Baixo custo, alto impacto: conheça o urbanismo tático

Com resposta rápida e barata a problemas complexos, urbanismo tático funciona como um teste drive para tomadas de decisões.

Por Redação em 26 de setembro de 2023 7 minutos de leitura

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Foto: Kiko Silva/Prefeitura Municipal de Fortaleza

O conceito de urbanismo tático está rapidamente ascendendo nas conversas sobre o desenvolvimento urbano, tanto globalmente, como no contexto brasileiro. A abordagem se destaca por sua capacidade de realizar intervenções temporárias e acessíveis, cujo objetivo é reconfigurar o espaço público de forma a torná-lo mais seguro, inclusivo e agradável para todos. 

O movimento surge em resposta a um cenário de desafios nas áreas urbanas, onde as administrações públicas se deparam com dificuldades significativas na prestação de serviços essenciais para uma população em constante crescimento. Trata-se de uma abordagem ágil e adaptável para atender às necessidades imediatas das cidades, pavimentando o caminho para um futuro urbano mais sustentável e inclusivo.

A estratégia do urbanismo tático

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Foto: Divulgação/Prefeitura de Belo Horizonte

O urbanismo tático representa uma abordagem diferente no campo do planejamento urbano, visando reconfigurar o ambiente de forma rápida por meio de intervenções temporárias, acessíveis e de baixo custo. O foco é a reinvenção dos espaços públicos das cidades, com o propósito de torná-los mais seguros, inclusivos, funcionais e agradáveis para seus habitantes.

Diferentemente do planejamento urbano convencional, que muitas vezes demanda processos demorados e de alto custo para efetuar mudanças permanentes, o urbanismo tático busca melhorar as cidades de maneira ágil e flexível. Isso permite às comunidades experimentar novas ideias e soluções antes de investir recursos substanciais em projetos de longo prazo. São exemplos: a criação de parklets (pequenos espaços de lazer em locais previamente designados para estacionamento de veículos), a implementação de ciclovias temporárias, a conversão de áreas subutilizadas em minipraças ou aplicação de pinturas nas vias para realçar faixas de pedestres e espaços de convívio.

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Um aspecto crucial dessa abordagem reside na sua natureza experimental. As intervenções são implementadas de maneira temporária, com o propósito de testar como as mudanças afetam o uso do espaço público e o comportamento dos cidadãos. Com base nos dados e feedback obtidos durante essas experiências, as autoridades urbanas podem tomar decisões embasadas para tornar (ou não) as intervenções permanentes ou ajustá-las.

Urbanismo tático ou placemaking

É comum que o urbanismo tático seja confundido com o conceito de placemaking, que também busca criar lugares atrativos e vibrantes por meio da colaboração da comunidade, promovendo a interação social e a sensação de pertencimento. Contudo, existem algumas distinções.

Enquanto o urbanismo tático se concentra em intervenções temporárias e de custo reduzido para testar ideias e transformar espaços urbanos, o placemaking é uma abordagem mais ampla e colaborativa, que visa a criação de espaços públicos permanentes baseados no envolvimento comunitário e em uma visão de longo prazo para o local. Ambas as abordagens almejam a melhoria da qualidade de vida nas cidades, porém, seus métodos e escopos são distintos.

Tipos de intervenções do urbanismo tático

Muitas das intervenções mais proeminentes no campo do urbanismo tático são respostas diretas aos problemas urbanos imediatos, como a priorização dos automóveis. Assim, calçadas, infraestrutura para pedestres e ciclovias são frequentemente alvo das intervenções, como:

  • Pintura de faixas e cruzamentos: criação de faixas de pedestres e zonas de travessia coloridas para aumentar a visibilidade e a segurança.
  • Instalação de mobiliário urbano: adição de bancos, mesas, cadeiras e outros elementos de mobiliário urbano temporários para criar áreas de descanso e encontros, uma contraposição à arquitetura hostil.
  • Criação de espaços de lazer: transformação de espaços de estacionamento em parques temporários, praças de alimentação, áreas de recreação etc.
  • Calçadas ampliadas: alargamento das calçadas para proporcionar mais espaço para pedestres, cafés ao ar livre e atividades culturais.
  • Feiras e mercados de rua: promoção de mercados de agricultores, feiras de artesanato e eventos culturais temporários para revitalizar áreas urbanas.
  • Faixas de bicicleta temporárias: criação de faixas de bicicleta usando cones ou barreiras para proteger os ciclistas.
  • Redução de velocidade: redução dos limites de velocidade nas ruas para melhorar a segurança dos pedestres e ciclistas.
  • Instalação de arte urbana: pinturas murais, instalações de arte e grafite para embelezar áreas urbanas e incentivar o engajamento da comunidade.
  • Programas de ruas abertas: fechamento de ruas ao tráfego de veículos para criar espaços para atividades comunitárias, como caminhadas, ciclismo e eventos culturais.
  • Sinalização temporária: adição de sinalização, como placas de trânsito, para direcionar o tráfego de forma diferente ou destacar áreas específicas em um determinado período de tempo.
  • Instalação de áreas verdes: criação de jardins, canteiros de flores e espaços verdes em áreas urbanas.
  • Intervenções em estacionamentos: transformação de espaços de estacionamento em áreas para refeições, mercados ou instalações esportivas temporárias.
  • Melhoria da iluminação: adição temporária de iluminação pública, como luzes de corda ou lâmpadas coloridas, para criar atmosferas agradáveis à noite.
  • Pavimentação temporária: aplicação de revestimentos de piso temporários, como tapetes ou pisos de madeira, para melhorar a estética das ruas e praças.

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Repensando espaços públicos

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Foto: Iggor Gomes/Prefeitura Da Cidade Do Recife (PCR)

Na evolução das cidades, é comum que áreas acabem subutilizadas, dando origem aos chamados “vazios urbanos”. Esses lugares geralmente estão abandonados, parados ou desorganizados, e não cumprem seu papel de promover encontros e interações sociais. Olhando sob outro aspecto, são oportunidades para ação nas cidades, pois podem ser temporariamente transformados para sediar atividades de lazer e cultura, aproveitando a infraestrutura já existente. Como bem observou o sociólogo urbano William H. Whyte em 1989, trata-se de uma “imensa reserva de espaços ainda não desbravados pela imaginação”.

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Essa perspectiva enfatiza a cidade como um laboratório em constante evolução, onde ideias podem ser experimentadas em tempo real, influenciando uma série de iniciativas urbanas. A mencionada “reserva de espaços”, abordada por Mike Lydon e Anthony Garcia no livro “Tactical Urbanism: Short-term Action for Long-term Change,” compreende uma variedade de locais, desde lotes vazios a espaços públicos subutilizados, passando por vias excessivamente largas, terrenos baldios e até mesmo vagas de estacionamento e passagens sob viadutos. Todos esses locais oferecem oportunidades para fomentar a criatividade urbana, dando origem a iniciativas que vão desde a gastronomia de rua até lojas temporárias, espaços de convívio e projetos de agricultura urbana, tornando as cidades mais dinâmicas e inspiradoras.

Soluções para priorizar a caminhabilidade

Foto: Cortesia/Prefeitura de Recife

O aumento significativo no uso de veículos particulares e a ênfase do planejamento urbano a rodovias resultaram em uma diminuição da prioridade dada aos pedestres nas cidades. Como consequência, os espaços públicos foram relegados, substituindo a cultura de caminhar e eliminando as experiências sensoriais da vida urbana.

O geógrafo David Harvey, em seu livro “Cidades Rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana,” destaca que, antes da proliferação dos automóveis, as ruas eram locais de convívio popular e entretenimento. No entanto, essa utilização foi comprometida e transformada em espaços dominados pelos veículos. O autor argumenta que o tráfego intenso tornou essas vias praticamente inutilizáveis tanto para motoristas quanto para pedestres.

De acordo com dados do Detran, a frota de veículos no Estado de São Paulo saltou de 11 milhões em 1997 para 29 milhões em 2017, um crescimento de 161%. Apenas na capital paulista, houve um aumento de 82% na frota de veículos nesse período.

Um exemplo das alternativas de baixo custo na promoção da “pedestrianização” das cidades pode ser observado em São Paulo, onde intervenções em vias do bairro Santana resultaram em impactos significativos no comportamento dos pedestres e motoristas, de acordo com dados compilados pelo Instituto de Políticas de Transporte & Desenvolvimento (ITDP Brasil).

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Após a implementação dessas intervenções, observou-se uma redução de 75% no número de pessoas atravessando fora das faixas de pedestres. Além disso, o respeito dos motoristas à preferência dos pedestres aumentou 40%. Esses resultados evidenciam que medidas de baixo custo podem ter alto impacto positivo.

Exemplos do urbanismo tático

Foto: Gustavo Roth/EPTC PMPA (CAU RS)

Em várias cidades do estado de São Paulo, o Rede Ruas Completas está promovendo intervenções de urbanismo tático. Em São José dos Campos, por exemplo, uma intervenção na Rua Saigiro Nakamura produziu resultados significativos: redução de 16% na velocidade média dos veículos. Além disso, o número de pessoas circulando na área aumentou em impressionantes 60%. Essas mudanças tornaram a rua mais segura e proporcionaram um espaço público de melhor qualidade para todos.

Também em São Paulo, o Elevado João Goulart, mais conhecido como Minhocão, é uma via elevada que corta a cidade, conectando a região da Barra Funda, na Zona Oeste, ao centro. Originalmente construído nos anos 1970 como uma solução viária para lidar com o tráfego intenso, ao longo do tempo se tornou motivo de debate e controvérsias devido aos impactos negativos que trouxe ao ambiente urbano e à qualidade de vida dos residentes locais.

No entanto, nos últimos anos, uma iniciativa de urbanismo tático o transformou em algo completamente novo. Nos domingos e feriados, a via é fechada para veículos motorizados e se torna um espaço dedicado exclusivamente aos pedestres e ciclistas, incluindo atividades recreativas. 

Em Porto Alegre, um projeto de revitalização da Rua João Alfredo, localizada no bairro Cidade Baixa, abrange uma área de 15 mil m² e uma extensão de 650 metros. O projeto inclui uma série de ações destinadas a melhorar a rua, promovendo a mobilidade ativa e atividades diurnas. Seu objetivo principal é beneficiar e envolver toda a comunidade local, incluindo moradores, comerciantes e visitantes. Além disso, as autoridades da capital gaúcha esperam organizar o tráfego, reduzir a velocidade nas ruas e ampliar as áreas para os pedestres.

Iniciado em 2017, foi dividido em duas fases: a de urbanismo tático e a de obras definitivas. A fase de urbanismo tático, já concluída, envolveu a redução das faixas de tráfego para veículos e a instalação de mobiliário urbano voltado para pedestres, fomentando as medidas definitivas. Um teste drive que deu certo.