Bulbo úmido: o fenômeno que pode deixar o Brasil inabitável
Com as mudanças climáticas extremas, Brasil enfrenta a ameaça do bulbo úmido, uma condição que pode dificultar a vida humana.
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Redação em 19 de agosto de 2024 7minutos de leitura
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
O fenômeno do “bulbo úmido” é uma expressão que, há até pouco tempo, soava técnica demais para o vocabulário cotidiano. No entanto, em um mundo cada vez mais quente, essa condição meteorológica está se tornando mais conhecida. Trata-se de uma ameaça silenciosa, potencialmente letal, e que pode desafiar a sobrevivência de pessoas no Brasil. O bulbo úmido, que combina temperatura e umidade extrema, define o limite do que o corpo humano é capaz de suportar. Com as mudanças climáticas intensificando ondas de calor e ampliando zonas de vulnerabilidade, a compreensão desse fenômeno deixa de ser um detalhe científico e se torna uma questão urgente de saúde pública.
A aceleração dessas mudanças climáticas pode transformar o Brasil de maneira irreversível nas próximas décadas. Como mostrou um estudo recente da NASA, até 2070, o País pode se tornar inabitável devido ao aumento extremo das temperaturas e à intensificação de eventos climáticos severos. A pesquisa, que combina dados da World Meteorological Organization (WMO), aponta para um futuro em que áreas do Nordeste, Norte e do Sudeste poderiam enfrentar condições tão adversas que a vida humana seria insustentável.
O que é bulbo úmido?
Com o aumento das ondas de calor ao redor do mundo, meteorologistas e cientistas do clima estão constantemente em busca de métodos mais precisos para medir a temperatura e avaliar os riscos que o calor extremo representa para a vida humana. Nesse contexto, a temperatura de bulbo úmido tem se destacado como uma ferramenta essencial para compreender e projetar os perigos das mudanças climáticas.
Segundo a NASA, a temperatura de bulbo úmido é a temperatura mais baixa que um objeto pode alcançar quando a umidade evapora completamente. Para calcular a temperatura de bulbo úmido, considera-se tanto a temperatura ambiente quanto a umidade relativa do ar. Em condições de alta umidade, a evaporação da água é menos eficaz, resultando em uma temperatura de bulbo úmido mais alta. Quando essa temperatura atinge ou ultrapassa 35°C, o corpo humano não consegue se resfriar adequadamente através da transpiração, o que pode levar a hipertermia e até mesmo ser fatal.
Esse fenômeno se torna especialmente perigoso em regiões tropicais e subtropicais, onde a umidade é naturalmente alta. Com o aquecimento global, a frequência e a intensidade das ondas de calor extremo estão aumentando, colocando mais pessoas em risco de enfrentar condições de bulbo úmido perigosas.
A utilização da temperatura de bulbo úmido como indicador é crucial para os cientistas projetarem cenários futuros e desenvolverem estratégias de mitigação e adaptação. Ela permite uma avaliação mais precisa dos impactos potenciais das mudanças climáticas na saúde humana, orientando políticas públicas e ações de emergência para proteger populações vulneráveis.
Impactos do bulbo úmido na saúde humana
Em essência, a temperatura de bulbo úmido indica o quão frio um objeto pode ficar quando a umidade evapora dele. O índice de bulbo úmido, portanto, mede a capacidade do corpo de se resfriar em situações de calor e umidade. Por exemplo, depois de sair de um banho quente e com vapor, a pessoa se sente mais fresca se o ar ao redor estiver mais frio e seco.
De maneira geral, enquanto a temperatura de bulbo úmido estiver bem abaixo da temperatura da pele, o corpo consegue liberar calor para o ambiente através do suor. O ideal é que esse índice esteja entre 5°C e 10°C abaixo da temperatura corporal. Porém, à medida que a temperatura de bulbo úmido se aproxima da temperatura do corpo, a capacidade de resfriamento diminui. Isso acontece porque, quanto mais quente estiver, mais o corpo precisa suar para se refrescar. No entanto, em um ambiente já úmido, a capacidade do ar de absorver mais umidade é limitada, tornando a evaporação do suor mais lenta.
Por isso, seres humanos não conseguem sobreviver a uma temperatura de bulbo úmido de 35°C. Antes mesmo de chegar a esse nível, o corpo começa a desidratar, e o sangue é direcionado para a pele na tentativa de liberar calor, mas sem sucesso. Essa redistribuição de sangue compromete a circulação nos órgãos internos, colocando-os sob grande estresse, especialmente o coração. Como consequência, regiões do planeta, incluindo o Brasil, que atingirem temperaturas de bulbo úmido tão altas, se tornarão inabitáveis para os seres humanos.
Por que o Brasil pode ficar inabitável?
Segundo a WMO, um bilhão de pessoas poderão enfrentar estresse térmico extremo se a temperatura média global subir 2°C em relação aos níveis pré-industriais. No entanto, a projeção considerou que algumas regiões específicas, identificadas pelo estudo, podem enfrentar um aumento de até 4°C acima da média pré-industrial. Nesses locais, os especialistas já alertaram que o índice de bulbo úmido pode atingir níveis letais, nos quais a sobrevivência seria impossível.
O estudo da NASA com a WMO indica que uma vasta porção do Brasil está sob ameaça, com destaque para as regiões Norte, Centro-Oeste e parte do Nordeste, que surgem como os principais epicentros do aumento das temperaturas no País.
Os grupos mais vulneráveis a altas temperaturas de bulbo úmido incluem idosos, trabalhadores que exercem atividades ao ar livre e indivíduos com condições de saúde preexistentes. Aqueles sem acesso a ar-condicionado também enfrentam graves riscos, já que esse equipamento é eficaz em retirar a umidade do ar e se torna essencial quando o índice de bulbo úmido atinge níveis perigosamente elevados.
Principais motivos para a possível inabitabilidade no País
A combinação de temperaturas crescentes, níveis elevados de umidade e a intensificação de eventos climáticos extremos colocam milhões de pessoas em risco. Mas quais são os principais fatores que podem tornar o Brasil inabitável?
1. Mudanças climáticas e o aumento das temperaturas
O aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas prolongadas e chuvas torrenciais, eleva o risco de inabitabilidade. Esses eventos ameaçam diretamente a vida das pessoas, impactando a agricultura, o abastecimento de água e a segurança alimentar, criando um ciclo vicioso de vulnerabilidade e insegurança.
2. Urbanização desenfreada e redução de áreas verdes
Com a expansão desordenada de edifícios, pavimentação de ruas e a diminuição de parques e vegetação, as superfícies urbanas absorvem mais calor durante o dia e o liberam à noite, elevando as temperaturas nas zonas urbanas em comparação com as áreas rurais circundantes, intensificando o fenômeno conhecido como efeito ilha de calor. Esse aumento de calor não só agrava o desconforto térmico da população, mas também amplifica os custos com energia, devido ao maior uso de sistemas de refrigeração, e prejudica a qualidade do ar, exacerbando problemas de saúde, como doenças respiratórias.
O desmatamento desenfreado e a degradação ambiental exacerbam o risco de inabitabilidade no Brasil. A destruição da Amazônia e de outras áreas de vegetação nativa não apenas contribui para o aumento das emissões de gases de efeito estufa, mas também altera os padrões de chuvas e reduz a capacidade dessas regiões de regular o clima local. Como resultado, há uma intensificação dos períodos de seca e das ondas de calor, agravando ainda mais as condições climáticas extremas.
4. Mudanças nos padrões de precipitação
Regiões áridas, que já sofrem com a escassez de água, podem enfrentar uma intensificação ainda maior de secas, enquanto outras áreas enfrentarão chuvas torrenciais cada vez mais frequentes, levando a inundações e à erosão acelerada do solo. No Nordeste brasileiro, esses desafios já são uma realidade. A região, historicamente marcada pela luta contra a seca, deve se preparar para um cenário de agravamento, onde a escassez hídrica pode se tornar ainda mais severa.
Bulbo úmido além do Brasil
De acordo com o estudo da NASA, os modelos climáticos indicam que algumas áreas estão em maior risco de alcançar temperaturas extremas nos próximos 30 a 50 anos. Entre as regiões mais vulneráveis estão o sul da Ásia, o Golfo Pérsico e o Mar Vermelho, que poderão enfrentar esse cenário por volta de 2050. Já o leste da China, partes do sudeste da Ásia e o Brasil poderão atingir essas condições até 2070.
Os Estados Unidos também não estão imunes a esse cenário. Nos próximos 50 anos, estados do Centro-Oeste, como Arkansas, Missouri e Iowa, poderão enfrentar temperaturas de bulbo úmido que se aproximam ou ultrapassam o limite crítico de 35 graus Celsius.
Aprendendo a se adaptar
Diante desse cenário que parece inevitável, a adaptação ao calor extremo se torna uma prioridade para governos, comunidades e empresas. Um exemplo dessa adaptação é a França, que se destacou na implementação de estratégias eficazes após a devastadora onda de calor de 2003, que resultou em quase quinze mil mortes.
O país lançou o Plano Nacional de Ondas de Calor, um conjunto de medidas que conseguiu reduzir em 90% o número de mortes relacionadas ao calor extremo. Esse sucesso se deve em grande parte a sistemas robustos de alerta precoce que informam a população com antecedência sobre a chegada de ondas de calor. O governo francês utiliza uma variedade de canais de comunicação, como cartazes, folhetos, campanhas de rádio e TV, além de anúncios na internet, para disseminar informações sobre como se proteger durante esses períodos.
Um outro exemplo dessa abordagem é o Plano de Ação de Calor implementado pela cidade de Ahmedabad, na Índia, em 2013. Este plano se tornou um modelo para o resto do país, destacando-se pela implementação de sistemas detalhados de alerta precoce, campanhas de conscientização pública sobre os riscos do calor extremo e treinamentos para profissionais de saúde, capacitando-os a lidar com o aumento de doenças relacionadas ao calor.
Inspiradas por essa iniciativa, outras cidades ao redor do mundo também adotaram medidas semelhantes. Em Miami, Jane Gilbert foi nomeada a primeira chefe de calor do mundo, uma função dedicada exclusivamente à coordenação de estratégias para mitigar os efeitos do calor extremo. Com ações como essas, as cidades podem não apenas reduzir o impacto das ilhas de calor urbanas, mas também proteger a saúde e o bem-estar de suas populações.
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