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Do papel e nanquim ao design computacional
Arquiteto e urbanista, responsável pelo Laboratório de Modelagem Baseada em Informação da UFU fala sobre o avanço da computação e suas aplicabilidades na arquitetura.
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Paula Maria Prado em 22 de abril de 2024 10minutos de leitura
André Luís de Araujo (Foto: Divulgação)
Muito além de projetos com estruturas complexas, o design computacional é hoje fundamental no processo de criação de obras com responsabilidade ambiental, mas não substitui a manualidade e as subjetividade que só o profissional pode agregar. Essa é a defesa do arquiteto e urbanista André Luís de Araujo, fundador e coordenador do Laboratório de Modelagem Baseada em Informação, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Mestre em engenharia civil e doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Campinas (Unicamp), ele se dedica a desenvolver pesquisas nas áreas de modelagem de informações para construção (Building Information Modeling) e simulação computacional. Na vanguarda da tecnologia que envolve os processos construtivos, ele revela em entrevista exclusiva ao portal Habitability o quanto a computação permite antever cenários construtivos.
“Para ter um selo de sustentabilidade, você precisa conhecer bem os cenários. Hoje, já há softwares que permitem pesquisar possibilidades, considerando os conceitos e as intencionalidades colocadas no projeto. Ajudando, assim, o arquiteto a tomar uma decisão mais assertiva”, diz.
Na entrevista que você confere a seguir, ele fala, ainda, sobre a evolução da arquitetura frente aos softwares, o uso da computação para projetos com selos de sustentabilidade, processos mais transparentes e edifícios mais perenes. Confira!
Da sua formação em arquitetura para agora, quanto o cenário mudou com o uso o design computacional?
André Luís de Araujo: na minha época, estudava arquitetura quem desenhava muito bem. Design computacional ainda era uma coisa distante. Embora já tivesse um grande avanço no mundo, essas instruções não chegavam até nós com frequência. Então, aprendi arquitetura na graduação por meio de métodos convencionais: lápis, papel manteiga, nanquim e caneta.
A questão do design computacional – o software AutoCAD R14 – chegou no meio do curso, por volta dos anos 2000. Até então, estressávamos a solução no papel manteiga, sempre trabalhando em escala, com ou sem régua. Depois usávamos o papel vegetal e a caneta nanquim. Ou seja, o software era uma ferramenta de documentação que substituía a caneta nanquim, o papel vegetal etc. A partir daí, continuávamos estressando a solução no papel manteiga mas, no processo de documentação, passamos a utilizar o AutoCAD, marcando muito bem uma transição entre o processo criativo e a documentação de projeto.
No entanto, continuávamos sem acesso ao que ocorria nas conferências dedicadas ao design computacional no mundo, tais como a Sociedad Iberoamericana de Gráfica Digital (SIGraDi); a Association for Computer Aided Design in Architecture (Acadia) e a Computer-Aided Architectural Design Research in Asia (Caadria ), entre outros. Só fui ter acesso a elas em 2011, quando fui fazer meu doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Foi como um novelo de linha. Fui desenrolando e descobrindo que já existia um mundo que ia muito além do AutoCad. O que me instigou a seguir na área foi, a princípio, a possibilidade de criar estruturas mais complexas usando a computação. Até que conheci a professora Gabriela Selena, que tinha feito doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e tinha um laboratório na Unicamp, passei a ler seus artigos e a desenrolar esse novelo de lã.
Em que medida o design computacional facilita a vida do profissional?
André Luís de Araujo: precisamos dividir essa resposta em duas etapas: documentação do projeto dentro do processo criativo e a utilização do software como ferramenta de tomada de decisão.
Sobre o processo criativo, acredito que o grande benefício da utilização dos softwares esteja ligado às questões de sustentabilidade. O Leadership in Energy and Environmental Design (LEED) certifica a eficiência energética do edifício em relação ao conforto ambiental, dos usuários, térmico, acústico etc. Mas para chegar a selos de sustentabilidade como este, precisamos simular as condições dentro dos ambientes. Neste ponto, a computação e os softwares de simulação computacional nos dão grandes oportunidades para tomada de decisão. Eu diria que é uma condição “sine qua non” para a obtenção desses selos.
André Luís de Araujo: temos alguns softwares que utilizam tecnologias que conhecemos como Building Information Modeling (BIM). A grosso modo, é um modelo virtual 3D alimentado por informações construtivas e sobre operação, manutenção e gestão. Esse modelo não visa informar só o processo de construção, mas o ciclo de vida do empreendimento. É uma tecnologia que tem sido alvo de decretos do Governo Federal, desde a época do ex-presidente Michel Temer, principalmente nos Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, da Infraestrutura, dos Transportes e, mais recentemente, além dos decretos, há uma instrução na Lei de Licitação Pública, privilegiando obras que utilizam esse tipo de tecnologia. Então a tendência é que isso vire uma lei. Já há prefeituras que exigem esse tipo de tecnologia em detrimento de outras menos avançadas de gestão da informação da construção. Os estados mais avançados nisso são Paraná e Santa Catarina.
A tecnologia BIM ainda agrega transparência ao processo construtivo. Pois eu posso clicar em um ambiente 3D e ter informações sobre os materiais desse ambiente ou de uma parede, informações sobre composição, materiais e custos da operação à manutenção.
Essa transparência tem sido buscada principalmente nas obras públicas, por conta dos aditivos. Tivemos algumas obras das Olimpíadas e da Copa do Mundo que tiveram grande número de aditivos, num processo não tão transparente.
Um bom comparativo é a Neo Química Arena, do Corinthians, e a Arena MRV, do Atlético Mineiro. Esta última é uma obra privada, que utilizou a tecnologia BIM. Claro que não estou restringindo o custo somente à questão computacional, há outros elementos que o compõe, mas se fizermos um balancete, vemos que a utilização da tecnologia permitiu que o custo por cadeira da Arena MRV fosse mais baixo que o da Neo Química Arena, sendo que os dois estádios têm, praticamente, o mesmo tamanho – uma capacidade para cerca de 40 mil pessoas. Esses são exemplos de obras grandes, mas esses impactos têm em obras de todo porte.
Como fica a “manualidade” diante do uso da tecnologia?
André Luís de Araujo: essa é uma questão polêmica. Ao mesmo tempo que acho que é um caminho sem volta, também vejo prejuízos do design computacional para a criatividade, principalmente nos estágios iniciais desse processo. Porque há estágios na cabeça do arquiteto: a questão da folha em branco, as noções de proporção e as escala do ser humano frente ao objeto de arquitetura, cheios e vazios e muitas sensações, como cheiros e cor da caneta ou do lápis. A manualidade nos permite expressar todas as questões conceituais, seja no projeto de um edifício ou de um automóvel, de maneira instantânea. Pensei, desenhei. Então, entendo a manualidade como ferramenta de pesquisa formal do arquiteto.
A computação exige que a cabeça dê conta de comandos, operações para construir caixas, cilindros etc. Então, entendo que esse é um momento subsequente à manualidade. A intencionalidade já está posta, aí, sim, eu vou mudar essa solução. Ou seja, a gente estressa a criação na mão, depois, a melhoramos com a computação e simulamos cenários. A partir daí, ela vai se consolidando. No meu entendimento, ainda não é possível abrir mão da manualidade, talvez no futuro seja. Atualmente, no contexto teclado, mouse e tela, acho indispensável o uso das mãos.
Como o design computacional pode ajudar a arquitetura a criar espaços mais funcionais, em harmonia com o meio ambiente e eco-friendly?
André Luís de Araujo: eu diria que para produzir projetos e obras com responsabilidade ambiental e eco-friendly, considerando questões de eficiência energética e de conforto ambiental, térmico e acústico, a utilização de softwares é condição fundamental, pois eles permitem variáveis ambientais para a tomada de decisão em projeto.
Então, quando eu determino que uma janela vai ter uma orientação norte, através dos softwares eu consigo determinar o ganho térmico, de iluminação e exposição daquele ambiente por conta desta decisão. Você pode até produzir esses cenários em desenhos à mão, mas o computador permite testar uma quantidade muito maior de cenários em muito menos tempo.
E como esses softwares mudaram a grade curricular do estudante de arquitetura e urbanismo hoje? Entraram novas disciplinas?
André Luís de Araujo: com certeza. Quando vim para a Uberlândia e me tornei professor da UFF, em 2017, fundei o Laboratório de Modelagem Baseada em Informação como um espaço dedicado a explorar tecnologias de simulação computacional e de Building Information Modeling. A partir dele, criamos disciplinas com foco na modelagem de informação da construção e plataforma de gestão. Houve resistências no começo, mas logo o mercado também acabou fazendo a migração para esse tipo de plataforma e acabaram se beneficiando com alunos formados na nossa universidade. A disciplina evoluiu. Hoje, o que eu ensinava em 2017, o aluno chega praticamente sabendo. Então, trabalhamos outras coisas mais avançadas em sala de aula.
A simulação de cenários ambientais é um ramo que chamamos na arquitetura de “Conforto Ambiental” e é obrigatório desde os anos 1990. Mas o uso de softwares para esse fim, em alguns lugares é evoluído, em outros, nem tanto. Na nossa universidade há uma disciplina optativa. Mas outras universidades têm disciplina obrigatória há anos, como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC ), que possui ainda um laboratório preponderante na área, o Laboratório de Eficiência Energética em Edificações (LabEEE).
Quem é o arquiteto que está sendo formado hoje em relação ao arquiteto formado, por exemplo, na sua época?
André Luís de Araujo: questão difícil! Acho que é uma opinião geral dos professores que a diferença está ligada à questão da manualidade. Hoje nós temos outra sociedade, mais ligada aos celulares, às redes sociais do que propriamente ao desenho à mão. Estudantes são muito bons em aprender softwares, no design computacional, mas têm muita dificuldade em aprender a projetar, a criar através de uma intencionalidade, a criar uma arquitetura que tenha uma relação proporcional definida como boas relações entre interior e exterior. Eu diria que eles estão mais evoluídos em relação às questões objetivas e menos evoluídos em relação às questões subjetivas do projeto. Ambas são importantes.
Ensinar a criar ainda é o grande problema das escolas de arquitetura. Então muitos alunos vão realmente construir carreiras voltadas às questões mais práticas de detalhamento de comunicação técnica do que propriamente ao processo criativo. Não que uma seja menos valiosa que a outra, mas formar um arquiteto criativo, que tenha soluções inventivas, que surpreenda os clientes, é mais difícil do que formar modeladores de computador, por exemplo.
Porque, na verdade, o processo criativo é uma síntese de intencionalidades, de questões proporcionais, de dimensão etc. Costumo dizer que a dimensão é o combustível do arquiteto. É o que interessa. Afinal, arquitetos não constroem paredes, mas espaços entre elas.
Há limites para o trabalho realizado nos softwares?
André Luís de Araujo: sabe aquela máxima que diz “o papel aceita tudo”? No meu entendimento, o computador elevou essa máxima a níveis exponenciais. Contudo, as restrições são as mesmas de outras épocas: as variáveis físicas e as condições de construtividade. Um exemplo é a própria gravidade. Eu posso produzir vigas em balanço, não apoiadas por pilares. Isso não é ilimitado. A viabilidade de uma construção está atrelada a outras variáveis. Tenho ainda as questões de engenharia, interpretação da matemática e da física no mundo real.
Então, eu diria que é preciso ter um bom equilíbrio entre a exploração da forma e os métodos construtivos disponíveis. Não pode haver uma exploração indiscriminada da forma, porque isso vai, em geral, onerar as construções e os processos de manutenção e operação desses edifícios.
A criação com o apoio de softwares pode contribuir para uma arquitetura mais perene?
André Luís de Araujo: pode sim, principalmente porque os modelos de informação dentro das plataformas BIM permitem agregar não só aspectos construtivos, como questões de operação e manutenção.
Aqui no laboratório, nós temos um projeto de pesquisa junto à engenharia elétrica, financiado pela Eletrobrás, que visa a utilização das plataformas para a gestão de subestações de energia elétrica. Nós utilizamos modelos 3D dos ativos da subestação e agregamos nesses elementos modelos de informação. Então, uma vez que eu tenho um modelo 3D, eu posso utilizar, por exemplo, um óculos de realidade aumentada para enxergar o elemento real e o virtual simultaneamente. E, ao clicar nos elementos, eu tenho as informações tanto do que a gente chama de Datasheet, que seriam as informações do fabricante, quanto das informações de manutenção.
Simulação dos níveis de iluminação, a partir de mensuração com dispositivo vestível ao nível dos olhos. Projeto financiado pela Fapemig (Projeto Nº. APQ-01926-17) e pelo CNPq – Pesquisa da estudante de arquitetura e urbanismo, Caroline Soares.
Vamos dizer que um tanque de óleo recebeu uma troca de óleo no dia 3 de fevereiro de 2022. Essa informação está registrada no modelo 3D. Então quando um técnico vai fazer a manutenção desse ativo, ele tem essa informação registrada ao longo do ciclo de vida. E isso é possível fazer com as plataformas que a gente tem hoje. É como ter registrado a história daquele imóvel. Lembrando que a quantidade de informação proveniente do processo de projeto é muito grande e advinda de fontes diversas. Isso só é possível com a melhoria desses processadores e a integração da informação de projeto proveniente de vários profissionais (arquitetos, engenheiros de estrutura e sanitários elétricos, por exemplo).
Dessa forma, uma vez entregue o modelo 3D com as informações da construção, ele também pode ser usado no ciclo de vida da construção. Essa é talvez a maior contribuição a curto prazo da computação na gestão de novas construções.
Como você vê o futuro da arquitetura em relação à tecnologia?
André Luís de Araujo: acredito que vai haver uma mudança nas interfaces, principalmente dos óculos de realidade aumentada/realidade virtual, que ainda não têm a capacidade de processamento para levar informação de projeto para a obra. E, isso mudaria completamente os processos de comunicação do projeto.
Simulação holográfica em Realidade Aumentada gerando um assistente virtual para montagem de paredes com geometria complexa. Projeto financiado pela Fapemig (Projeto Nº. APQ-01926-17) Pesquisa do estudante de arquitetura e urbanismo, João Pedro Caixeta.
Se pararmos para pensar, por mais que tenhamos um grande aparato computacional, no final do processo, ainda precisamos imprimir uma planta ou pelo menos gerar um PDF para ser lido no tablet. Esse tipo de comunicação técnica vem desde a Grécia antiga. A mudança de interface nos óculos, por exemplo, aproximaria ainda mais o que tem sido produzido nos escritórios com o que é produzido “in loco”. Então eu acredito que a mudança de interface das telas dos computadores para os óculos seja algo mais palpável para os próximos anos.
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