feito de fitas de madeira curvas que representam o fluxo de energia entre o artista e o espectador. Os acabamentos remetem à natureza: buscam celebrar as florestas exuberantes do estado de Queensland por meio do uso de madeira quente, assentos e carpetes verde-escuros brilhantes e ripas e painéis de madeira preta. O fosso da orquestra tem três elevadores e é flexível, o que permite quatro tamanhos diferentes de fosso, com vários níveis para atender às necessidades de diferentes tipos de performance e eventos. 

Para aumentar a sensação de intimidade e conexão entre público e artistas, as bordas frontais da sacada foram puxadas o mais próximo possível do palco e uma fileira adicional de sacada foi adicionada para criar plenitude e harmonia visual para se chegar a um equilíbrio entre acessibilidade e união.

Arquitetura do espetáculo e o efeito Guggenheim

Para o arquiteto Pedro Paulo Mainieri, o projeto do QPAC tende a transformar a arquitetura em arquitetura do espetáculo, fruto de uma situação contemporânea, pós-moderna, diz ele, exemplar de uma corrente de pensamento que transforma o projeto em algo que se apropria de questões do contexto, mas que, na verdade, é uma exceção dentro da cidade. “Em vez de apostar todas as fichas em um único projeto icônico, deveria se apostar em requalificações mais amplas, o que chamamos de projeto urbano ou operação urbana, o que beneficia conjuntos inteiros, quarteirões e combina arquitetura com urbanismo”, avalia Mainieri, que é professor das disciplinas “Linguagem da Arquitetura” e “Teoria da Arquitetura”, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC) de Campinas.  

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Casa da Música (Foto: Sonia Bonet/ Shutterstock)

Ele cita outros exemplos de arquitetura de exceção, como a Casa da Música, na cidade portuguesa do Porto. Projetada pelo escritório holandês Office for Metropolitan Architecture, de Rem Koolhaas, a edificação fica em um contexto urbano de edificações baixas, em área residencial. A opção de projeto foi se destacar fortemente do contexto urbano e criar uma edificação isolada, icônica, em concreto branco. 

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Ópera de Oslo (Foto: Shutterstock)

Mainieri menciona também a Ópera de Oslo, cujo projeto é assinado pelo escritório Snohetta – o mesmo do teatro QPAC, em Brisbane – e consiste em uma distorção de um cubo branco à beira-mar. E lembra do icônico Museu Guggenheim, em Bilbao, projetado pelo arquiteto canadense-americano Frank Gehry, inaugurado em 1997 como símbolo da transformação por meio do elemento de exceção na imagem, o que levou ao chamado “efeito Guggenheim”, explica Mainieri. O arquiteto levanta a hipótese de o projeto do teatro do Queensland Performing Arts Centre seguir uma postura correlata à de Gehry, há quase 30 anos. 

Museu Guggenheim (Foto: Melanie Lemahieu/ Shutterstock)

Assim, um projeto que chama tanto a atenção pela ousadia como o QPAC bebeu de uma fonte de décadas atrás. E elementos arquitetônicos que saltam aos olhos pela beleza e ousadia podem não ser exatamente novos. Para além disso, inspirado no antigo ou no novo, é preciso refletir se – e como – a arquitetura do espetáculo atende a uma cidade como um todo e se conecta com ela, em vez de ser um ícone, uma exceção.

O que só será possível constatar a partir de 2025, novo prazo de entrega do projeto que tinha, inicialmente, inauguração prevista para 2022. A data foi postergada para 2024 porque, no ano em questão, a região foi atingida por enchentes. Segundo David Paterson, diretor administrativo da construtora responsável pela obra, a Lendlease Construction, em entrevista ao jornal Brisbane Times, “a data de conclusão revisada reflete uma série de desafios que impactaram a entrega do projeto, incluindo várias insolvências de subcontratados importantes, condições climáticas adversas e volatilidade da cadeia de suprimentos”, explicou Paterson. O projeto, de 175 milhões de dólares australianos, é financiado pelo governo australiano.