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O Brasil está preparado para universalizar o saneamento até 2033?
Luana Pretto, presidente do Instituto Trata Brasil, reflete sobre o saneamento básico no País e aponta soluções para a universalização.
Por
Nathalia Ribeiro em 8 de julho de 2024 6minutos de leitura
Foto: Divulgação
Embora o Brasil tenha se comprometido a garantir que, até 2033, 99% da população tenha acesso à água potável e 90% à coleta e tratamento de esgoto, conforme o Novo Marco Legal do Saneamento, o acesso ao saneamento básico no Brasil continua sendo um desafio. Enquanto algumas áreas registram avanços, outras permanecem estagnadas. Em determinados lugares, a situação é tão precária que parece não terem avançado desde o século XIX. Esta disparidade não apenas afeta a qualidade de vida das pessoas, mas também representa um atraso no desenvolvimento socioeconômico e na saúde pública em várias partes do Brasil.
Luana Pretto, mestre em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina e atual presidente executiva do Instituto Trata Brasil, enfatiza que para impulsionar o avanço do saneamento básico rumo ao desenvolvimento é fundamental estabelecer diretrizes claras que orientem as estratégias a serem adotadas. Essas diretrizes devem ser formalizadas através de legislações municipais, estaduais e federais, além da criação e implementação eficiente de planos abrangentes de saneamento básico.
De acordo com o novo relatório do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico, os investimentos em água e esgoto totalizaramR$ 22,5 bilhões em 2022, representando um aumento de 30% em relação aos R$ 17,3 bilhões investidos em 2021. A região Sudeste liderou com R$ 11 bilhões (49,1%) em recursos, sendo São Paulo o estado com o maior investimento de R$ 6,4 bilhões. Em contraste, o Norte recebeu o menor investimento, aproximadamente R$ 974,1 milhões (4,3%), com o Acre registrando o menor montante, de R$ 2,8 milhões investidos.
Esse valor investido em 2022 é o suficiente para alcançar a universalização do saneamento até 2033? Segundo um estudo do Instituto Trata Brasil, ainda faltam R$ 538 bilhões para atingir esse objetivo. Portanto, para cobrir essa lacuna nos próximos 12 anos, seria necessário um investimento médio anual de aproximadamente R$ 44,8 bilhões.
Em entrevista exclusiva ao Habitability, Luana Pretto enfatizou a importância de envolver a sociedade na fiscalização do cumprimento das metas de saneamento. Ela destacou que, além do engajamento da população, é importante mobilizar promotores para garantir a correta execução e fiscalização dos serviços básicos. Além disso, Luana também ressaltou a relevância da união entre os setores público e privado. “Precisamos unir forças para demonstrar a importância e os benefícios diretos dos serviços de saneamento básico”, disse.
Entre os diversos problemas estruturais do Brasil, destaca-se a não universalização do saneamento básico. Quais são os maiores desafios enfrentados na expansão do saneamento básico no País até 2033?
Luana Pretto – temos muitos desafios no nosso País de uma maneira geral. Um dos primeiros é a conscientização da população sobre a importância do acesso à água, coleta e tratamento de esgoto. Durante as eleições municipais, por exemplo, é fundamental que a população exija dos candidatos planos e projetos relacionados a esses temas. De maneira geral, ainda falta consciência sobre o quanto a ausência de acesso à água e à coleta e tratamento de esgoto impactam nossas vidas, especialmente em relação à saúde e à prevenção de doenças. A falta de saneamento básico, por exemplo, impacta negativamente a produtividade, o rendimento escolar das crianças e a renda média das pessoas.
Outro desafio é a priorização do tema nas agendas pública e política. Em muitas regiões do nosso País, ainda prevalece o pensamento de que obras enterradas não trazem votos, resultando na preferência por investir em outras infraestruturas. É crucial que ocorra uma mudança cultural e política, buscando o melhor modelo de gestão para captação de recursos financeiros, a fim de realizar as obras necessárias e alcançar a universalização do saneamento básico.
Existe uma diferença no acesso ao saneamento básico entre as áreas urbanas e rurais? Se sim, como isso se manifesta?
Luana Pretto – sim, há uma diferença significativa na deficiência de acesso, principalmente à água, entre as áreas rurais e urbanas. Quando analisamos o número de moradias sem acesso à água, 64% estão na zona rural e 35% na zona urbana. Da mesma forma, 72% das casas sem banheiro estão na região rural, enquanto 27% estão na área urbana. Isso ocorre porque as regiões rurais geralmente são mais distantes e têm menor densidade demográfica. Então, é necessário implementar soluções alternativas, como a restauração de poços, pequenas estações de tratamento de água e o uso de sistemas alternativos para o tratamento de esgoto. A construção de banheiros nessas localidades também é essencial.
De acordo com o estudo “A vida sem saneamento”, do Instituto Trata Brasil em parceria com a Ex Ante Consultoria Econômica e o Cebds, 1,3 milhões de moradias no Brasil não tinham banheiro exclusivo em 2022, afetando cerca de 4,4 milhões de pessoas. No Nordeste, aproximadamente quatro em cada 100 moradias ainda não possuíam equipamento sanitário. Qual é a principal causa da falta de banheiros em tantas moradias no Brasil, especialmente nas regiões mais vulneráveis?
Luana Pretto – Isso se deve, em parte, ao alto custo da construção de banheiros, que muitas vezes está fora do orçamento dessas famílias. Hoje, 60% das pessoas sem banheiro estão vivendo abaixo da linha da pobreza, fica evidente que essas pessoas enfrentam dificuldades significativas para realizar atividades básicas com dignidade.
Essas populações, frequentemente, precisam se deslocar para locais distantes de suas casas para atender suas necessidades fisiológicas, o que pode resultar em problemas de saúde, incluindo doenças ginecológicas e doenças transmitidas pela água, diretamente ligadas à falta de higiene adequada. Mulheres também são vulneráveis à violência ao percorrerem longas distâncias para atender suas necessidades fisiológicas e meninas não têm condições adequadas para realizar sua higiene íntima durante o período menstrual, o que pode impedi-las de frequentar a escola devido à vergonha.
Para resolver esse problema, são necessárias soluções viáveis, como políticas educacionais que promovam a construção de banheiros e incentivem o uso de banheiros prontos para instalação nessas comunidades.
De que forma o acesso à água potável e limpa, como um direito humano essencial, pode ser comprometido quando o Estado perde o controle sobre os serviços de saneamento e distribuição?
Luana Pretto – quando não priorizamos o acesso à água potável limpa, enfrentamos sérios problemas de saúde pública. No Brasil, ainda há 33 milhões de pessoas sem acesso adequado à água potável, resultando em uma alta incidência de doenças transmitidas pela água, como leptospirose e diarreia. Estas causam cerca de 191 mil internações e 2,3 mil mortes anualmente no País. Essas mortes e internações são evitáveis e representam um grande prejuízo para a qualidade de vida da população. Infelizmente, muitas localidades ainda vivem como se estivessem no século passado em termos de acesso à água limpa e segura, onde falta o básico para realizar atividades diárias essenciais, como cozinhar alimentos e lavar as mãos. A verdade é que precisamos de maiores investimentos.
Quanto, aproximadamente, o Brasil investe em infraestrutura de saneamento básico?
Luana Pretto – atualmente, o Brasil investe, em média, R$ 111 por habitante ao ano em saneamento básico. No entanto, o ideal seria um investimento anual de R$ 231 por habitante. Esse aumento de investimento resultaria em mais obras e, consequentemente, em um maior percentual da população com acesso a esses serviços essenciais.
Existem opiniões divergentes sobre a gestão das companhias de água: enquanto alguns defendem a manutenção do controle estatal, outros apoiam a privatização para acelerar a universalização do serviço. Qual sua visão?
Luana Pretto – precisamos da união entre o público e o privado. Existem locais onde o setor público conseguiu investir eficientemente e alcançar bons indicadores, mas há também áreas onde os recursos financeiros estão comprometidos, dificultando a captação de financiamentos adicionais para aumentar os investimentos necessários. Nesses casos, é essencial adotar uma modelagem que promova a colaboração entre setores público e privado. Além disso, uma regulação técnica forte e independente dos serviços, especialmente quando são prestados por meio de parcerias público-privadas, é fundamental. Portanto, a governança no sistema de saneamento básico e sua regulação são aspectos importantes para melhorar essa infraestrutura.
A governança e a política influenciam diretamente na implementação do saneamento básico em diversas regiões do País. Nesse contexto, o que está faltando na política para que possamos expandir o acesso ao saneamento básico?
Luana Pretto – é necessário que o tema do saneamento básico seja priorizado para que os investimentos possam ocorrer. Para isso, é fundamental ter um plano de saneamento básico bem estruturado, com um direcionamento claro. É preciso buscar a captação de recursos financeiros, seja por meio de fontes públicas, privadas ou parcerias.
Além disso, é essencial ter uma governança robusta, uma agência reguladora que fiscalize as concessões de saneamento básico e tenha eficiência na prestação e na expansão dos serviços. Uma governança sólida é muito importante para atrair investimentos e assegurar a melhoria contínua do saneamento básico no País.
Quando há uma estrutura jurídica sólida e uma governança bem definida, com regras claras, os investimentos em saneamento básico ocorrem de maneira mais organizada. É essencial que o acesso a essa infraestrutura vital esteja constantemente na pauta dos governantes, seja na esfera municipal, estadual ou federal. É importante definir qual modelo de gestão será adotado em cada região, levando em consideração suas diferentes culturas, geografias e densidades populacionais. As soluções para o Sudeste, por exemplo, não serão necessariamente adequadas para o Norte, devido às suas distintas características culturais e geográficas.
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