A COP30, que será realizada em novembro na Amazônia, carrega o peso de um momento decisivo nas negociações climáticas internacionais. Entre as diversas pautas em debate, o financiamento climático deve ocupar a posição central, não apenas pelo seu histórico de promessas não cumpridas, mas também pelo papel estratégico que desempenha na viabilização de ações concretas de mitigação e adaptação. Desde 2009, quando a Conferência de Copenhague (COP15) estabeleceu a meta de mobilizar US$ 100 bilhões anuais para apoiar países em desenvolvimento, os avanços têm sido lentos. A meta foi cumprida apenas em 2022, com dois anos de atraso e ainda aquém das necessidades globais, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Nesse contexto, a cúpula na Amazônia representa mais do que uma nova rodada de negociações: simboliza uma oportunidade de repensar os mecanismos financeiros, equilibrar responsabilidades entre Norte e Sul global e assegurar que os fundos cheguem de fato às comunidades mais vulneráveis. O debate não se resume ao volume de recursos, mas envolve também a forma como eles são mobilizados, distribuídos e aplicados, revelando tensões entre promessas políticas e a urgência de resultados tangíveis diante da crise climática.
Vale ressaltar que essa “transferência de recursos” entre nações tem um papel de “compensação a danos”, visto que, como mostra um relatório do Centro para o Desenvolvimento Global (CDG), desde 1850 as nações de alta renda foram responsáveis por 43% das emissões globais de gases de efeito estufa, enquanto os países de baixa renda contribuíram com apenas 3%. Essa disparidade implica uma obrigação moral e financeira de apoiar os países mais vulneráveis na adaptação e mitigação dos impactos climáticos.
O histórico e os desafios do financiamento climático
O financiamento climático não é um tema novo, mas continua sendo um dos pontos mais controversos e complexos das negociações internacionais. Desde a criação do compromisso de US$ 100 bilhões anuais, firmado na COP15 em Copenhague, em 2009, os países em desenvolvimento têm enfrentado dificuldades para acessar os recursos. Embora tenham sido décadas de promessas, os fundos efetivamente liberados muitas vezes ficam abaixo das metas estabelecidas, fragmentados entre diferentes programas e sujeitos a regras burocráticas rígidas.
A COP30, nesse cenário, assume uma responsabilidade dupla. Por um lado, precisa garantir que o financiamento seja ampliado de forma significativa — o Brics cobram, em declaração conjunta, uma meta de US$ 1,3 trilhão até 2035 —, por outro, precisa criar mecanismos mais justos e eficazes, que permitam que países em desenvolvimento transformem os recursos recebidos em ações concretas de mitigação e adaptação. Sem reformas no sistema financeiro internacional, incluindo condições mais favoráveis de empréstimos e maior transparência, a meta de financiamento continuará distante da realidade, prejudicando a implementação de políticas climáticas globais.
O debate, porém, não se limita ao volume de recursos. Há uma crescente pressão por inovações nos mecanismos de financiamento, como fundos baseados em resultados, pagamentos por serviços ecossistêmicos e parcerias público-privadas que integrem sustentabilidade ambiental e desenvolvimento econômico. É nesse contexto que o Brasil, como anfitrião, desempenha um papel estratégico, combinando liderança política, diplomacia internacional e inovação financeira para transformar compromissos em resultados tangíveis.
O próprio documento conjunto do bloco destaca o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), proposta brasileira para a COP30, que “tem potencial de ser um instrumento promissor de finanças mistas, capaz de gerar fluxos de financiamento previsíveis e de longo prazo para a conservação de florestas em pé”, conforme a declaração.
Iniciativas promissoras para o financiamento climático

Enquanto a meta global de US$ 1,3 trilhão até 2035 parece ambiciosa, surgem iniciativas que podem tornar esse objetivo mais palpável. O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), por exemplo, busca mobilizar US$ 125 bilhões (cerca de R$ 680 bilhões) voltado para preservar ecossistemas essenciais como a Amazônia, remunerando países que mantêm suas florestas em pé. O fundo pretende proteger até 1 bilhão de hectares em mais de 70 países, mobilizando recursos via financiamento misto, incluindo aportes público e privado.
Além disso, o TFFF destinará diretamente 20% de seus recursos a comunidades de povos indígenas e tradicionais que vivem nesses biomas, reforçando o papel comunitário na conservação. Cada hectare preservado será remunerado em US$ 4, garantindo incentivo financeiro concreto e sustentável para a proteção das florestas.
Internacionalmente, mecanismos de pagamentos por serviços ambientais (PES) e fundos baseados em resultados têm ganhado destaque. Organizações como o Climate Policy Initiative (CPI) e o Banco Mundial apoiam modelos de financiamento que conectam investimento a metas concretas de mitigação e adaptação. Segundo estudos do CPI, o financiamento climático no Brasil cresceu 84% entre 2020 e 2022, superando o crescimento global, o que indica que a combinação de políticas públicas, parcerias internacionais e iniciativas privadas pode gerar impactos concretos.
Além disso, há um esforço crescente para incluir governos subnacionais e comunidades locais nos processos de decisão sobre recursos climáticos. Especialistas do ICLEI América do Sul alertam que, sem direcionar fundos para estados, municípios e iniciativas comunitárias, os recursos tendem a se concentrar em grandes projetos, limitando a eficácia das ações de adaptação e mitigação. Essa abordagem multiescalar é vista como essencial para que a COP30 alcance resultados duradouros.
O dinheiro não chega a quem mais precisa
Embora haja avanços nas metas globais de financiamento climático, a distribuição dos recursos continua sendo um desafio. Uma análise do CPI revelou que uma parcela considerável dos fundos é direcionada a grandes projetos de mitigação em países de renda média, enquanto as nações mais vulneráveis, como as menos desenvolvidas e as mais afetadas pelas mudanças climáticas, recebem uma fração mínima desses recursos. Por exemplo, entre 2000 e 2019, os dez países mais afetados pelas mudanças climáticas receberam apenas 2% do total do financiamento climático global. Além disso, o levantamento apontou que menos de 3% dos fundos globais foram alocados para países menos desenvolvidos, enquanto 44% dos recursos fluíram para países desenvolvidos.
Mecanismos baseados em resultados, fundos regionais e parcerias público-privadas estruturadas podem ampliar a previsibilidade e a escalabilidade dos recursos, garantindo que investimentos cheguem às comunidades locais de forma eficiente.
Nesse contexto, segundo Carolina Alves, mestre em Ciências Políticas, e Sheilla Dourado, mestre em Direito Ambiental e doutora em Direitos Fundamentais e Meio Ambiente, em artigo publicado no Nexo Jornal, a mobilização do financiamento climático precisa priorizar recursos públicos, justos e livres de dívida, a fim de romper o ciclo de endividamento dos países do Sul Global, que sofrem os impactos climáticos gerados pelos países do Norte Global. As autoras destacam que a acessibilidade aos fundos deve ser garantida e que os países desenvolvidos precisam cumprir rigorosamente as metas acordadas, pois, sem esses compromissos, até mesmo a atualização das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) fica comprometida.
Compensação financeira não basta

A expectativa para a COP30 é que os países desenvolvidos cumpram suas promessas financeiras, garantindo que os recursos sejam distribuídos de maneira justa, de modo a priorizar as comunidades mais afetadas por meio do fomento às iniciativas locais. No entanto, a compensação financeira já não é mais suficiente. Também é preciso que os grandes emissões de GEE se comprometam com metas de redução mais ambiciosas, alinhadas com a equidade climática. Ou seja, a justiça climática não se resume a transferências financeiras; ela exige reconhecimento das responsabilidades históricas, compromisso com ações concretas e uma abordagem equitativa que permita a todos os países, especialmente os mais vulneráveis, enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas.