É preciso saber viver! Os ensinamentos das 6 regiões do mundo onde se vive mais e melhor 

Zonas Azuis apresentam combinação bem-sucedida de cultura, estilo de vida, alimentação e comunidade.

Por Ana Cecília Panizza em 26 de dezembro de 2024 8 minutos de leitura

zonas azuis Icaria, Grécia
Icaria, Grécia (Foto: Lemonakis Antonis/ Shutterstock)

Qual é o segredo para se viver – e bem – até os 100 anos? Mais do que isso, quais são os lugares mais felizes do mundo e por quê? Com essas inquietações em mente, o jornalista e pesquisador norte-americano Dan Buettner percorreu o mundo em busca de respostas. E encontrou seis regiões bastante distintas entre si quanto a cultura, economia e localização geográfica, mas com um ponto em comum: elevada expectativa de vida e grande quantidade de habitantes centenários. São elas Icaria (Grécia), Loma Linda (Califórnia, EUA), Nicoya (Costa Rica), Okinawa (Japão), Sardenha (Itália) e a cidade-estado Singapura. Buettner nomeou essas áreas de Zonas Azuis. 

O conceito de Zonas Azuis nasceu do trabalho demográfico dos pesquisadores Gianni Pes e Michel Poulain, que descobriram que Sardenha, na Itália, é a região com a maior concentração de homens centenários do mundo. Pes e Poulain desenharam círculos azuis no mapa destacando as vilas da Sardenha caracterizadas pela longevidade e começaram a se referir a elas como Zona Azul – daí o nome. Com base nesse trabalho, Buettner e uma equipe de pesquisadores, entre eles os próprios Pes e Poulain, identificaram outros locais do mundo. 

Lições das Zonas Azuis

Ilha de Taketomi é uma ilha no distrito de Yaeyama, na província de Okinawa, Japão (Foto: Renata Barbarino/ Shutterstock)

As expedições capitaneadas por Buettner resultaram em livros por meio dos quais ele revela e analisa hábitos, configuração social e ambiente em que vivem as pessoas longevas. A empreitada também virou documentário do serviço de streaming Netflix. Ao se debruçar detalhadamente sobre as Zonas Azuis, o jornalista descobriu que, em em todas elas, os moradores valorizam boa alimentação, atividade física, interações sociais e espiritualidade. A partir disso, o  grupo levantou nove hábitos de estilo de vida específicos que intitularam Power 9, que consistem em nove lições. São elas: 

  • Mexer-se! Os moradores das Zonas Azuis têm o hábito de caminhar para ir ao trabalho ou para aproveitar a natureza – chegam até a subir montanhas no dia a dia. Também cuidam das próprias hortas. Fazem, assim, exercícios regulares de baixa intensidade, que trazem benefícios para os músculos e a mobilidade, além de reduzir o estresse.
  • Fazer restrição calórica consciente. Comer devagar, para perceber como o corpo reage ao alimento, e parar de comer antes de estar 100% saciado. Isso pode trazer benefícios para o organismo porque o cérebro demora cerca de 20 minutos para detectar a saciedade. Essa estratégia ajuda a evitar exageros e remete ao mantra confucionista de 2,500 anos de Okinawa, “Hara hachi bu”, lembrado antes das refeições para que se pare de comer quando o estômago estiver 80% cheio. A diferença de 20% é crucial para o resultado de perder ou ganhar peso. Além disso, os habitantes das Zonas Azuis comem sua menor refeição no final da tarde ou no início da noite e não se alimentam mais até o dia seguinte. 
  • Alimentação baseada em produtos frescos e vegetais. As Zonas Azuis incluem carne e outros produtos de origem animal na alimentação, mas são secundários: a prioridade está em verduras, frutas, legumes frescos e preparados em casa. Destaque para castanhas e leguminosas, como feijões, fava, soja e lentilha – essa é a base da maioria das dietas das populações centenárias. Carne, principalmente de porco, é consumida em média cinco vezes por mês, apenas. 
  • Vinho com moderação. Em pequenas quantidades, o vinho pode ajudar a reduzir o estresse e a melhorar a saúde do coração. Vinho (e saquê, no caso dos okinawanos) faz parte de culturas e rituais sociais locais. Moradores das Zonas Azuis, exceto adventistas, bebem álcool moderadamente e regularmente e tendem a viver até mais do que quem não bebe. A recomendação é de uma a duas taças de vinho por dia, de preferência com amigos e durante refeições.
  • Propósito. Quem mora nas Zonas Azuis sabe a razão pela qual se levanta da cama todos os dias. O propósito pode estar ligado a trabalho, família, amigos. Não importa: é preciso ter o que os moradores de Okinawa chamam de “Ikigai” e, os de Nicoya, de “plan de vida” – ou seja, conhecer seu propósito de vida. 
  • Desacelerar e fazer coisas para nutrir a alma. Níveis mais baixos de estresse significam menos inflamações crônicas, associadas às principais doenças relacionadas ao envelhecimento. As populações das Zonas Azuis têm rotinas mais tranquilas por executarem — e valorizarem – atividades como caminhar, lembrar de seus ancestrais, rezar, tirar sonecas e fazer happy hour.
  • Espiritualidade. A maioria dos centenários entrevistados por Buettner participa de rituais religiosos, o que ajuda a deixá-los mais ativos, menos estressados e ter mais autoconhecimento. Dos 263 idosos entrevistados por Buettner e equipe, apenas cinco não faziam parte de comunidade religiosa. 
  • Priorizar a família. A maioria dos centenários das Zonas Azuis vivem com gerações mais novas da família, o que leva a interações benéficas para todos. Quando se prioriza a família tem-se retorno disso em forma de cuidado e carinho. Centenários das regiões visitadas por Buettner colocam suas famílias em primeiro lugar, o que implica manter pais e avós idosos por perto ou em casa. Além disso, comprometer-se com um parceiro de vida pode aumentar em até três anos a expectativa de vida. 
  • Ficar perto das pessoas certas. Conexões sociais profundas são intimamente ligadas à longevidade. E, se as pessoas que nos cercam têm hábitos saudáveis, as chances de nós também termos aumenta. Ou seja, fumo, obesidade e solidão são contagiosos, assim como felicidade. As populações das Zonas Azuis fazem parte de círculos sociais que prezam por comportamentos saudáveis, a exemplo dos okinawanos, que criaram “moais”, grupos de cinco amigos que se comprometeram uns com os outros para o resto da vida. 

A novata Singapura

zonas azuis Singapura
Foto: Gallery de Labux/ Shutterstock

A novata entre as Zonas Azuis é Singapura, que entrou para o grupo em 2023 após apresentar enorme salto na longevidade. Em 1960 a expectativa de vida no país era de 65 anos, enquanto hoje é de 86. O número de centenários na região dobrou em uma década. Isso foi resultado de fortes investimentos públicos e políticas inovadoras, que levaram a melhorias graduais na saúde e no bem-estar da população. Ou seja, não foi de uma hora para outra. 

Uma das medidas do governo de Singapura foi o aumento da tributação sobre cigarro e bebidas alcoólicas, acompanhado por rigorosas proibições de fumar em público para melhorar os espaços para todos e combater o fumo passivo.

Outra mudança foi a rotulagem nutricional obrigatória e a redução do teor de açúcar nas bebidas, para aumentar a conscientização da população. O sistema de saúde de Singapura tem se destacado pela qualidade do atendimento e pela capacidade de contenção de gastos. Tanto é que o Índice de Prosperidade Legatum de 2023 classificou o país como o melhor do mundo no que se refere à saúde dos habitantes e à sua capacidade de viabilizar acesso à assistência médica. Valorização de espaços verdes e implantação de rede eficiente de transporte público também contribuíram para Singapura se destacar. 

Repensar e agir  

Para Aline da Silva Freitas, que é advogada, professora, palestrante e consultora especializada em felicidade, as Zonas Azuis podem ensinar que atualmente temos, enquanto comunidade global, conhecimentos e estruturas suficientes para repensar estilos de vida e estabelecer marcos para longevidade com qualidade de vida. “Fazer perguntas, ponderar e analisar como estamos vivendo parece um grande desafio, porém muito necessário. Ao fazer isso devemos sempre questionar e reconhecer o que já está funcionando e que deve ser mantido, o que deve ser eliminado e, definitivamente decidir e agir sobre como fazer para que nossos estilos de vida sejam cada vez mais sustentáveis”, avalia ela, que é master em Psicologia Positiva (PUCRS), mestre em Direito Político e Econômico (Mackenzie) e doutora em Direitos Humanos (USP), onde defendeu a felicidade como Direito Humano. Aline é também CEO do Instituto Gestão da Felicidade. 

Aline da Silva Freitas
Aline da Silva Freitas (Foto: Mateus Sales Fotografia)

Sobre os fatores elencados por Buettner para compreender a longevidades nas Zonas Azuis – cultura, estilo de vida, alimentação, comunidade –, Aline pontua que, mais do que listar os fatores, é necessário qualificá-los, ou seja, avaliar em que medida cada um deles permite que as pessoas vivam mais e melhor. “Ainda assim, se eu puder acrescentar fatores, eu colocaria mais três: a) maior compreensão e efetividade acerca de todos os direitos humanos e fundamentais; b) melhor gestão das emoções; c) melhor gestão do tempo. Na verdade são muitas as possibilidades de fatores, talvez olhar para as dimensões da Felicidade Interna Bruta seja um caminho, mas focando nos elementos que as Zonas Azuis mais ponderam, não deixaria de lado a chance de acrescer efetividade dos Direitos Humanos e maior Gestão das Emoções e do Tempo”. 

Tais Direitos, explica a consultora, são os mais básicos. “Estamos, aliás, em um momento crucial da nossa história para efetivá-los: estamos diante de complexidades variadas, mas também de uma grande chance de nos reunirmos em torno do que realmente importa que é proteger vidas. Já a Gestão das Emoções é um convite para mais autoconhecimento e consciência, para que respectivamente possamos nos compreender melhor e entender nossa interdependência. Quando alguém vive mais e melhor, toda sociedade é beneficiada. Sobre o tempo… isso é emergencial. Precisamos aprender a lidar melhor com nosso presente e futuro. Tomar decisões agora que vão impactar melhor nosso futuro, desde, por exemplo, em tendo acesso, fazer mais exames preventivos, nos alimentarmos melhor, nos exercitarmos, cuidarmos do nosso sono… e, sobretudo, cuidarmos dos nossos relacionamentos. Nosso senso de comunidade precisa muito ser aguçado e cuidado”. 

Para Aline, o objetivo de cada país deve ser que a população viva mais e melhor.”Se nós fôssemos analisar as leis mais importantes de cada Estado Nacional, e mesmo a Agenda 2030 da ONU, perceberíamos que no campo textual a ideia sempre é de que as pessoas vivam com qualidade de vida e podemos depreender que vivam bem e mais! A grande questão é como acelerar o processo de percepção do quanto isso é de interesse coletivo e de que todos contam na construção desses objetivos”. 

Segundo a professora, esta é sempre a grande pergunta: como? “Primeiro devemos ter a clareza de que cada território tem suas especificidades, mas que em todo território há meios para pensar em como auxiliar mutuamente as pessoas para que possam acessar as condições mais básicas de vida e tomar decisões conscientes para que, a partir disso, tenham melhor presente e futuro. Notem, o movimento deve ser da gestão pública para a sociedade, porém também desta para a gestão. Nós somos o Brasil! Portanto, somos nós quem poderá de alguma forma manter o que já está ajudando, eliminar o que não funciona e criar novos caminhos para os problemas dinâmicos que podem sempre acontecer”.  

Aline destaca a importância de se viver cada momento da melhor forma possível e que se reflita. “O que eu faço agora me ajuda a viver mais e melhor? Como isso impacta no outro? É sobre isso ainda sobre manter o foco nas múltiplas possibilidades. Isto é, não desanimar, reconhecer que já avançamos historicamente na longevidade e que a tendência disso é que tenhamos também de trazer mais respostas para esse tempo a mais de vida e, como círculo virtuoso, buscar estratégias reais de como viver melhor”.

Ela espera que o Brasil possa ser uma zona azul a partir de políticas públicas, ter no radar a contínua implementação dos direitos humanos e fundamentais, que possa olhar para a sociedade como parceira e que esta também assim o perceba – e que cada pessoa possa exercer diariamente o convite para pensar seu estilo de vida. Na nossa geração podemos agora buscar isso e colaborar para que as futuras vivam ainda mais e melhor.”

Diversidade etária 

Foto: Yuganov Konstantin/ Shutterstock

Aline frisa que pode-se aprender muito com a diversidade etária e que é muito bom fazer o exercício de diálogo com quem está com mais idade. “O tempo deles não passou! O tempo deles é também agora, como de outras pessoas, de outras faixas etárias. Em resumo, cada um de nós pode fazer o exercício de conversar com alguém com mais de sessenta ou até mais de cem anos. Cada pessoa é única, porém, certamente, desse diálogo vamos perceber que na simplicidade da vida as chaves serão o tempo, as emoções e os relacionamentos”.

As emoções e os relacionamentos citados pela professora fazem parte do campo comportamental e não do genético. Segundo o estudo dinamarquês Danish Twin Study, apenas 20% da longevidade das populações é determinada por genes – e os outros 80% dependem do estilo de vida e do ambiente onde se vive. Assim, envelhecer é inevitável, não se escolhe, mas o modo como enfrentamos e vivenciamos essa caminhada tem a ver com as escolhas de cada um. E elas podem ser norteadas pelas lições das Zonas Azuis e pelos bons conselhos de quem passa pela velhice com saúde e alegria – com uma boa vida e uma boa velhice.