Transição energética no Brasil, possível, mas desafiadora

A transição energética no Brasil pode criar uma matriz sustentável, reduzindo emissões e promovendo justiça social até 2050, mas incluir grandes desafios e problemas básicos ainda não sanados.

Por Redação em 23 de dezembro de 2024 6 minutos de leitura

Transição energética
Imagem gerada por Inteligência Artificial

A transição para um Brasil movido exclusivamente por energia limpa e com cidades replanejadas, pode reduzir as emissões de gases de efeito estufa no setor de energia em até 80% até 2050. Essa é a principal conclusão do estudo “Futuro da Energia, divulgado pelo Observatório do Clima (OC).

O setor de energia e transporte é o principal responsável pelas emissões globais, devido à queima de combustíveis fósseis, mas o Brasil apresenta vantagens competitivas nessa área. Graças à predominância das hidrelétricas, cerca de 55% da eletricidade gerada no País já provém de fontes renováveis, segundo dados do Governo Federal. Com a adoção de medidas integradas, as emissões do setor energético poderiam cair de 490,6 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e) anuais para 102 milhões até 2050. Essa redução, próxima de 80%, depende de políticas públicas eficazes e investimentos em fontes renováveis, eficiência energética e eletrificação do transporte público.

A pesquisa ainda destaca a importância do replanejamento urbano de modo que ele permita que os habitantes morem mais perto de seu local de trabalho e utilizem transporte público elétrico ou bicicletas como principais meios de locomoção, em linha com o conceito de mobilidade urbana sustentável

Oportunidades e desafios para reduzir emissões dos transportes

De acordo com a pesquisa, a maior oportunidade para reduzir as emissões de gases de efeito estufa de forma rápida está no transporte de passageiros. No entanto, atingir a meta de reduzir as emissões do setor de 102 milhões de toneladas de CO2 equivalente (tCO2e) para 16 milhões de tCO2e e até 2050 exigirá mudanças profundas nos paradigmas urbanos. Isso implica em cidades mais compactas, com distâncias menores entre as residências e os locais de trabalho, além de um aumento significativo nos investimentos em transporte público coletivo, como ônibus, metrô e Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs).

Transição energética
Foto: Ground Picture/ Shutterstock

A pesquisa também enfatiza a necessidade de uma infraestrutura robusta para o uso de bicicletas, como alternativa ao transporte individual de automóveis. O objetivo é reduzir a dependência dos carros, responsáveis por uma grande parcela das emissões urbanas. Para alcançar esses resultados, os pesquisadores destacam que será essencial promover um planejamento urbano integrado, que facilite os deslocamentos sustentáveis e crie um ambiente propício para o uso de meios de transporte não poluentes.

Por outro lado, o transporte de cargas representa um desafio mais complexo. O OC aponta que, embora a eletrificação de caminhões pesados e semipesados seja possível, ela ainda enfrenta obstáculos significativos. As dificuldades estão, principalmente, nos altos custos das baterias e de outros componentes necessários, além das longas distâncias percorridas, que tornam a eletrificação menos viável. A pesquisa sugere que, para superar esses desafios, o setor pode recorrer a combustíveis mais sustentáveis, como o biodiesel e o diesel verde, como alternativas viáveis para a descarbonização.

Nesse contexto, para projetar o consumo de diesel fóssil, biodiesel e diesel verde, considerou-se que o biodiesel representará 15% do volume de óleo diesel comercializado em 2025 e 20% em 2030, conforme estabelece a Lei 14.993/2024 (Combustível do Futuro), que também prevê a implementação do Programa Nacional do Diesel Verde (PNDV). A projeção indica que o diesel verde será amplamente utilizado no transporte de cargas, mas também no transporte de passageiros. De acordo com dados do Cebri, em um cenário otimista, a previsão é que o consumo de diesel verde atinja 3,5 bilhões de litros até 2035, com um crescimento significativo, alcançando quase 35 bilhões de litros em 2050. Esses valores foram calculados com base em um crescimento linear da produção do biocombustível entre 2030, 2040 e 2050.

Como fica a indústria na transição energética?

A indústria desempenha um papel significativo no consumo de energia no Brasil, sendo responsável por uma grande parte das emissões de gases de efeito estufa. Uma possível solução para mitigar esse impacto e promover uma transição energética mais sustentável é o uso do hidrogênio verde. Este recurso é apontado como essencial para a transição energética, especialmente em setores industriais que não têm como alternativa a eletrificação, como os de cimento e siderurgia, que demandam grandes quantidades de energia.

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O hidrogênio verde é produzido a partir da quebra da molécula de água, um processo conhecido como eletrólise, que usa eletricidade para separar os átomos de hidrogênio e oxigênio. Quando essa eletricidade é proveniente de fontes renováveis, como solar ou eólica, o processo se torna praticamente livre de emissões, criando um ciclo energético sustentável.

Além do hidrogênio verde, outras formas de obtenção de hidrogênio renovável também têm se destacado, como a gaseificação de biomassa e a reforma a vapor do biometano e do etanol. Estas alternativas ampliam as opções para a transição energética, garantindo um caminho mais diversificado e eficiente para a redução das emissões no setor industrial. 

Mineração e transição energética

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A transição energética depende diretamente da extração de minerais estratégicos ou críticos. Esses recursos são fundamentais para a fabricação de tecnologias como painéis solares, turbinas eólicas, veículos elétricos, chips e baterias de alta capacidade, posicionando a mineração como um elo indispensável nesse processo.

O Brasil possui um papel estratégico nesse cenário, sendo um importante fornecedor desses minerais para países como a China, líder mundial na produção de baterias e equipamentos para energia renovável. No entanto, essa contribuição não está isenta de desafios. Segundo a OC, a extração de lítio, por exemplo, tem gerado uma série de impactos socioambientais reportados por comunidades indígenas e quilombolas, que relatam problemas como escassez hídrica, poluições do ar e sonora, aumento da violência e pressão sobre áreas protegidas. 

Além disso, atividades mineradoras têm contribuído para a inflação local, dificultando o acesso de comunidades tradicionais a bens e serviços básicos. Conflitos relacionados à mineração são uma realidade expressiva no Brasil. O Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil identificou, desde 2020, 1.723 localidades em situação de conflito. Minas Gerais concentra 39,2% desses casos, seguido pelo Pará, com 12,1%. Entre os grupos mais atingidos estão indígenas, trabalhadores, pequenos agricultores, quilombolas, ribeirinhos e pescadores, que enfrentam uma sobreposição de impactos econômicos, sociais e ambientais.

Por isso, a pesquisa salienta que, embora a mineração seja importante para a transição energética, é necessário equilibrar sua expansão com a preservação dos direitos humanos e do meio ambiente. A busca por fontes renováveis de energia não deve ignorar os custos sociais e ecológicos envolvidos, exigindo políticas que garantam um desenvolvimento sustentável e inclusivo para as comunidades diretamente afetadas.

A pobreza energética no Brasil 

Foto: Kingfajr/ Shutterstock

A energia elétrica é indispensável para suprir necessidades básicas, como alimentação, higiene, educação, trabalho e conforto térmico. Em uma escala pública, ela sustenta serviços essenciais, como hospitais, escolas e transporte. Contudo, no Brasil, a qualidade e o acesso à energia ainda são marcados por disparidades regionais e socioeconômicas. Áreas remotas, especialmente na Amazônia Legal, apresentam os maiores índices de exclusão elétrica, com quase um milhão de pessoas sem acesso à energia. De acordo com o OC, essa privação não é apenas uma questão de infraestrutura, mas também de escolhas políticas que perpetuam desigualdades.

A pobreza energética afeta desproporcionalmente grupos vulneráveis, como mulheres, negros, indígenas e populações de baixa renda. De acordo com o Instituto Pólis, mais da metade das famílias brasileiras de baixa renda comprometem até 50% de seus rendimentos com energia, muitas vezes às custas de necessidades básicas como alimentação. Além disso, apagões frequentes e serviços de baixa qualidade são mais comuns em periferias e áreas rurais, agravando a exclusão energética.

A Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE), criada para aliviar os custos para famílias de baixa renda, têm mostrado limitações. De acordo com a pesquisa do OC, em 2023, 21% dos beneficiários estavam inadimplentes, evidenciando que o programa é insuficiente para enfrentar os desafios financeiros e estruturais do setor. Mulheres e meninas enfrentam desafios adicionais relacionados à pobreza energética. Em áreas rurais e urbanas precárias, o uso de lenha para cocção, devido à falta de energia adequada, expõe essas populações a riscos de saúde e desigualdade de gênero, já que tarefas domésticas ainda recaem desproporcionalmente sobre elas.

Embora o Brasil apresente indicadores favoráveis no contexto global de acesso à energia, essas métricas falham em capturar a realidade da pobreza energética vivida por milhões de brasileiros. Na perspectiva do OC, as desigualdades entre Norte e Sul, áreas urbanas e rurais, e diferentes grupos sociais revelam a necessidade de uma abordagem mais inclusiva e precisa. A criação de metodologias multidimensionais que considerem as particularidades socioterritoriais do Brasil é essencial para enfrentar essa crise. Essas ferramentas devem ser integradas a políticas de governança que promovam a justiça energética, garantindo que o planejamento nacional não apenas forneça energia, mas também atenda às necessidades das populações mais vulneráveis.