Geólogo de formação, Pedro Walfir Martins e Souza Filho mora em Belém/PA. Interessado em entender como ocorreu o depósito de lama nos manguezais que o circundam – um dos maiores do mundo –, se dedicou ainda na graduação a mapear ambientes costeiros do seu estado. Descobriu que manguezais foram formados há mais de 2 mil anos, alguns chegam a 3 km de largura e são grandes sumidouros de carbono, importante na regulação do clima.
Hoje, com doutorado na área de Sensoriamento Remoto Geológico na Universidade Federal do Pará, Souza Filho segue sua pesquisa com o intuito de avaliar o estado de conservação dos manguezais em todo o planeta, já que a literatura tem apontado grandes alterações em manguezais da Índia, Bangladesh e Nova Guiné.
O pesquisador é um dos autores do artigo “Situação do uso da terra pelos manguezais na costa amazônica brasileira a partir de imagens RapidEye e abordagem GEOBIA”, publicado na revista “Anais da Academia Brasileira de Ciência”. Junto de outros pesquisadores do Instituto Tecnológico Vale (ITV) e da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), Souza Filho constatou que os manguezais da costa amazônica brasileira – além de serem os maiores – são também os mais bem preservados do planeta.
Foram 7.820 km² de área mapeada, com planícies de maré vegetadas, que têm cerca de 30 a 40 quilômetros de largura. Além de florestas, a área estudada também conta com a presença de planícies salinas conectadas ao manguezal, conhecidas como apicuns, muito usados para a aquacultura, que envolve atividades como a criação de peixes e camarões em tanques.
Os principais impactos identificados na região dos manguezais são a expansão urbana e a construção de estradas, mas menos de 1% da área total foi convertida por essas atividades. As florestas de mangue correspondem à maior cobertura, ocupando 92% da área de estudo.
Para chegar a essa conclusão, pesquisadores analisaram imagens de satélite de alta resolução, entre 2011 e 2015, para obter um mosaico de imagens sem nuvens. Estas foram comparadas com imagens antigas da região.
A região de Bragança, no Pará, concentra pontos de degradação mapeados pelo estudo devido à construção da rodovia PA-458, que corta o manguezal por 26 quilômetros. Por outro lado, essa mesma estrada, construída entre as décadas de 1970 e 1980, permitiu maior acesso dos pesquisadores à região, o que proporcionou mais conhecimento sobre o ecossistema.
Mas, afinal, o que fez com que os manguezais locais permanecessem em avançado estágio de conservação? E o que pode ocorrer se todos os manguezais do mundo sumirem? Essas são algumas das perguntas que o pesquisador responde em entrevista ao Habitability. Confira!
Qual a importância dos manguezais para o ecossistema global?

Souza Filho: manguezais são florestas que ocorrem na faixa entre o continente e o oceano. Nesses locais, temos o depósito de sedimentos finos, uma lama muito rica em nutrientes.
Eles têm funções ecológicas específicas. Trata-se de um lugar que serve de área de reprodução e berçário de diversas espécies marinhas e costeiras, que depois saem para o mar aberto; oferece nutrição a esses animais; combate a erosão costeira; e, mais recentemente descobrimos, que é um sumidouro de carbono, portanto têm papel importante na regulação do clima.
Leia também: Manguezais, do Oiapoque ao aquecimento global
Por que esse é um dos biomas mais ameaçados do mundo?
Souza Filho: porque ele fica na zona costeira, onde a maior parte da população mundial está. Além disso, não há uma clara conscientização ecológica sobre esse ecossistema. Por isso, constantemente vemos esses ambientes sendo convertidos em espaços urbanos, com a construção de shoppings e condomínios de casas.
Estatísticas globais indicam que os manguezais estão diminuindo em todo o mundo como consequência das atividades humanas. Segundo o estudo, na década de 1980, a taxa anual de perda de habitat de mangal foi de 1,04%, enquanto na década de 1990 foi de 0,72%. No início deste século, entre 2000 e 2012, a estimativa mais precisa indicava uma perda mundial de habitat de mangue de 0,39% ao ano.
O Sudeste Asiático foi responsável pela maior parte da desflorestação de manguezais, sendo as taxas mais elevadas registadas na Indonésia, que foi responsável por metade de toda a desflorestação registada globalmente neste ecossistema. Essa perda está relacionada principalmente com a conversão de florestas em aquicultura, infraestrutura urbana e agricultura.
Qual o cenário se não existirem mais manguezais no planeta?
Souza Filho: nós teríamos um volume enorme de gás carbônico e matéria orgânica indo para o oceano. Isso tem um impacto grave nas mudanças de clima e na reprodução da fauna marinha. Teríamos, por exemplo, uma redução do número de animais que vivem na região e muitas comunidades vivem desse recurso, por meio da pesca artesanal, com captura de peixes e mariscos.
Seu artigo informa que os manguezais da costa amazônica brasileira estão bem preservados. Vocês ficaram surpresos com o resultado?

Souza Filho: eu já esperava esse resultado. No entanto, essa pesquisa foi motivada por um relatório do programa da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Meio Ambiente (PNUMA), que mostrava que os manguezais do Brasil estavam bastante degradados. Então fomos estudar a região indicada: o cinturão localizado a leste da foz do Rio Amazonas, entre a Baía de Marajó, no estado do Pará, e a Baía de São José, no estado do Maranhão. E vimos que 80% dos manguezais da costa amazônica brasileira estão muito bem conservados.
Quão preciso é esse estudo?
Souza Filho: nós usamos dados de sensoriamento remoto obtidos da série de satélites RapidEye, com resolução espacial de 5 metros. Ou seja, conseguimos observar objetos com 10 metros ou 20 metros de altura, identificamos aglomerações urbanas e estradas. Ao mesmo tempo, tivemos uma validação intensa com o trabalho de campo para confirmar o que estávamos vendo nas imagens.
A questão que podemos debater é o que é considerado preservado e conservado. Os manguezais da região estudada, eu considero conservados. Ele é usado pelas comunidades tradicionais com suas embarcações para pesca – sempre cai um pouco dos fluídos do motor na água –, extração de madeira para lenha. Mas é tudo feito de forma muito sustentável. Então, apesar de estar em uso, o local se mantém conservado. É diferente de quando derrubamos uma floresta inteira e colocamos um pasto em cima.
A que se deve essa preservação no seu ponto de vista?
Souza Filho: podemos explicar pela presença das unidades de conservação ao longo da costa, incluindo 12 reservas extrativistas, e a baixa densidade populacional na região, relacionada à ausência de infraestruturas, como estradas e redes de transmissão de energia elétrica.
Por aqui, nossos manguezais são protegidos por lei. É o suficiente para garantir a manutenção deles?
Souza Filho: no Brasil, os manguezais cobrem uma extensa área costeira, com um total de quase 9,9 mil km², dos quais aproximadamente 73% estão localizados na costa amazônica.
Hoje, nossas reservas estão 90% dentro de uma unidade de conservação. Além disso, temos a conservação natural do ambiente. Em alguns locais, como no norte e nordeste do País, há seis metros de lama. É preciso gastar milhões para degradar e então construir em cima. Do ponto de vista econômico não é viável.
Ao mesmo tempo, acho que devemos, sim, nos manter sempre em alerta, com constante monitoramento. Embora os manguezais sejam legalmente protegidos, uma área de cerca de 200 km² foi perdida entre 1999 e 2018, o que representa uma redução de 2% da área total de manguezais brasileiros. Os principais motivos são a aquicultura e as salinas.
No Sudeste, por exemplo, temos uma perda significativa dos manguezais em função da expansão urbana, caso do Rio de Janeiro/RJ, por exemplo. Então há pontos de alerta.
Vocês pretendem seguir acompanhando os manguezais brasileiros e vão atualizar os dados de quanto em quanto tempo?
Souza Filho: não paramos. É um acompanhamento anual. Usamos as imagens dos satélites para ver perdas e danos e os espaços de conservação. É um estudo que pode apoiar os processos de tomada de decisão adotados durante a formulação de políticas públicas para a conservação sistemática das florestas de mangue e das salinas associadas, contribuindo assim para a mitigação eficaz de diferentes impactos.