Ao receber a conferência, Brasil pode obter legado positivo de infraestrutura e se tornar líder na luta contra a mudança climática
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Ana Cecília Panizza em 21 de janeiro de 2025 7minutos de leitura
Foto: Viagens e Caminhos/ Shutterstock
Belém, uma das capitais da Amazônia, é um importante destino no Brasil, com parques, museus, gastronomia e atrações turísticas conhecidas, como o Mercado Ver-o-Peso e a Ilha do Combú, a 15 minutos de barco da cidade. Neste ano, mais um importante atributo se somará a esses: a cidade será a sede da primeira Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas realizada no Brasil, a COP30 (de 10 a 21 de novembro).
O encontro global anual reúne líderes mundiais, pesquisadores, organizações não-governamentais e sociedade civil para discutir ações de enfrentamento às mudanças climáticas. A expectativa da FGV (Fundação Getúlio Vargas) é que sejam reunidas cerca de 40 mil pessoas, o que já sinaliza um dos primeiros desafios: a oferta de hospedagem, principalmente as de alto padrão, destinadas a autoridades internacionais, como chefes de Estado. Para aumentar a quantidade de leitos, o governo brasileiro fez parcerias com hotéis e empresas de aluguel por temporada. A ideia também é usar quartos em navios usados para cruzeiros.
De forma macro, trata-se de uma oportunidade histórica para o Brasil assumir maior protagonismo no debate de questões ambientais e mostrar seus esforços em áreas como energias renováveis, biocombustíveis e redução de emissões de GEE, enquanto a cidade pode beneficiar-se dos investimentos em infraestrutura urbana feitos para receber o evento. Tornar esse potencial uma realidade é o desafio de Belém… do Brasil.
Herança antecipada
Para ser anfitrião do evento, Belém recebeu cerca de R$ 4,7 bilhões de investimentos do Governo Federal. Os recursos provêm do Orçamento Geral da União, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e de Itaipu. O dinheiro será alocado para ampliação de ruas, saneamento de esgoto, drenagem de águas pluviais, dragagem de porto e revitalização de espaços. Segundo informações do Governo Federal fornecidas em novembro de 2024, a exatamente um ano da COP30, as principais obras não chegaram a 50% de conclusão, como as reformas do Complexo Ver-o-Peso (42% das obras executadas) e Parque Linear São Joaquim (5%) – tocadas pela prefeitura. A revitalização do Mercado São Brás foi concluída pela prefeitura em dezembro de 2024, com investimentos de R$ 150 milhões.
Sob responsabilidade do Governo do Estado, outras reformas em andamento são Parque Linear Doca (obras com 34% de conclusão), urbanização e drenagem do Mangueirão (32%), pavimentação asfáltica na Região Metropolitana de Belém (6%), duplicação da Rua da Marinha (2%); reforma e modernização do Hangar/Centro de Convenções (8%), Parque Linear Tamandaré – reurbanização e macrodrenagem de canal (22%); macrodrenagem e urbanização de nove canais (26%).
O Governo do Pará entregou, em janeiro de 2025, o novo Canal da Timbó, que integra o pacote de investimentos em saneamento do governo do Estado. O projeto faz parte das obras de saneamento da Bacia do Tucunduba, para beneficiar cerca de 300 mil pessoas. Na Travessa da Timbó, as obras têm mais de mil metros de extensão e envolvem retificação do canal, asfaltamento das ruas às margens, instalação de rede de abastecimento de água, esgoto e drenagem pluvial, além da construção de duas passarelas, uma ponte, ciclofaixa, aterramento de quintais e urbanização viária. Já a adequação da infraestrutura da Base Aérea de Belém, que também está sendo realizada pelo Governo Federal, tem entrega prevista para a última hora: novembro de 2025.
Para o economista Rodrigo Perpétuo, secretário-Executivo do ICLEI América do Sul – Governos Locais pela Sustentabilidade e doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM/USP), a COP30 deve deixar um legado de infraestrutura urbana positivo para Belém. “A cidade está em obras, com recuperação de pontos turísticos, construção de estruturas para eventos, reformas e construção de hotéis. Para o mundo, temos um legado muito importante que é desvendar as cortinas da Amazônia urbana. A COP em Belém ensina para o mundo que a Amazônia também é feita de cidades e que é muito importante cuidar delas, o que também contribui para manter a floresta em pé”.
Como destaca Perpétuo, 75% das pessoas que vivem na Amazônia estão em áreas urbanas. “Existe, portanto, a revelação de uma grande agenda a se implementar que nós esperamos que a COP30 acelere e que chame o mundo para uma força-tarefa, que é melhorar a infraestrutura urbana das cidades da Amazônia brasileira, que tem, em média, índices de desenvolvimento 30% piores do que as médias de outros países que abrigam o bioma”, avalia Perpétuo.
Capital da floresta, sem árvores
Segundo o Censo de 2010, Belém tem o menor índice de arborização urbana entre as capitais do Brasil (22,4%). “É uma contradição. A questão da arborização é chocante! E, para além da arborização, tem a questão do lixo, que é um problema estruturante na cidade. A própria desigualdade social é muito explícita, é a cara do Brasil”, comenta Leila da Costa Ferreira, professora do Departamento de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e vice-presidente da Comissão de Mudança Ecológica e Justiça Ambiental da Reitoria da universidade.
Ação em resposta ao baixo índice de arborização no momento está sendo o transplantes de árvores para áreas de obras da COP30, com mais de 60 árvores transplantadas ou remanejadas para o Parque da Cidade, Porto Futuro II, Nova Doca e BRT Metropolitano. Quanto aos resíduos, o tema ainda é razão de embate na Justiça entre prefeituras e o Ministério Público paraense.
Para Perpétuo, “o índice de arborização urbana de Belém reflete a forma desordenada da ocupação das cidades, especialmente a partir da segunda metade do século passado. Hoje a cidade guarda um grande índice de desigualdade, que é refletido também nesse déficit em relação à arborização”.
Contudo, “o evento pode ser um catalisador para que Belém se torne um exemplo de transformação sustentável e inclusão social”, acredita o gerente de Projetos ESG e Sustentabilidade da Fundação Vanzolini, Gabriel Novaes. “A realização da COP30 em Belém não deve ser vista como uma contradição, já que a cidade é uma porta de entrada para a Amazônia brasileira, e tem uma cultura pujante e diversificada”, acrescenta.
Lição de casa do Brasil
Para o ecólogo americano Philip Fearnside, pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a COP30 é uma oportunidade para o Brasil assumir a liderança na luta contra a mudança climática, “o que seria muito importante, sendo que este País será um dos mais devastados se o aquecimento global escapar do controle humano e passar por um ponto de não retorno climático, o que está muito próximo de acontecer”.
Ele alerta que o Brasil corre o risco de perder a floresta amazônica, essencial tanto para a vida da população na região como para outras partes do País, que dependem dos “rios voadores”, que são imensos volumes de vapor de água que vêm do oceano Atlântico, precipitam-se sob forma de chuva na Amazônia – onde ganham corpo – e seguem até os Andes, onde encontram a muralha rochosa presente nessa região, que faz com que os volumes de vapor desviem e flutuem sobre a Bolívia, o Paraguai e os estados brasileiros de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo. Os rios voadores podem alcançar Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Eles têm cerca de três quilômetros de altura, dois mil quilômetros de comprimento e 500 quilômetros de largura. Ou seja, em alguns períodos do ano, como o verão, um rio com as dimensões do Amazonas atravessa os céus do Brasil.
Novaes pontua que “a escolha do Brasil como sede da COP30 sinaliza um argumento em prol da proteção da Amazônia, da biodiversidade, da proteção dos recursos naturais e da energia limpa, pois o Brasil é visto mundo afora por sua grande relevância ambiental, potencial de liderança em sustentabilidade, sua vasta biodiversidade e por comportar a maior parte da Floresta Amazônica, com um papel crucial na mitigação das mudanças climáticas. Além disso, a escolha reflete uma oportunidade de demonstrar que países emergentes podem liderar agendas de transição para uma economia verde, conciliando desenvolvimento econômico com conservação ambiental. A escolha de Belém como sede também simboliza um esforço para destacar a importância da Amazônia como um ativo global essencial para o equilíbrio climático”.
No entanto, embora com grande potencial, como ressalta Leila, o País precisa assumir que não é uma potência ambiental. “Se há um país no mundo que pode ser uma potência ambiental é o Brasil, mas ele ainda não fez toda a lição de casa. É importantíssimo que a gente cobre dos participantes e dos governantes, pois esse tem que ser o ‘turning point‘ (ponto de virada) em relação à história da mudança ambiental”.
Fearnside reforça que “não há como ser liderança na área climática quando o governo, com exceção do Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas, está empenhado em aumentar as emissões. O Ministério dos Transportes quer reconstruir a rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho), que, junto com as estradas planejadas ligadas à ela, implica abrir uma vasta área da floresta. O Ministério da Agricultura subsidia soja e pasto, que têm um enorme impacto sobre o desmatamento amazônico”, diz Fearnside. “O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) legaliza ocupações e as reivindicações no Cadastro Ambiental Rural (CAR), um dos grandes motores do desmatamento. O Ministério de Minas e Energia quer explorar petróleo no mar e na floresta amazônica, e quer continuar até o Brasil se tornar um país rico”, continua o pesquisar, concluindo que “nenhum discurso verde pode eliminar o efeito desses fatos básicos, que impedem que o Brasil seja um líder na área”.
Esperança
Para Perpétuo, a COP30 carrega consigo um sentimento de esperança. Uma expectativa muito grande em relação à possibilidade de um protagonismo positivo do governo brasileiro em relação à agenda climática. Mas isso vai ser confrontado com uma realidade muito dura: vivemos um período de enfraquecimento do multilateralismo, com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, uma posição também de retrocesso na Argentina. Então, não haverá facilidades. São duas COPs seguidas em países que não impulsionaram acordos robustos em relação à agenda de mitigação. O Brasil vai ter trabalho. O que muda é a abertura que o País dá a outros atores da sociedade. Podemos esperar participações dos povos indígenas, da sociedade civil, da academia, dos governos subnacionais, do setor privado, o que acho que tem condições de influenciar muito positivamente os acordos que as partes farão em torno da COP30”.
Com as múltiplas vozes, quem sabe pelo menos para Belém, o bônus supere o ônus após as luzes dos holofotes se apagarem?
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