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De plano a processo, esse é o caminho da transformação, explica Tomas Alvim
Para o coordenador do Arq.Futuro de Cidades do Insper Tomas Alvim, cidade inclusiva e conectada deve sair do Plano Diretor e ir para a prática.
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Camila de Lira em 18 de abril de 2022 7minutos de leitura
A cidade do futuro terá robôs? Os carros serão elétricos e automatizados? As ruas estarão cobertas de sensores? Terão um digital twin no metaverso? Nenhuma dessas respostas, de fato, importa. Para o coordenador do Laboratório ArqFuturo das Cidades do Insper Tomas Alvim, o que a cidade do futuro precisará é empatia. “O grande passo da transformação é a empatia. A beleza da cidade é a diversidade, é ser o espaço de encontro de diferentes. E é isso que traz a potência urbana”, disse Alvim em entrevista exclusiva ao Habitability. Para ele, antes de pensar em tecnologia, é necessário se certificar de que o conceito de cidade inclusiva, conectada e compacta está enraizado o bastante para sair dos planos diretores e chegar no dia a dia. “As cidades no Brasil continuam espraiando. Como vamos discutir sustentabilidade se o perímetro urbano continua crescendo?”, questiona.
Na entrevista que você confere a seguir, o coordenador aponta a necessidade de o planejamento urbano sair do âmbito de “plano” para se tornar “processo”. Nesse contexto, a resiliência é um tema de extrema importância, já que é ela que vai ditar o que as cidades vão se tornar. Confira!
Qual é a maior emergência que as cidades brasileiras precisam lidar agora?
Tomas Alvim – O grande desafio das cidades brasileiras é a infraestrutura básica. Temos ainda 100 milhões de pessoas sem saneamento e 30 milhões sem acesso à água potável, portanto, não tem como pensar sobre qualquer outro tema que não seja o saneamento. O segundo ponto emergencial é a questão da moradia, a porta de entrada para outros direitos dos cidadãos. Então, é importante entender essa moradia como parte de um processo de inclusão da cidade, junto com serviços públicos, lazer, educação, saúde… São dois pontos fundamentais para a construção de qualquer cidade, inclusive a do futuro: moradia e saneamento. E, principalmente a moradia, pressupõe uma lógica de acesso e de facilidades para os cidadãos.
Mas e a sustentabilidade, como fica a discussão sobre cidades sustentáveis no Brasil?
Tomas Alvim – Não dá para pensar em intervenção ou em uma solução para as cidades mono-tematicamente. Obrigatoriamente, todas as intervenções são multi-temáticas. Essa é a beleza da cidade, a sua complexidade. Falando sobre sustentabilidade, é preciso dizer que as nossas cidades continuam espraiando. E como é que você vai discutir sustentabilidade se o perímetro urbano segue espraiando? As pessoas precisam ser transportadas, de forma individual ou em transporte público. Ou seja, continuamos promovendo um deslocamento substantivo dessa população e isso gera CO2. Podemos discutir qualquer tema de sustentabilidade, mas se não há compactação da cidade e se as centralidades não são desenvolvidas, as discussões sustentáveis são inofensivas.
Há um esforço da indústria para colocar carros elétricos e autônomos nas ruas, além de outros tipos de transportes que tenham uma pegada menor de carbono. Nesse sentido, as cidades ainda precisam ser compactas para serem sustentáveis?
Tomas Alvim – O carro elétrico é só um remédio para o paciente, mas não trata os sintomas principais. Ele é um tratamento absolutamente inócuo e não resolve o problema estrutural. É preciso ter uma lógica da eficiência da cidade. E isso pressupõe a habilidade do desenho urbano em evitar o deslocamento. Não adianta depois ficar criando remédios para um problema criado pelo desenho urbano. A questão da sustentabilidade se tornou primordial, até porque está provado que a experiência urbana vai mudar por causa das mudanças climáticas e as cidades também.
Qual a forma de se criar esse processo para gerar cidades melhores? E como estamos fazendo?
Tomas Alvim – Nas questões urbanas o problema fundamental é a descontinuidade dos projetos. Ela é destrutiva e perniciosa, pois você não consegue avaliar o que foi feito e nem saber o que precisa mudar. Está sempre fazendo coisas novas, mas não sai do lugar. Cidades são processos, não projetos. Acredito, portanto, que faltam soluções urbanas que contam com políticas consistentes, continuadas e avaliadas quanto a seus impactos, ou seja, políticas que não são descartadas a cada troca de gestão ou de administração.
E quando falamos em tirar a cidade do papel, ainda precisamos lidar com muitos vícios estruturais complexos. Acredito que temos que pensar em novos modelos de governança, com mais envolvimento da sociedade civil. Mas precisa haver um gestor que tenha uma visão de cidade. A cidade precisa ser para as pessoas, mas governada para a maioria. Se a gente for analisar, o desenvolvimento urbano no Brasil invariavelmente beneficiou a classe média e as classes mais favorecidas de forma consistente. E isso ajudou a criar um abismo. Em São Paulo mesmo, a diferença de expectativa de vida média muda 20 anos a depender do bairro. Os índices de criminalidade também mudam muito de acordo com o bairro. De maneira geral, as cidades brasileiras beneficiam quem já é favorecido. Precisamos pensar mais na equalização de oportunidades na cidade. No Brasil, o CEP ainda é muito determinante na vida da pessoa, na condição sócio-econômica que ela terá e isso tem que mudar.
Qual a melhor forma de se criar cidades inclusivas no Brasil?
Tomas Alvim – Todas as soluções partem de uma visão sistêmica e abordagem multidisciplinar. É preciso olhar para a cultura, para moradia, para a saúde, para a geração de renda… Não adianta só dar moradia, se não der uma escola de qualidade ou tiver sistemas culturais e de infraestrutura de saúde ali, porque a população pode não se sentir bem no espaço.
Tem que escutar a população. E o primeiro desafio é esse. A gente precisa parar de achar que por causa do nosso conhecimento formal e científico temos uma solução para todo mundo. Não temos! A vida das pessoas é muito diferente nessa cidade fraturada. Criar uma conexão do poder público com o cidadão é um elo fundamental da transformação. Gosto sempre de mencionar o exemplo de Medellín porque em 20 anos eles transformaram a cidade mais violenta do mundo para uma das cidades mais inovadoras do mundo. E isso foi feito a partir de um pacto com a sociedade, um grande arranjo e a maior premissa desse rearranjo foi a escuta do cidadão.
Os gestores e planejadores precisam entender que a expectativa deles da cidade é diferente da expectativa de um cidadão que mora em território de alta vulnerabilidade. A gestão precisa ser quantitativa, mas o que a gente entrega são só metas. Os planos de metas precisam ter avaliação de impacto. No fim do dia, discutir soluções para as cidades é discutir também um modelo de gestão de políticas públicas integradas e convergentes no território.
O que aconteceu para as cidades brasileiras terem se tornado tão divididas assim?
Tomas Alvim – O que aconteceu é que a classe média levou a cidade para dentro do condomínio. Então ela vive entre iguais. Anda em um carro fechado, passeia no shopping, vai ao clube, ela não vive a cidade. Ela vive entre iguais em um espaço contido. A cidade foi para dentro do condomínio e os cidadãos de baixa renda foram para longe da cidade. Foi esse o espaço que criamos.
Essa barreira que criamos é um muro invisível que precisa ser quebrado. Porque as pessoas mais pobres trabalham e convivem junto com aquelas que moram em condomínios. O grande passo para a transformação é a empatia. A grande beleza da cidade é o encontro de diferentes. Se só convivo com iguais, que experiência tenho? Apenas uma vida linear. E é o convívio com o diferente que trouxe a potência das cidades – ser o espaço para troca de ideias, de se inventar, de ter relações diferentes… foi isso que fez a cidade ser a melhor invenção da humanidade. Se ela é segregada, a gente caminha para experiências menos ricas. Seguramente a empatia será o caminho para encontrarmos uma solução em conjunto.
Não acredito que só política pública resolva as transformações da cidade. Existe um momento em que ela demanda do serviço público a prioridade. E a prioridade deveria ser a população menos favorecida. Se não, a gente acaba vivendo em um País de oportunidades restritas a um grupo que já tem acesso a tudo. A população precisa deixar de achar que a sociedade é apenas o condomínio em que vive.
Atualmente se fala muito em resiliência para as cidades. Algumas delas estão criando até o cargo de “Chief of Resilience”, qual a importância de um espaço urbano ser resiliente?
Tomas Alvim – Existem alguns estudiosos que mostram que, das cidades formadoras dos Estados Unidos, apenas uma sobreviveu: Boston. E isso aconteceu porque ela tinha um parque universitário vasto. O que já é um tipo de resiliência: a cidade saber se reinventar ao longo do tempo.
É importante entender a lógica da resiliência das cidades a partir dessa ideia de que elas precisam se transformar. Nesse sentido, a resiliência é um componente da transformação do olhar estratégico sobre a vocação das cidades.
Hoje em dia, a resiliência tem uma nova questão, que é a climática. Existem ocorrências que estão se agravando com a mudança climática, como o exemplo das chuvas. As cidades precisam entender quais são os impactos e se mudar para isso. Existe nesse ponto uma sensibilidade social fundamental, já que, no final, todos vão pagar as contas. É um custo para a sociedade, e isso vai sair dos nossos bolsos. As mudanças climáticas têm um impacto profundo, por exemplo, em cidades litorâneas. Jakarta já está mudando de lugar porque o mar está subindo. É importante ter o olhar da cidade que se renova e se reinventa.
E no meio disso tudo surge algo que a gente não esperava: a pandemia, que traz para as cidades a questão da resiliência sanitária – um assunto que não se via desde a febre espanhola no mundo e que trouxe uma nova visão sobre as potências e as vulnerabilidades dos planejamentos das cidades.
Como a pandemia contribuiu para a transformação das cidades brasileiras?
Tomas Alvim – No Brasil existe pouca chance de existir aquela grande mudança que está acontecendo nos Estados Unidos, com as pessoas indo se instalar em cidades menores porque o trabalho remoto permite. Esse não é um movimento acessível. Acredito, no entanto, que os espaços corporativos nas cidades brasileiras terão que ser menores e isso vai provocar uma vacância na cidade. Vale rever o zoneamento dos bairros, o licenciamento dos prédios, talvez permitir o uso híbrido dessas construções ou convertê-las totalmente para uso residencial. Estão discutindo isso em Brasília, de rever as zonas comerciais da cidade, que contam com dezenas de prédios vazios. Não tem por que deixar a cidade dessa forma, ela é um processo. Ou seja, surgiram oportunidades para revisitar esses dogmas urbanos de maneira interessante. Paris e Bogotá, por exemplo, fizeram inovações profundas durante a pandemia para aumentar a acessibilidade e a mobilidade ativa, criando cidades mais humanas, inclusivas e sustentáveis. Esse é o momento do Brasil também.
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