Ilhas de calor: o desafio urbano que exige soluções sustentáveis

As ilhas de calor afetam a qualidade de vida e a segurança das pessoas, lembrando a urgência de se conter o aquecimento global.

Por Redação em 9 de agosto de 2023 7 minutos de leitura

ilhas de calor

O fenômeno das ilhas de calor nas áreas urbanas é uma realidade há tempos observada e amplamente documentada em cidades ao redor do mundo. Recentemente, no mês de junho, cidades na Europa foram palco de temperaturas acima de 45ºC, ressaltando o impacto desse efeito termal na vida urbana. Essas ilhas de calor são caracterizadas pelo ar e pelas temperaturas superficiais significativamente mais quentes em comparação às áreas rurais circundantes. 

A formação desse fenômeno está intrinsecamente ligada à composição das áreas urbanas, onde muitos materiais de construção comuns têm uma maior capacidade de absorver e reter o calor solar em comparação aos materiais naturais encontrados em regiões menos urbanizadas.

As ilhas de calor não apenas perturbam o equilíbrio climático das metrópoles, mas também têm consequências diretas na qualidade de vida da população, podendo levar a graves problemas de saúde. O aumento das temperaturas resulta em uma redução significativa da umidade do ar, criando um ambiente desconfortável e propício a uma série de riscos à saúde. Cãibras, síncope e exaustão devido ao calor são apenas alguns exemplos dos males associados a esse efeito indesejado. Em casos extremos, o calor excessivo pode levar até mesmo à morte, como foi evidenciado pelos alarmantes registros de 61 mil pessoas que perderam suas vidas devido ao calor na Europa no ano de 2022.

Fatores que influenciam as ilhas de calor

As cidades enfrentam um desafio constante quando se trata de altas temperaturas e da formação das temidas ilhas de calor. Uma série de fatores desempenham um papel crucial nesse fenômeno, afetando diretamente a temperatura das áreas urbanas. O primeiro e principal desses fatores é a concentração de elementos compostos por materiais que absorvem calor e têm baixa capacidade de reflexão, contribuindo para o aquecimento do ar em suas proximidades. Estamos falando do asfalto nas ruas, do concreto das calçadas e edifícios, dos tijolos e outros elementos com características térmicas semelhantes.

ilhas de calor

Outra causa relevante é a emissão intensa de gases poluentes, provenientes principalmente do tráfego veicular e da atividade industrial. Esses gases atuam como agentes de retenção de calor, criando uma camada próxima à superfície que eleva ainda mais a temperatura dessas áreas urbanas. 

O adensamento urbano característico dos centros das cidades também interfere na formação das ilhas de calor. A densa concentração de edifícios interrompe o fluxo natural dos ventos, que, em condições ideais, poderiam trazer alívio térmico. Além disso, a disposição das construções bloqueia a saída do ar quente emitido pelas superfícies, fazendo com que fique concentrado nas camadas inferiores da atmosfera urbana. Esse aspecto urbano pode gerar diferenças significativas de temperatura dentro da própria cidade, com o centro se tornando uma área mais quente em comparação aos bairros vizinhos.

Leia também: Mudanças climáticas: ondas de calor são desafio para gestão das cidades

Além disso, a falta de vegetação nas áreas urbanizadas, aliada à redução gradual de corpos d’água, seja por canalização ou supressão, contribui para o agravamento do fenômeno. Isso porque, a vegetação é importante na regulação térmica, ajudando a resfriar o ambiente através da evapotranspiração, enquanto a presença de corpos d’água atua como um mecanismo natural de amenização das temperaturas.

Efeitos das ilhas de calor nas cidades

Manaus e Belém, polos de desenvolvimento na Amazônia brasileira, estão enfrentando mudanças climáticas típicas das grandes cidades, apesar de estarem situadas em meio à imensa floresta tropical. De acordo com dados da Revista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre 1961 e 2010, a temperatura média em Manaus aumentou 0,7°C, atingindo 26,5°C, enquanto em Belém houve um aumento de 1,51°C, alcançando 26,3°C. Esses aumentos estão principalmente relacionados ao crescimento das áreas urbanizadas das cidades, um processo que se intensificou nas últimas décadas. No entanto, é importante ressaltar que fatores mais amplos, relacionados às mudanças climáticas em escala global, também podem ter influenciado esses índices.

ilhas de calor
Manaus – AM

Entre 1973 e 2008, as áreas urbanas de Manaus e da Região Metropolitana de Belém cresceram consideravelmente, passando de 91 e 76 quilômetros quadrados para 242 e 270 quilômetros quadrados, respectivamente. Esse avanço da urbanização resultou em mais prédios, concreto e asfalto ocupando o lugar da vegetação nativa. Como consequência, surgiu o conhecido “efeito ilha urbana de calor”, fenômeno há muito tempo observado em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Nas áreas mais densamente povoadas e ocupadas por construções nessas duas capitais da região Norte, a temperatura é consistentemente mais alta do que nas zonas rurais próximas, onde a floresta ainda está preservada.

A diferença de temperatura entre as áreas urbanizadas da metrópole amazônica e uma área de floresta localizada cerca de 30 quilômetros distante, a Reserva Biológica do Cuieiras, chega a ultrapassar 3°C em 5 dos 12 meses do ano. Esse contraste térmico evidencia os impactos da urbanização nas temperaturas locais e a importância de se compreender e enfrentar as ilhas de calor nas cidades da região amazônica.

Impactos no meio ambiente e na vida urbana 

Um dos impactos mais imediatos é o maior consumo de energia. Nas cidades, especialmente durante as noites de verão, as temperaturas mais altas resultam em uma demanda crescente por aparelhos de ar-condicionado. Esse aumento no consumo de energia elétrica não apenas sobrecarrega o sistema elétrico, mas também eleva os preços da eletricidade, afetando o bolso dos consumidores.

ilhas de calor

Além disso, as altas temperaturas associadas às ilhas de calor têm consequências diretas na saúde das pessoas. O mal-estar generalizado, problemas respiratórios, insolação, desidratação, cansaço excessivo e, em casos mais extremos, até mesmo a mortalidade por choques de calor são alguns dos impactos na saúde enfrentados pelos habitantes das cidades afetadas.

As ilhas de calor também agravam a poluição atmosférica. O aumento do consumo de combustíveis fósseis nas áreas urbanas, impulsionado pelo esforço de resfriamento e climatização, resulta em maiores emissões de CO2 e outros poluentes, como dióxido de enxofre (SO2) e óxidos de nitrogênio (NOx). Esses elementos são responsáveis pelo efeito estufa e contribuem para a deterioração da qualidade do ar, afetando a saúde das pessoas e o meio ambiente como um todo.

Além dos impactos diretos, as ilhas de calor urbanas também têm um impacto significativo na economia. Um estudo recente publicado pela editora científica IOP Publishing aponta que os efeitos associados ao aquecimento causado pelas ilhas de calor urbana poderiam dobrar as perdas econômicas previstas devido às mudanças climáticas. Um dos principais impactos econômicos é o aumento generalizado dos preços, especialmente no setor de alimentos frescos. Eventos climáticos extremos, como enchentes, geadas e estiagens, prejudicam as colheitas e afetam a produção de matérias-primas, tornando todo o processo produtivo mais caro. 

Leia também: Catástrofes naturais têm custo de US$ 313 bi ao mundo em 2022

Estrutura sustentável é um meio de mitigação

Fukuoka, no Japão

Reduzir ou controlar as ilhas de calor traz uma série de benefícios para a qualidade de vida da população. Além de diminuir a temperatura, melhora-se a qualidade do ar, impactando positivamente a saúde dos moradores. Além disso, há economia de energia e redução de enchentes. 

De acordo com a proprietária da PositivEnergy, empresa de consultoria especializada em mitigação de ilhas de calor e autora do livro “Ilhas de Calor: Como Mitigar Zonas de Calor em áreas Urbanas”, Lisa Gartland, o aumento do plantio de árvores nas áreas urbanas, especialmente nos grandes centros, é uma opção que contribui para a redução e evaporação do calor local. Outra alternativa é o uso de coberturas verdes, como telhados verdes, que absorvem água e retardam o escoamento. 

Leia também: Do grey a green: São Paulo ganha projeto para melhorias de áreas verdes.

Além disso, a autora salienta que medidas para diminuir a poluição, como o controle das emissões de gases poluentes das indústrias e dos automóveis, além do combate ao desmatamento, seguindo as diretrizes dos ODS estabelecidos pela ONU, também são fundamentais. 

Há outras alternativas que podem ajudar a amenizar o fenômeno das ilhas de calor. Uma delas é o aumento da quantidade de áreas gramadas, ou até mesmo a utilização de pavimentos de concreto permeável, também conhecido como pavimento verde. 

Essa tecnologia, ainda pouco explorada no Brasil, possui menor impacto ambiental e permite a infiltração de água no solo. O pavimento permeável pode ser aplicado em calçadas, parques, praças e ruas de tráfego leve, proporcionando uma superfície versátil. Essas soluções adicionais são importantes para mitigar o efeito das ilhas de calor e devem ser consideradas como parte de um conjunto de medidas para enfrentar esse desafio.

Cidades que adotaram estratégias eficientes

Medellín, a segunda maior cidade da Colômbia, tem se destacado no aspecto de adoção de soluções naturais para mitigar as ilhas de calor ao transformar 18 ruas e 12 hidrovias em corredores verdes. Essa iniciativa reduziu o acúmulo de calor na infraestrutura urbana e foi reconhecida com o Prêmio Ashden de Resfriamento Baseado na Natureza.

Medellín, na Colômbia

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o uso de parques urbanos pode reduzir a temperatura em cerca de 1°C durante o dia, enquanto os telhados verdes têm o potencial de diminuir em até 66% a demanda por resfriamento artificial nos edifícios. Por isso, cidades como Milão, na Itália, estão planejando plantar 3 milhões de árvores para combater o efeito das ilhas de calor e melhorar a qualidade do ar.

Leia também: Plantar mais árvores pode prevenir mortes por excesso de calor, diz estudo

Nos Estados Unidos, uma iniciativa liderada pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA), monitorou as ilhas de calor na cidade região de Silver Spring, em Washington. Cidadãos participaram do estudo, coletando dados por meio de sensores de calor instalados em seus veículos. Esses participantes percorreram diferentes rotas, procurando identificar as áreas com maior incidência de altas temperaturas. 

Os dados coletados foram essenciais para mapear as regiões afetadas pelas ilhas de calor. Com base nessas informações, a cidade pretende implementar ações planejadas para controlar a temperatura, como a criação de áreas verdes, a construção de parques e a mudança na cor dos telhados para cores mais claras.

São José dos Campos – SP

Já no Brasil, a cidade de São José dos Campos deu um passo significativo em direção à sustentabilidade. Em 2022, foi publicado um novo Código de Edificações que exige a adoção de insumos, equipamentos e sistemas sustentáveis em 100% das obras edilícias. Esse código estabeleceu um amplo conjunto de opções, com mais de 80 estratégias sustentáveis disponíveis para profissionais, construtores e proprietários de obras na cidade, promovendo uma abordagem consciente e responsável em relação ao meio ambiente.

Essas iniciativas tanto em Medellín, como nos Estados Unidos e no Brasil, demonstram o compromisso crescente de várias cidades ao redor do mundo em enfrentar os desafios das ilhas de calor e do aquecimento, buscando soluções sustentáveis e baseadas na natureza para garantir um ambiente urbano mais saudável e confortável para todos.