Casas que resistiram a incêndios: sorte ou resiliência?

Material, usuário e estrutura são fatores determinantes para residências sobreviverem, ou não, a chamas como as que atingiram LA em janeiro de 2025

Por Ana Cecília Panizza em 3 de setembro de 2025 6 minutos de leitura

Casas que resistiram a incêndios
Foto: Ringo Chiu/ Shutterstock

Existe casa à prova de fogo? A pergunta foi levantada quando uma foto correu o mundo, em janeiro de 2025: a de uma casa chamuscada, isolada. Uma sobrevivente! Ao redor, cinzas. De um lado, o que sobrou de um carro tomado pelo fogo. De outro, um trator operando sobre escombros. Como essa edificação conseguiu ficar em pé?

A cena inusitada foi registrada na cidade americana de Los Angeles, no bairro de Pacific Palisades, devastado por graves incêndios no começo do ano. Curiosamente, a foto foi feita por quem deu vida à casa, o arquiteto Greg Chasen, que compartilhou a imagem em post na rede social X com a legenda: “Sem palavras, na verdade — apenas um show de horrores. Algumas das escolhas de design que fizemos aqui ajudaram. Mas também tivemos muita sorte”. 

Segredos da arquitetura anti-incêndio 

A área total tomada pelo fogo em LA abrange cerca de 156 km², segundo o Departamento Florestal e de Incêndios da Califórnia. Para se ter uma ideia, trata-se de uma área maior que a de Paris. Trinta pessoas morreram no incêndio e mais de 12 mil edificações foram destruídas.

A casa de Chase, no entanto, resistiu, graças às escolhas feitas já no projeto, que criaram uma proteção anti-incêndio, como explicou o arquiteto à agência Bloomberg. Um dos segredos arquitetônicos está no quintal, sem vegetação e cercado por muros baixos de concreto.

Outros fatores que contribuíram para a resiliência da edificação são telhado à base de metal, resistente ao fogo; ausência de beiradas ou saliências externas na casa (que facilitam a formação de redemoinhos ou acúmulo de brasas sopradas por ventos fortes); e sótão sem ventilação, impedindo que faíscas entrem pelo telhado. O próprio design da casa projetada por Chase é um elemento que fez diferença: o telhado reto, sem janelas verticais que se projetam para fora, diminui a vulnerabilidade da estrutura a incêndios.

Embora tivesse madeira, diferentes tipos foram usados, visando maior resistência. A da parede, por exemplo, consegue enfrentar o fogo por até uma hora. Já a madeira aplicada no deck é tão resistente à queima quanto o concreto ou o aço, enquanto a madeira usada na frente da casa é termicamente tratada. O vidro temperado também ajudou a proteger o interior do local.

Material, fator de peso

Para a arquiteta e urbanista Luana Oliveira, o material é apenas um dos três principais fatores que contribuem para que edificações resistam a incêndios. “Os materiais são um fator de muito peso, se não de maior peso”, afirma ela, que integra o Grupo de Pesquisa em Ciência do Fogo da Universidade Federal de Minas Gerais (IGNIS-UFMG), com foco em estratégias de prevenção de incêndios em sítios históricos. 

Luana Oliveira (Foto: Acervo pessoal)

De acordo com a arquiteta, nos EUA, por conta de invernos rigorosos, a alvenaria (com tijolo e cimento) não é muito adotada, ao contrário do que ocorre no Brasil. Os Estados Unidos são mais fãs dos processos pré-fabricados, principalmente feitos de materiais como drywall e tipos de madeira sem proteção contra incêndios, comenta Luana. “Eles não estão inadequados, porque é uma questão climática: alvenaria esfria demais. Então, para eles, é uma questão de praticidade e de conforto ambiental”.

No entanto, há diferentes tipos de de drywall e madeira (como a da classe C1) que são mais resistentes a incêndios. “Tem drywall e madeira resistente a umidade, a fogo. São várias classes. Se você quer fazer uma construção que seja mais resistente ao fogo, o ideal é que seja com esses materiais. Na própria classificação tem informação sobre essa resistência, mas o custo de adoção é mais alto”. Além disso, é comum que estruturas de residências americanas sejam preenchidas com materiais como isopor e lã de vidro, que dão maior conforto térmico (por reter mais calor); mas, muitas vezes, esse próprio preenchimento é altamente combustível, pontua Luana. “No Brasil, a gente usa tijolo e cimento. Pedra, muitas vezes. Então, são lugares com menos problema em relação a isso”. 

O segundo fator diz respeito à conscientização e às práticas dos habitantes das casas. “No Brasil, quando o incêndio residencial acontece, é muito mais pela questão do usuário do que da construção (caso dos EUA), como deixar o gás de cozinha ligado; bitucas de cigarros acesas; e velas acesas perto de cortina.

O terceiro fator elencado por Luana sobre incêndios em casas é a estrutura. Situações como curto-circuito e problemas no sistema de gás são determinantes. “Por exemplo, se você tem uma casa que as instalações elétricas não estão com manutenção adequada, que têm fio exposto. No Brasil, é comum pane no sistema elétrico. No caso do incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro, em 2018, a causa foi curto-circuito da estrutura”, lembra ela. Nos EUA o sistema de aquecimento mais comum é a gás. “O risco é ter uma tubulação com defeito, com vazamento. Casa exige manutenção. Dependendo do sistema construtivo, se ele estiver desgastado, com componentes à mostra, compromete a estrutura”, alerta a arquiteta. 

Um detalhe de estrutura de casas americanas lembrado por Luana, que não é comum no Brasil, é a clarabóia, que é uma abertura no telhado. “Imagine uma situação: começa a pegar fogo, ele se espalha e cai faísca dentro da casa pela clarabóia. Um incêndio que atinge só a estrutura externa passa para a estrutura interna também”. 

Ter plantas por perto é outro fator relevante porque contribui para espalhar o fogo, além da proximidade entre as casas, o que é “um prato cheio para pegar fogo e a estrutura não resistir”. Contudo, pondera a arquiteta, é possível balancear escolhas arquitetônicas. “Você não precisa se colocar num bunker contra fogo, dentro daquele cenário de filme apocalíptico. Dá para ter o acolhimento. É super passível de ter plantas em casa, basta colocá-la um pouco mais distante. É saber balancear as coisas para se ter segurança e beleza. A pessoa vive ali todo dia e é bom até psicologicamente que ela tenha um espaço agradável”. 

Sem plano 

incêndios Los Angeles
Foto: Ringo Chiu/ Shutterstock

“Me surpreende eles (EUA) não terem um sistema de análise desse risco para mensurar e identificar os problemas e as áreas mais sensíveis, porque isso acontece muito em área de incêndio; prevenir é muito mais fácil. Nos EUA esses incêndios acontecem com frequência, não foi um caso isolado. É uma coisa que não vi sendo feita. Não tem um plano”, critica Luana. 

Ela aponta que o planejamento para evitar incêndios em casas precisa ser feito não só pelo morador, por meio de escolhas quanto a materiais e estrutura, mas também pelo poder público, via lei de zoneamento de um município. “O morador pode se planejar, escolher materiais mais resistentes, mas a elaboração de um plano de ação e de contingência do incêndio tem que partir do poder público, porque envolve um planejamento urbano, que ultrapassa a questão da edificação”, diz a arquiteta.

Para ela, isso também envolve a educação dos moradores e da divulgação de informação, por parte do poder público, sobre rotas de fuga e meios de proteção. “O papel de gestão de gerenciamento, definição de rotas de fuga ou a mensuração de quais casas têm estrutura mais ou menos frágil não deve (e nem é possível) de ser feito pelo morador. Tem que ser pelo poder público. Pode até ter uma parceria público-privada, com alguma empresa, mas o ideal é que ela aconteça pelo poder público”. 

Responsabilidade coletiva também

No final, a responsabilidade coletiva é fundamental! “Muito incêndio começa porque esqueceu-se de desligar o gás, o fogão”, alerta Luana. “Mas existe uma questão também que é um problema público, de gestão dessas coisas. Falta essa questão de planejamento que, para além da edificação de como construir casas mais resistentes, é como fazer um planejamento urbano que seja de evacuação de pessoas, se necessário, ou de prevenção. Essas ações são passíveis de planejar, de mapear onde aconteceu, como aconteceu e preveni-las; e deveriam estar sendo feitas”, critica Luana.  

Mais que aprender com as casas que resistiram a incêndios, é preciso repensar a forma como são feitos os projetos em áreas suscetíveis aos fenômenos como os de LA, partindo da valorização de profissionais (arquitetos, urbanistas, engenheiros), para garantir segurança aos projetos, mas sem esquecer das responsabilidades dos governos e dos cidadãos para prevenção e gerenciamento dos riscos – cada um fazendo a sua parte.

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