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Arquitetura efêmera: o poder das instalações temporárias
Com construções e instalações temporárias, arquitetura efêmera ajuda a dar mais vida às cidades e abrir campo para inovações.
Por
Ana Cecília Panizza em 24 de julho de 2024 6minutos de leitura
Serpentine Pavilion 2017, do arquiteto Diébédo Francis Kéré (Foto: Iwan Baan/ Serpentine Galleries)
Uma cidade pode ter mais cor, vivacidade e movimento de pessoas por meio de medidas como implantação de jardins e praças, plantio de árvores, limpeza redobrada, organização do trânsito, investimento em transporte público e lazer. E existe um elemento curioso e inovador que pode contribuir: a arquitetura efêmera. Tal como o nome sugere, trata-se de construções e instalações passageiras, temporárias, ou seja, obras que podem sumir definitivamente de um lugar ou ser transferidas para outro, a depender da intenção do autor do projeto, da história que se quer contar, da mensagem e das sensações a ser transmitidas.
Pode ser uma biblioteca ao ar livre construída com material reciclado, como a Lesezeichen Salbke, na cidade de Magdeburg, Alemanha. Um bairro antes abandonado foi revitalizado com a construção da biblioteca, em 2005, com ajuda dos moradores e uso de uma matéria-prima inusitada: caixas de garrafas de cerveja. A ideia era que o projeto, do escritório de arquitetura Karo, fosse mantido por determinado período – mas se tornou permanente.
O Cirque du Soleil, cuja tenda itinerante é montada e desmontada em diversos países do mundo, é outro exemplo emblemático. Com uma estrutura robusta que impressiona os visitantes – o espetáculo ilumina os olhares.
Com forte caráter experimental, criativo, livre e lúdico, a arquitetura efêmera é aplicada não só a edificações, mas em desfiles, vitrines, exposições, festivais e instalações, de modo a colocar a comunidade como personagem central, para que as pessoas possam interagir com a obra, conectar-se com ela. Esse tipo de intervenção pode ser usada para promover uma marca ou expressar o objetivo de um artista. É, assim, um dos campos de atuação mais atraentes para arquitetos e designers mundo afora. Um bom exemplo é o Serpentine Gallery Pavilion, em Londres, pavilhão que recebe exposições de arte temporárias. Com objetivo de valorizar e democratizar a cultura, as atrações têm entrada gratuita.
Uma vantagem dessas estruturas temporárias é que elas estimulam a curiosidade dos espectadores: criar e refazer uma edificação diante dos olhos das pessoas é uma experiência significativa e diferente no dia a dia. A momentaneidade desperta diferentes sensações e percepções em quem a vê. Além de brevidade, versatilidade, originalidade e espontaneidade, a arquitetura efêmera é muitas vezes caracterizada por construções de baixo custo por meio da utilização de materiais recicláveis e variados e de métodos simples de construção.
Mistura de noções
O economista brasileiro Lucas Bispo de Oliveira Alves chama atenção para as diferenças entre a arquitetura efêmera e a convencional, que viabiliza construções para durar mais do que o tempo de vida de uma geração de pessoas, por exemplo – assim como a engenharia civil. “A arquitetura efêmera é muito interessante porque altera essa percepção, misturando a noção de arquitetura com as noções de obra de arte e de instalação. São criações temporárias em que se expressa a criatividade do criador. Existe uma relação entre a pessoa que visita o espaço e o criador do espaço, do ponto de vista artístico. Muitas vezes também se tem, na arquitetura efêmera, uma série de mensagens análogas ao que se poderia ter em uma mensagem de um quadro, uma pintura, em um museu, por exemplo”.
Alves mora no Japão há oito anos. Mudou-se para a capital do país para fazer doutorado em Planejamento de Transportes na Universidade de Tóquio, uma das mais prestigiadas do país. Atualmente trabalha em uma consultoria japonesa que elabora projetos para o governo local que apoiam países em desenvolvimento, principalmente na África, como Moçambique e Tanzânia. O consultor destaca que, em Tóquio, há diversos exemplos de urbanismo tático, “que se encaixa na perspectiva de arquitetura efêmera porque tem a ver com intervenções temporárias, muitas vezes experimentais, frequentemente de baixo custo, no espaço urbano, no sentido de buscar uma ressignificação ou promover novas maneiras de interação entre as pessoas e o espaço público”.
Segundo Alves, é uma estratégia de revitalização urbana, de fortalecimento da comunidade e do senso de pertencimento, muitas vezes com perspectiva comercial, que se assemelha ao que shoppings fazem com promoções relacionadas com estações do ano, eventos, musicais. Por exemplo, uma vila do Papai Noel durante a época natalina; uma rua comercial em que empresários e lojistas se associam para criar eventos que atraem pessoas nos finais de semana, quando o movimento é mais baixo. Isso também cria alternativas de lazer e consumo à noite, quando os escritórios estão vazios. “Traz muita vida para a cidade e a segurança urbana, reduz a criminalidade por meio da presença e do movimento constante de pessoas. Ajuda a economia a circular”, diz o economista.
Ele frisa o caso do bairro Marunouchi, localizado entre o Palácio Imperial e a estação ferroviária de Tóquio, e repleto de escritórios de empresas multinacionais, bancos, consultorias. A região enfrentava o problema da falta de movimento à noite após o expediente e aos finais de semana, embora o comércio estivesse presente. As lojas e os prédios se juntaram e criaram uma agenda de atividades para o ano inteiro, com espaços decorados e atividades que se alteram conforme a estação do ano. Assim, no verão, são implantados espaços com sombra para amenizar o calor; no inverno são instalados aquecedores especiais para espaços abertos. Eventos culturais movimentam o local, com pianos para o público tocar e palcos temporários construídos com madeira para expressão da criatividade de artistas. “É uma estratégia comercial para revitalizar a região”, define Alves.
No Brasil, um expoente de arquitetura efêmera e urbanismo tático é Recife, que recebeu intervenções simples e de baixo custo, como caixas de madeira usadas como bancos e pintura no solo para restringir o espaço de carros e expandir a área das calçadas, além de espaços lúdicos para crianças brincarem em pleno asfalto. “Isso torna o espaço urbano mais amigável para o pedestre. São intervenções que costumam receber apoio do público, são bem-avaliadas, as pessoas começam a pedir que se tornem permanentes. Usar o espaço público é agradável, usá-lo de maneira democrática estimula a sensação de conexão com o espaço. Tem esse valor importante de recuperar o espaço público para as pessoas, reduzindo o espaço para os carros. São melhorias em segurança pública e em mobilidade. Fortalece a comunidade. Temos oportunidade de fazer a cidade inteira se tornar um quadro, uma obra de arte, uma pintura para ser inventada e reinventada de maneira constante no sentido de trazer beleza e criar espaços públicos mais agradáveis”, avalia Alves.
Terreno fértil
Por suas diferentes tipologias, formas, estruturas e instalações, a arquitetura efêmera tem a capacidade de se direcionar para o futuro ao questionar regras, fazer uso da experimentação e testar novidades quanto a soluções, sistemas construtivos, ideias e tecnologias. É, assim, terreno fértil para a experimentação e a ousadia. A duração limitada das instalações favorece ainda mais a execução de projetos ousados, sem formalidades, permitindo que se vislumbre o que pode estar por vir nas áreas de arquitetura e planejamento urbano.
Partindo desses pressupostos, o escritório de arquitetura holandês MVRDV concebeu uma instalação arrojada e temporária na cidade de Roterdã, em 2016: uma escadaria de 180 degraus, 29 metros de altura e 57 metros de comprimento que conecta uma praça com a cobertura de um dos edifícios mais famosos do município, o Groot Handelsgebouw, de onde se tem vista para a estação central. Trata-se de um dos primeiros grandes edifícios construídos após Roterdã ser bombardeada na Segunda Guerra Mundial. Esse exemplo de arquitetura efêmera mostra para a população uma nova forma de ocupar a cidade, o que impulsionou novos projetos dessa modalidade em espaços públicos e subutilizados da região.
Idade Média efêmera
A arquiteta Clélia Maria Coutinho Teixeira Monasterio, em sua tese de mestrado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) intitulada “O processo de projeto da arquitetura efêmera vinculada a feiras comerciais”, explica que a arquitetura efêmera foi criada na Idade Média, “quando nômades mongóis liderados por Gengis Cã tinham como uma de suas principais estratégias de guerra a extrema mobilidade e utilizavam tendas portáteis feitas de peles de animais ou materiais tramados para abrigar-se”. Já durante o Império Romano, foi utilizada em celebrações públicas.
O primeiro espaço de arquitetura efêmera destinado a uma exposição foi o Palácio de Cristal, construído no século 19, em Londres, para receber a Exposição Universal e mostrar a exuberância do império britânico e a importância do aço e do ferro produzidos no país e sua utilização na construção civil. Após o desenvolvimento industrial vieram os avanços científicos e tecnológicos – e a arquitetura efêmera passou a ter destaque em exposições, espetáculos e eventos publicitários em todo o mundo.
Desde então, esse estilo não permanente tem mostrado que, por sua versatilidade e liberdade, veio para ficar. Para se tornar permanente e não efêmero.
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