Design urbano em função da segurança pública nas cidades
Como combater a criminalidade nas cidades? Existem debates sobre a necessidade de aplicar ferramentas arquitetônicas para elevar a segurança.
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Redação em 4 de novembro de 2022 5minutos de leitura
As ondas de violência em algumas capitais e grandes cidades brasileiras aumentam ainda mais a discussão sobre segurança pública, afetando o modo como os cidadãos se comportam em um ambiente urbano. Há também o debate a respeito de como o design urbano, principalmente, as edificações das esferas privadas, seja de comércio, moradia ou propriedade, é modificado em função da ideia de proteção e o paradigma que essa mudança protagoniza.
Por um lado, muros altos, grades, câmeras de vigilância, alarmes e cercas elétricas, integram a paisagem dos grandes centros na busca pela preservação do patrimônio e das pessoas. No entanto, ao transformar o design urbano com o objetivo de trazer a sensação de segurança, a paisagem do ponto de vista do espaço público, provoca o sentimento de insegurança, levando a desesperança, segregação e medo.
Essas questões não são pautas novas, pois foram colocadas a prova em 1960 quando cidadãos-ativistas criaram um movimento contra a renovação urbana e a limpeza social, alegando que em um contexto de desigualdade e violência, os planejadores urbanos deveriam procurar por ferramentas de empoderamento dos moradores, as quais permitiriam usufruir de melhorias e benefícios no futuro, uma vez que a estrutura das cidades afetam os olhares e o comportamento dos seus habitantes.
Como surgiu o design urbano com a função de segurança pública?
O lançamento do livro da ativista Jane Jacobs, nos anos 1960, foi um marco no debate sobre os centros urbanos, já que a autora trouxe a definição de “olhos da rua”, na qual sugere que uma cidade saudável é construída pelo movimento de pessoas nas ruas e espaços públicos. Para ela, são as pessoas que fazem a segurança, pois enquanto pedestres, se tornam os olhos vigilantes. Em sua obra, Jacobs ressalta a importância da vitalidade urbana para se gerar cidades mais igualitárias e também seguras.
Com isso, surgiu o modelo de ferramenta chamada Prevenção de Crimes Através do Design Ambiental (CPTED, na sigla em inglês) com base no pensamento de Jacobs e pautado na criação de comunidades mais seguras através do planejamento de base e alteração do design urbano, como melhor iluminação, limpeza e desobstrução de vias para promover o senso de propriedade que facilitasse a vigilância de espaços públicos pelos moradores.
Espaço defensável
Já na década de 1970, o arquiteto Oscar Newmann adicionou à ideia de CPTED o conceito de “espaço defensável”, cujo o ambiente trabalharia em favor dos habitantes, tornando-os protagonistas na garantia de sua segurança. Sendo assim, ele estabeleceu quatro elementos fundamentais para a criação de um design urbano que favoreça a segurança pública. São eles:
Territorialidade: demarcação bem definida dos limites entre espaço público e privado, visando engajar o cuidado com o espaço coletivo através de barreiras físicas simbólicas;
Monitoramento: moradores aumentam a vigilância do espaço público através de intervenções arquitetônicas, como posicionamento de janelas e acessos;
Imagem e meio: ambientes limpos e organizados devido a um desenho arquitetônico que aflore a percepção do espaço;
Combinação geográfica: influência de espaços adjacentes na segurança de lotes vizinhos.
O espaço defensável foi ainda mais desenvolvido com a nova abordagem de “janela quebrada”, criada pelo cientista político James Q. Wilson e o criminologista George L. Kelling. De acordo com ambos, se uma janela de um edifício for quebrada e não passar por manutenção, a tendência é que pedras sejam jogadas nas outras janelas. Portanto, a constante conservação e qualificação do espaço público poderia estar relacionada à formação de um ambiente urbano mais seguro.
Design urbano e segurança pública no contexto brasileiro
Todos os conceitos reunidos acima que abrangem a ideia do CPTED passaram a ser inacessíveis. Ao invés de promover a segurança dentro das cidades, os críticos apontaram o uso excessivo de câmeras, cercas, portões, alarmes e guardas, como elementos que afastam os moradores uns dos outros e reduzem a possibilidade de interação, bem como intervir ou impedir crimes de acontecerem.
No entanto, nos últimos anos, os aspectos do CPTED vêm sendo implementados – ainda que a passos lentos – nas regiões brasileiras, especialmente, nas favelas do Rio de Janeiro que conseguem manter a segurança ou resistem aos conflitos.
Na comunidade da Asa Branca, uma favela localizada no bairro de Curicica, perto do Parque Olímpico, houve iniciativas conjuntas e urbanísticas para melhor a segurança pública, como ruas perpendiculares à rua principal sem saídas adicionais ou vielas, eliminando a possibilidade de utilização para esconderijos ou rotas de fugas, além das ações sociais, como eventos de competição de futebol, desfiles de carnaval, festas e outras reuniões que incentivam o fortalecimento de laços entre os moradores.
Vale ressaltar que os atributos sociais do CPTED mune os habitantes com mais uma ferramenta que pode enfrentar a violência e desigualdade: a colaboração. Este fato leva a população a um design urbano mais inclusivo, impulsionando a vigilância pelas próprias pessoas, transcendendo a segurança feita apenas pelas Unidades de Polícia Pacificadora na cidade do Rio de Janeiro.
É possível observar que as ações espontâneas, mesmo sendo pontuais, resultam em atos positivos por meio da apropriação do espaço público. A comunidade Babilônia, situada na zona sul da cidade, é um exemplo disso. Como resposta ao crescimento da violência na comunidade, a associação de moradores planeja ações de intervenção em praça pública de modo colaborativo.
Enquanto no Morro Azul, no bairro do Flamengo, também zona sul, os moradores, em parceria com os agentes públicos de segurança, conseguiram agir no combate ao crime por meio da instalação de um posto policial apoiado pelos habitantes.
Um case de sucesso no design urbano em prol da segurança
Embora as ações que mobilizaram cidadãos em defesa da comunidade como um todo geraram resultados positivos, é fundamental pontuar que os conceitos de design urbano e suas resoluções não apresentam solução definitiva para a questão da segurança pública.
Em uma escala maior, nos grandes centros urbanos, há uma carência de investimentos nas intervenções que possibilitem maior proteção. No entanto, nas últimas décadas, a cidade de Medellín, na Colômbia, tem se apresentado como um exemplo de design urbano voltado para a segurança pública. Operações como alargamento de calçadas, melhorias nos acessos e a construção de escolas, bibliotecas e centros sociais, alinhadas a outras iniciativas do governo, contribuíram para uma significativa redução nos índices de criminalidade, propiciando a mudança de status da cidade que um dia já foi considerada a mais perigosa da América do Sul. Nos últimos tempos, urbanistas e especialistas têm procurado resgatar e divulgar amplamente as premissas originais do conceito de CPTED, destacando soluções não apenas estruturais, como também as conexões humanas e programação social como forma de incentivar a interação entre moradores, sem deixar de lado a relação entre Estado e população, visando um design urbano mais inclusivo e participativo.
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