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Biomimética: a natureza como inspiração para a arquitetura
A biomimética utiliza princípios da natureza como inspiração para criar soluções sustentáveis e eficientes para o cotidiano urbano.
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Redação em 28 de abril de 2023 7minutos de leitura
Painéis coletores de energia solar que imitam o método de captação de luz dos girassóis e lâmpadas de LED inspiradas na radiação da luz dos vagalumes são exemplos de invenções criadas a partir da biomimética, uma ciência baseada na natureza.
A ideia da biomimética é utilizar a genialidade da natureza como modelo para criar inovação em produtos, processos, sistemas e formas de gestão, buscando soluções eficazes e eficientes que sejam sustentáveis e regeneradoras.
Embora pouco conhecida no Brasil, a biomimética foi apontada em 2014 pela revista Forbes como uma das cinco principais tendências que vão orientar os negócios do futuro. Estudos como o da Universidade Nazarena de Point Loma, na Califórnia, estimam que o uso da biomimética pode representar um aumento significativo no PIB e na geração de empregos nos próximos anos.
A biomimética é uma área da ciência que se dedica ao estudo dos princípios criativos e estratégias presentes na natureza, com o objetivo de desenvolver soluções para os desafios atuais enfrentados pela humanidade, combinando funcionalidade, estética e sustentabilidade.
O seu princípio fundamental reside na utilização do meio ambiente e das estruturas biológicas como fonte de inspiração, sem se apropriar delas, diferenciando-se, assim, das práticas da biologia sintética, pois a aprendizagem com a natureza deve ser feita de forma consultiva e não invasiva, reforçando a importância da sustentabilidade. A biomimética tem sido aplicada em diversas áreas, como a química, a biologia, a medicina, a arquitetura, a agricultura e o transporte.
Na natureza, os organismos utilizam a energia que precisam para sobreviver, seja produzindo-a através da fotossíntese, seja obtendo-a através da caça ou em cooperação com outros organismos. Eles valorizam a diversidade, adaptam a forma à função, otimizam o uso de recursos em vez de minimizá-lo, e promovem a reciclagem de materiais, evitando o desperdício.
Embora tenha sido descoberta pelo biofísico Otto Schmitt, a biomimética ganhou popularidade graças ao trabalho da escritora de ciências naturais americana Janine Benyus.
Teias de aranha
Um dos exemplos mais populares de aplicação da biomimética é o uso das teias de aranha como fonte de inspiração para a criação de vidros que refletem a luz ultravioleta. A empresa na Alemanha Arnold Glass utilizou a análise da composição desse fenômeno da natureza para criar vidros “visíveis” para pássaros, de modo a evitar que eles colidam com a fachada de vidros de edifícios.
A linha de vidros Ornilux foi criado a partir da observação das teias de aranha, que possuem uma fibra que reflete luz ultravioleta (UV). Desse modo, elas tornam-se visível para os pássaros, mas, ao mesmo tempo, permanecem praticamente transparentes para os seres humanos. O Ornilux já está em uso em edifícios e casas em diversos países, especialmente na Alemanha e nos Estados Unidos.
Recifes de corais e robô medusa
Cientistas britânicos desenvolveram um robô inspirado na forma e nos movimentos de uma água-viva, que permite explorar recifes de corais ameaçados e restaurar suas partes danificadas. O robô, que imita “o nadador mais eficiente da natureza”, a água-viva Aurelia aurita, foi criado por equipes das Universidades de Southampton e Edimburgo, que exploraram os aspectos de organismos como lulas, medusas e polvos para uma nova ferramenta na exploração subaquática.
Constituído por uma cabeça de borracha e oito tentáculos, o robô medusa foi criado por uma impressora 3D e usa pequenos jatos de água para se propelir, com base em um sistema de ressonância. Mais um exemplo de tecnologia desenvolvida com base nos princípios da biomimética.
Soluções inovadoras para materiais do dia a dia
A metodologia da biomimética se baseia na observação cuidadosa dos sistemas naturais, com o objetivo de identificar padrões, estruturas e processos que possam ser imitados ou adaptados para criar soluções inovadoras e sustentáveis, utilizadas, inclusive, na criação de materiais cotidianos, como os destacados a seguir:
1. Tecnologias inovadores na criação de cimento
O cimento é um produto fundamental na construção civil, sendo utilizado para a fabricação de concreto e argamassa. A criação de um material inspirado nos esqueletos dos corais é um exemplo de como a biomimética pode ser aplicada na busca por soluções mais sustentáveis e eficientes.
Utilizando como base a estrutura esquelética dos corais, cientistas da Universidade de Stanford desenvolveram um material capaz de capturar gás carbônico da atmosfera e dissolvê-lo na água do mar. Posteriormente, essa substância é transformada em carbonato de cálcio, o principal componente do cimento, conferindo-lhe as propriedades necessárias para proporcionar segurança e estabilidade às construções de engenharia civil.
2. Telas de LED e consumo de energia
A aplicação dos princípios da biomimética tem sido uma fonte valiosa de inspiração para o desenvolvimento de tecnologias avançadas. Um exemplo notável dessa abordagem é a otimização das telas de LED, que foi alcançada através do estudo da estrutura dos olhos dos mosquitos. Por meio da incorporação de uma camada antirreflexiva na frente da tela foi possível obter um modelo mais econômico e eficiente em termos de consumo de energia.
Essa inovação proporciona uma redução significativa na perda de luz, tornando-se uma solução altamente eficaz e viável no mercado. Além disso, a reflexão da luz é realizada de forma mais econômica, elevando ainda mais a sua vantagem competitiva.
3. Velcro mais eficiente
Esse sistema de fechamento é uma solução eficaz para garantir a estabilidade de superfícies que precisam ser facilmente abertas. Mochilas e calçados infantis são apenas alguns exemplos de itens que se beneficiam do uso do velcro.
O engenheiro George de Mestral foi inspirado pelos caprichos e decidiu buscar na natureza uma solução para o seu problema de fechamento. Ele analisou como plantas conseguem se prender ao pelo dos animais ou às roupas dos seres humanos. Ao examinar mais detalhadamente, Mestral observou que a superfície dos carrapichos apresentava pequenos ganchos. Com base nessa observação, ele conseguiu reproduzi-los através da biomimética, utilizando tecido.
O combate às mudanças climáticas
Uma tendência importante de sustentabilidade que se relaciona com a biomimética é a luta contra as mudanças climáticas. A natureza em si oferece orientações valiosas para combater o aquecimento global. A startup brasileira Nucleário, acelerada pelo Braskem Labs, reconheceu essa oportunidade preciosa e desenvolveu um dispositivo para plantio em larga escala inspirado no design das bromélias, que acumulam água entre suas folhas, e na serrapilheira, que é uma camada de folhas e galhos secos que se forma no solo sob as árvores e mantém os nutrientes e a umidade do solo.
O projeto foi tão bem-sucedido que a Nucleário recebeu o prêmio Ray of Hope em 2018, concedido pelo Biomimicry Institute, que reconhece soluções inovadoras para mitigar as mudanças climáticas.
Arquitetura biomimética
Projetos de arquitetura biomimética também têm potencial para contribuir para o enfrentamento das mudanças climáticas, principalmente aqueles que visam reduzir o consumo de energia. Esses projetos são desenvolvidos com base na análise de estruturas naturais.
A multinacional ARUP, por exemplo, construiu o Eastgate Centre em Harare, no Zimbábue, com um sistema de ventilação inspirado em cupinzeiros, que utiliza até 10% menos energia, evitando o uso de ar-condicionado.
Já a Torre Gherkin, em Londres, foi construída imitando o sistema respiratório de esponjas marinhas e anêmonas-do-mar, e conta com um sistema de ventilação inteligente que fornece ar para toda a torre de maneira eficiente, economizando até 50% de energia em comparação com torres de escritórios de dimensões similares.
Enquanto a Casa BIQ, em Hamburgo, incorpora algas microscópicas em sua fachada, que controlam a luz e realizam a fotossíntese, produzindo biogás que fornece energia ao prédio e reduz o consumo de eletricidade em 50%.
No Brasil, o Votu Hotel, construído pela GCP Arquitetura e Urbanismo, localizado no sul da Bahia, apresenta auto-sombreamento inspirado na capacidade de alguns tipos de cactos e ventilação natural inspirada em tocas feitas pelo cão-da-pradaria, além de um sistema de troca de calor na cozinha, semelhante ao resfriamento feito pelo bico dos tucanos, evitando gasto de energia com climatizadores.
Novas tecnologias que transformam as cidades
A biomimética pode ajudar a minimizar até a poluição sonora, como foi evidenciado no Japão. A fim de reduzir o ruído ensurdecedor do trêm-bala, engenheiros se inspiraram no voo do martim-pescador, que mergulha em alta velocidade para capturar comida, quase sem gerar barulho ou espirrar água. O formato do bico do pássaro permite perfurar a resistência do ar, o que serviu como base para o desenvolvimento de soluções tecnológicas.
Outro exemplo notável é o da empresa europeia Sto, que se inspirou nas asas da borboleta-seda-azul Morpho para criar uma tinta autolimpante. A camada protetora desenvolvida pela companhia impede que a água e a sujeira grudem na superfície, evitando o desenvolvimento de fungos e algas. O inseto apresenta uma combinação da superfície das suas asas com propriedades das moléculas de água que impede a aderência de sujeiras, o que foi replicado na tecnologia da tinta autolimpante.
A técnica pode até mesmo ajudar na crise global de abastecimento de água. O besouro da Namíbia, por exemplo, possui uma casca dura com sulcos capazes de capturar e condensar a umidade do ar, transformando-a em água potável, que flui até a boca do animal. Essa técnica pode ser aplicada em regiões áridas, como já vem sendo estudado pela Universidade Nacional de Tecnologia de Seul, na Coréia do Sul, que, inclusive, já desenvolveu uma garrafa a partir desse processo.
Através da valorização do design multifuncional e do uso de materiais que possam ser integrados em ciclos produtivos da natureza, a biomimética reforça a otimização de recursos, em sintonia com os princípios da economia circular. Ao contrário de um modelo econômico linear, que se baseia na extração, transformação e descarte, o modelo circular desassocia o crescimento econômico do consumo de recursos finitos. Desse modo, transforma o que seria resíduo em recurso para promover a continuidade do ciclo e trazer benefícios para todo o contexto, seja ele econômico, natural ou social.
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