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Concreto doce: de resíduo da cana a material construtivo
Concreto de cana-de-açúcar tem pegada de carbono até 20% menor e pode reduzir 1,08 bilhão de toneladas de CO2, 3% das emissões anuais.
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Redação em 16 de abril de 2024 5minutos de leitura
Foto: Chromaphotography/UEL/Grimshaw Architects
Embora tradicionalmente destinados à compostagem ou à produção de energia, os resíduos sólidos da agricultura canavieira agora estão sendo explorados para uso na construção civil. Pesquisadores da Universidade de East London (UEL), em colaboração com arquitetos do escritório Grimshaw e a fabricante de açúcar Tate & Lyle Sugar, conceberam um novo tipo de concreto de cana-de-açúcar, produzido a partir do bagaço do fruto, o Sugarcrete.
A inovação busca ser uma reposta ao desafio do aquecimento global de duas maneiras simultâneas: por um lado é uma nova destinação funcional a um resíduo gerado em grande escala, por outro, entra para o rol de soluções de baixo carbono para a indústria da construção civil, responsável por 37% das emissões de CO2 relacionadas à energia e aos processos em 2021 conforme relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
O potencial do concreto a partir da cana-de-açúcar
De acordo com os pesquisadores, o uso generalizado do Sugarcrete poderia resultar em uma economia de até 1,08 bilhão de toneladas de CO2, o que equivale a 3% da produção anual de gás carbônico. Além disso, o concreto a partir da cana-de-açúcar possui de 15% a 20% da pegada de carbono do concreto convencional, tornando-o uma opção mais sustentável, além de ser cinco vezes mais leve e ter um custo de produção reduzido.
Os pesquisadores londrinos afirmam que o cultivo da cana-de-açúcar oferece um dos meios mais eficientes de conversão de CO2 em biomassa disponíveis atualmente, superando em até 50 vezes a eficiência da silvicultura. Essa constatação é corroborada por outros estudos como o levantamento conduzido pela Agroicone, Unicamp e Embrapa Meio Ambiente, que demonstrou o papel importante da cana-de-açúcar na captura de carbono atmosférico ao longo das últimas duas décadas no Brasil.
Além disso, os criadores do Sugarcrete afirmam que, com apenas 30% da produção global de bagaço de cana-de-açúcar, seria possível substituir a indústria tradicional de tijolos e concreto. Este projeto desafia a noção comum de que biomateriais têm desempenho estrutural inferior, oferecendo uma alternativa sustentável com força estrutural suficiente para ser autoportante.
Cana que constrói
O Sugarcrete foi desenvolvido por meio de prototipagem avançada utilizando modelagem digital e fabricação robótica. Este material oferece propriedades mecânicas, acústicas, de resistência ao fogo e térmicas de alta qualidade, sendo submetido a testes rigorosos de acordo com os padrões da indústria.
O processo de produção do concreto a partir da cana-de-açúcar, conforme explicado pelos pesquisadores, é relativamente simples e segue uma abordagem semelhante à fabricação convencional de blocos de concreto. Inclui etapas de mistura, moldagem e secagem/cura dos materiais.
No entanto, como acontece com outros materiais de construção, desafios na produção em larga escala surgem devido à variabilidade na matéria-prima bruta, incluindo diferenças no teor de umidade, tamanho de partículas e presença de impurezas indesejadas.
Contudo, o estudo concluiu que o concreto a partir da cana-de-açúcar é versátil e pode ser aplicado em diversas áreas da construção, incluindo painéis de isolamento, blocos de suporte de carga, pisos estruturais e lajes de telhado. A equipe de desenvolvimento também explorou novas possibilidades para a aplicação do produto desenvolvido, incorporando o conceito de geometrias entrelaçadas.
Esse conceito foi empregado para criar as ‘’Lajes Sugarcrete’’, um tipo de piso composto desmontável e reutilizável. Essas lajes fazem parte de uma série de protótipos destinados a desenvolver soluções inovadoras de construção, podendo ser implementadas, desmontadas ou estendidas em estruturas novas e existentes.
Expandindo horizontes
Os pesquisadores destacam ainda que a reciclagem do bagaço da cana-de-açúcar pode contribuir para o desenvolvimento de soluções de construção sustentáveis e economicamente acessíveis, especialmente em comunidades produtoras de açúcar. A equipe do projeto está atualmente identificando regiões no sul global que possuem produção de açúcar, com o objetivo de testar o Sugarcrete em parceria com organizações não governamentais locais.
A pesquisa sobre o Sugarcrete foi intencionalmente divulgada sem patente, com o objetivo de incentivar produtores locais a adotarem o material e reduzirem o uso de cimento. Eles enfatizam que o cerne da pesquisa é desenvolver tecnologia e métodos de produção que utilizem os bio-resíduos de cana-de-açúcar de forma adaptada ao contexto local, promovendo assim a sustentabilidade e o desenvolvimento comunitário.
Além do concreto de cana-de-açúcar
Além do desenvolvimento do concreto a partir da cana-de-açúcar, o setor de construção civil está testemunhando uma crescente variedade de soluções sustentáveis que visam reduzir o impacto ambiental da indústria. A startup Honext, com sede em Barcelona, desenvolveu um material para placas de construção, obtido por meio de uma combinação de enzimas e celulose proveniente de resíduos da produção de papel. Essas fibras, em vez de serem descartadas em aterros sanitários ou queimadas, são transformadas em placas de construção para uso em divisórias ou revestimentos internos.
Já o cânhamo, uma variedade de planta de cannabis, é cultivado tanto para fins medicinais quanto industriais. Diferentemente da maconha, possui níveis muito baixos de THC psicoativo. Além disso, o cânhamo cresce rapidamente e é considerado mais eficaz do que as árvores na absorção de carbono, conforme destacado pelo pesquisador da Universidade de Cambridge, Darshil Shah.
As fibras resistentes e duráveis da planta podem ser transformadas em uma ampla gama de produtos comerciais abrangendo desde papel, tecidos e bioplásticos até alimentos, biocombustíveis e itens industriais e de construção. O cânhamo é combinado com cal, água e areia para produzir um material que não apenas proporciona isolamento térmico e acústico de qualidade, mas também age como um captador de carbono. Um exemplo de aplicação na construção é a Flat House, em Cambridge, na Inglaterra, onde painéis de concreto de cânhamo foram empregados na estrutura do edifício.
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