Arquitetura da quebrada é resiliência vestida de criatividade

Para driblar infraestrutura precária, moradores das favelas criam sua própria engenharia.

Por Marcia Tojal em 18 de novembro de 2025 3 minutos de leitura

Vista da arquitetura da quebrada na favela do Rio de Janeiro ao entardecer, mostrando casas coloridas empilhadas em um morro.
Foto: Skreidzeleu/ Shutterstock

“Por que existem portas flutuantes na favela?”. Esse é um dos temas dos vídeos bem-humorados de Juan Juliet nas redes sociais. Com mais de 700 mil seguidores no Instagram, ele compartilha a “engenharia da favela”. “Parece que o pedreiro esqueceu da escada, né? Mas isso aqui tem um motivo! É o que a gente chama de engenharia da necessidade”, diz ele, explicando que a porta que não leva a lugar algum, na verdade, serve para içar móveis e eletrodomésticos grandes demais para serem carregados pelas populares escadas de caracol, que são as mais usadas nas construções da periferia. Como o perfil de Ruan, existem vários outros que buscam expor curiosidades e dificuldades enfrentadas pelos moradores da comunidade. Mais que isso, eles mostram as soluções criativas que formam a arquitetura da quebrada.

O início da arquitetura da quebrada

A arquitetura da quebrada é uma poderosa expressão de inventividade, resiliência e identidade cultural de uma população que construiu seu espaço à revelia do acesso a serviços e planejamentos urbanos formais. Mais do que uma moradia popular, essa forma de construir é uma manifestação direta do modo de vida e da autogestão de seus moradores.

Professor e mestre em história criado na periferia de São Paulo, Adriano Sousa explica em entrevista para a série documental Pega a Visão, que esse processo de autoconstrução tão comum nas comunidades surge, pelo menos em São Paulo, por volta dos anos 1940, devido à migração de nordestinos que vão trabalhar na indústria metalúrgica e de eletrodomésticos.

Como não havia nenhuma política pública habitacional, nem vilas operárias, esses trabalhadores acabavam vivendo em loteamentos de fazendas, que eram vendidos por valores menores, compatíveis com seus salários. Ao longo de décadas, essas pessoas vão autoconstruindo suas moradias em um ambiente com infraestrutura precária.

Essa construção desordenada tão característica das favelas brasileiras conta a história de milhares de pessoas no País até hoje.

Leia também: Autoconstrução: problema ou solução?

Arquitetos da quebrada

Vista da favela da Rocinha no Rio de Janeiro, destacando a arquitetura da quebrada com casas empilhadas na encosta, mostrando a diversidade urbana e a vida na periferia.
Foto: Martins Imagens/ Shutterstock

Diferentemente da prática convencional, entre gambiarras, reformas, pinturas e construções, moradores e pedreiros buscam adaptar soluções de moradia e infraestrutura às realidades socioeconômicas e espaciais únicas das favelas e bairros periféricos, redefinindo a prática da arquitetura e do urbanismo, como mostra matéria do Tab Uol

Paralelamente, arquitetos nascidos e criados em comunidade, buscam aproximar a arquitetura dessa realidade. A partir de suas próprias experiências aliadas ao conhecimento formal, esses profissionais buscam transformar a vida de outros moradores por meio da arquitetura social. É o caso da arquiteta e urbanista Ester Carro, líder do Instituto Fazendinhando, em São Paulo, que atua diretamente na melhoria das condições de moradia e espaços urbanos na periferia. Seu trabalho foca em intervenções de baixo custo, reaproveitamento de materiais e capacitação local.

Em Belo Horizonte, o Coletivo LEVANTE já recebeu até prêmio internacional de arquitetura por seu trabalho com a “Casa do Pomar do Cafezal”. Apelidada carinhosamente de “Barraco do Kdu”, a casa apresenta tijolo e concreto aparente, um reflexo estético da periferia. No entanto, a arquitetura moderna se faz presente, não apenas nos detalhes internos, mas também na infraestrutura, que foi cuidadosamente planejada para otimizar a iluminação, a ventilação e o aproveitamento do solo no Aglomerado da Serra, a maior favela de Minas Gerais.

O projeto Arquitetura da Periferia, também em Minas Gerais, é fruto da tese de mestrado da arquiteta Carina Guedes, e funciona desde 2014 oferecendo capacitação em assistência técnica para mulheres em territórios com déficit de habitação e infraestrutura, como comunidades periféricas e ocupações. De acordo com publicação do ArchDaily, para Carina, o projeto tem um viés social crucial que é o de contrapor a tradição da arquitetura, que historicamente se limitou a construir e aprimorar áreas de elite, e forçá-la a reconhecer e a responder às abismais disparidades sociais do Brasil.

É nesse contexto de escassez, precariedade e desigualdade históricas, que a resiliência e a criatividade dão vida a soluções engenhosas e a uma categoria única de arquitetura que mostra o potencial, a proatividade e a força da comunidade.

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