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Bebeu água? A revolução da saúde digital nas cidades
Telemedicina, aplicativos, IA e até avatares médicos agilizam e democratizam serviços para melhorar qualidade de vida nas cidades.
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Redação em 14 de maio de 2024 7minutos de leitura
A rápida urbanização no Brasil e no mundo compromete o bem-estar da população em função de diversos fatores. Entre eles, um que se destaca é o acesso à saúde. No Brasil, embora o Sistema Único de Saúde (SUS) seja reconhecido internacionalmente, a alta demanda e a distribuição de acesso ainda são problemas.
Segundo a pesquisa “Saúde & Trabalho”, realizada pelo Instituto FSB em março de 2023 sob encomenda do Sesi, apenas 16% dos entrevistados que utilizaram serviços públicos consideraram a qualidade ótima e boa, e 46% a consideram ruim e péssima.
Mesmo os serviços particulares apresentam desafios, como a fila por certos procedimentos e atendimentos, e os preços – cada vez mais altos. Para se ter uma ideia, um relatório da XP Investimentos, divulgado em abril de 2024 e baseado em dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), revela que os planos de saúde coletivos terão reajuste de dois dígitos ainda este ano. Entre dezembro de 2023 e fevereiro de 2024 o aumento médio já foi de 15%. De acordo com a pesquisa, os reajustes se mantêm neste patamar pelo terceiro ano seguido.
É neste contexto que entra a tecnologia. Os avanços da telemedicina, aplicativos, programas de inteligência artificial (IA) e até avatares médicos podem ajudar a democratizar o acesso da população aos cuidados de saúde, agilizando processos e tratamentos tanto na área pública quanto na privada.
Mas os benefícios não se limitam aos serviços em si: eles também podem ser peças-chaves para nortear a gestão pública em tomadas de decisões mais assertivas. Por meio de dados e informações, é possível agregar mais eficiência e garantir melhora da qualidade de vida das pessoas… e das cidades.
Saúde 4.0
O setor de saúde tem investido em pesquisa e desenvolvimento tecnológicos, culminando na chamada Saúde 4.0, modelo que busca criar e integrar ferramentas de tecnologias da informação (TI) ao campo da saúde. Ferramentas avançadas de análise de dados, como business analytics, big data, data lakes e Inteligência Artificial são alguns dos recursos, que também servem para fomentar tomadas de decisões, políticas públicas e um melhor entendimento das especificidades da população.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), esta quarta revolução industrial do setor tem três objetivos: contribuir para a elaboração de políticas públicas de saúde; facilitar a atuação dos profissionais da área para garantir melhor atendimento aos pacientes; e aprimorar as condições de saúde e bem-estar da população, respeitando a equidade e a acessibilidade. Tudo isso em linha com o direito à Saúde instituído internacionalmente em 1966 pela Organização das Nações Unidas (ONU) por meio do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, onde estão consolidados os requisitos para o mais elevado nível de saúde física e mental.
Triagem ágil
É graças ao uso da tecnologia que saltos exponenciais são possíveis, como o que a cidade catarinense de Pomerode deu em relação ao número de atendimentos pela rede pública de saúde municipal: 138% em apenas um mês (março de 2024 em relação ao mês anterior). Com 34 mil habitantes, o município participou de projeto-piloto do Assistente Virtual com Inteligência Artificial da empresa TopMed, que oferece soluções em telessaúde para instituições particulares e públicas, conectando pacientes e profissionais via atendimento remoto, eliminando a necessidade de deslocamentos para consultas médicas simples.
Após o piloto em Pomerode, o serviço de IA será estendido para outros clientes. Ele é monitorado e supervisionado por médicos e permite que os usuários expressem os sintomas de forma simples, usando as próprias palavras, sem necessidade de termos médicos ou específicos, o que torna o processo de atendimento mais inclusivo e confortável para os pacientes.
A empresa, no mercado há 17 anos, tem entre seus clientes órgãos públicos (como as prefeituras de Aracaju/SE, Esteio/RS e Florianópolis/SC) e privados, como Localiza, Tigre e Bradesco Vida e Previdência. “Nossa tecnologia é capaz de realizar triagens precisas e encaminhar os pacientes para os canais de atendimento em saúde exclusivos. Já a integração da IA permite uma avaliação rápida e assertiva dos sintomas, garantindo que os pacientes sejam direcionados para o cuidado adequado de forma oportuna”, avalia a CEO Valda Stange. Os serviços são realizados em plataforma com tecnologia própria e incluem solicitação de exames e prescrições e soluções online em saúde emocional (terapia) e programas de apoio ao trabalhador, nutricional, de monitoramento (gerenciamento de pacientes crônicos e gestantes).
Em uma favela em Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, uma parceria entre o Grupo Fleury e a ONG Gerando Falcões instalou cabines de telemedicina para exames e consultas no formato “figital” (físico e digital). Em uma cabine instalada ao lado da comunidade, uma técnica de enfermagem ouve e anota as queixas clínicas do paciente, mede a pressão arterial e a temperatura, verifica o peso e repassa os dados para o médico. Este, de forma remota – pelo tablet e em tempo real – faz a ausculta cardíaca e pulmonar, avaliar garganta e ouvido e checa sons estomacais e gastrointestinais, além de verificar imagens de pele e temperatura corporal através do uso de um aparelho chamado TytoCare. Quando necessário, o médico providencia prescrições de medicamentos e de exames, com certificação digital, para serem validados na Unidade Básica de Saúde (UBS) da região. O projeto deve ser estendido para outros municípios e faz parte do programa Favela 3D, da Gerando Falcões, com objetivo de transformar as comunidades em ambientes mais tecnológicos e desenvolvidos.
Avatar médico
O avanço tecnológico, contudo, já chegou a outros patamares. A empresa com o sugestivo nome de Soul Machines (máquinas de alma, em português), com sede em Auckland, centro da indústria de efeitos visuais da Nova Zelândia, desenvolveu avatares e chatbots capazes de atender pessoas. O “médico virtual” criado com IA tem rosto humano, realiza consultas virtuais e reabilitações pós-operatórias e até reage às manifestações dos pacientes por meio de movimentos e sorrisos. E, claro, tem nome: Nova!
Fruto de dez anos de trabalho da Soul Machines em uma modelagem cognitiva que procura capturar funções como aprendizagem e resposta emocional, Nova reage por meio de um software originário usado em personagens de filmes gerados por computador. Parte do que ela diz vem de uma versão do ChatGPT, da empresa OpenAI, sistema alimentado por um grande modelo de linguagem.
Para a Soul Machines, avatares médicos contribuirão para preencher uma lacuna nos atendimentos dos sistemas de saúde, pois, de acordo com a empresa, médicos têm apresentado baixa disponibilidade para interação próxima com os usuários, estão cada vez mais distantes dos pacientes – e o atendimento pela Nova pode se mostrar mais receptivo e afetuoso do que o atendimento por um humano.
Corrobora com esse ponto de vista a pesquisa da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, que mostrou que o ChatGPT foi mais empático do que médicos humanos e respondeu dúvidas de pacientes com mais qualidade do que os profissionais, na opinião de profissionais de saúde. As pontuações dada às respostas do ChatGPT foram, em média, quatro vezes maiores do que as dadas para as respostas dos médicos.
Para realizar o estudo, a equipe usou um banco de dados com 452 mil usuários, que informaram dúvidas sobre questões médicas. Os pesquisadores escolheram aleatoriamente respostas de médicos e pediu que o ChatGPT respondesse à mesma pergunta. Depois, profissionais de saúde revisaram cada resposta, sem saber qual delas havia sido escrita por um médico e qual vinha da IA. Todos os avaliadores preferiram a resposta do ChatGPT. Enquanto a resposta do médico real recebeu uma pontuação média de 3,33 para qualidade e de 2,33 para empatia, a avaliação do chatbot teve médias de 4 e 4,67, respectivamente. As respostas de qualidade boa ou muito boa foram 3,6 vezes mais frequentes para o chatbot do que para os médicos e as respostas empáticas foram 9,8 vezes maiores para a inteligência artificial.
Saúde digital avança, mas está atrasada
Mesmo com empresas de saúde digital consolidadas no Brasil, a médica especialista em gestão e inovação na saúde Ana Vicenzi pondera que a saúde está atrasada sob o ponto de vista tecnológico em relação a setores como o bancário, o de mobilidade e o varejo. Em entrevista ao videocast do Habitability, Ana, que é superintendente da empresa de telemedicina Dr. On-line, afirmou que “a saúde está atrasada sob o ponto de vista tecnológico porque um dos grandes problemas são termos, nomes e questões para serem transacionados, trocados, em um sistema que não é unificado. Quando falamos em saúde, em nomes de doenças e variações desses nomes, muitos termos técnicos, em um sistema que não é unificado: como a gente troca isso em larga escala?”, questiona. Ela lembra que não há estudos para mostrar se a saúde digital economiza, se gera (e quanto gera) retorno de investimento. “Estamos muito iniciais em termos de sistema público e saúde suplementar (operadores de saúde)”.
Água com app
Não é só na medicina que serviços de saúde digital atuam. A tecnologia é aliada de quem busca alcançar equilíbrio e bem-estar na realização de tarefas essenciais como ter uma boa noite de sono e beber água, além de manter a calma em meio à rotina atribulada das grandes cidades. Há aplicativos de celular para meditação como o Endel, que, por meio de IA, cria sons e paisagens para relaxar o usuário. Para fazer ginástica, o app SmartGym estabelece uma rotina personalizada e segue evoluções do aluno usando IA. Já apps como o Minha Água contabilizam quantos copos do líquido a pessoa bebeu no dia, além de enviar lembretes e criar uma rotina de consumo de acordo com informações pessoais (peso, altura, idade).
Outro segmento de bem-estar que passou pelo processo de digitalização é o da saúde mental. Para consulta online na área, o temor era de que a tecnologia poderia desumanizar o atendimento. A psicóloga Gléria Lúcia Martins de Oliveira, que atende 100% dos pacientes nessa modalidade, salienta as vantagens, como o fato de o paciente não precisar sair de casa ou do trabalho, gerando economia de tempo e dinheiro. Outro ponto positivo é que profissional e paciente não precisam estar na mesma cidade. Gléria, por exemplo, tem pacientes nos Estados Unidos, no Canadá e na Espanha. “Isso nos dá um leque maior, podemos atender mais pessoas”. Como ponto negativo ela cita a instabilidade da Internet em muitos lugares, o que prejudica a troca com o paciente.
Por outro lado, ela ressalta que nem todos os profissionais podem lançar mão deste tipo de consulta, a depender da especialidade, pois muitos precisam examinar o paciente. “Mas a técnica em si não é prejudicada”, explica ela, que, antes da pandemia, tinha muita resistência ao modelo, mas, hoje, garante: “veio para ficar”.
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