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Ecofeminismo: luta pela equidade chega ao debate sobre meio ambiente
O ecofeminismo é uma resposta ao impacto das mudanças climáticas sobre as mulheres, destacando a importância da equidade e da proteção ambiental.
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Redação em 24 de julho de 2023 8minutos de leitura
Foto: Freepik
As mudanças climáticas têm impactos negativos de curto e longo prazos na vida de todos, mas um peso a mais sobre as mulheres. Elas são cerca de 80% das pessoas obrigadas a abandonar suas casas devido à crise climática, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). Isso se deve à maior incidência de pobreza e menor poder socioeconômico, que dificultam a recuperação diante de situações extremas. É esse o cenário propício para o ecofeminismo, um movimento que busca o equilíbrio e o respeito mútuo entre a humanidade e a natureza, sob a ótica da mulher, mas com impacto sobre todos.
No artigo “O que é Ecofeminismo?”, a filósofa Alicia Puleo destaca que, conforme evidenciado por várias conferências das Nações Unidas e relatórios de diversas ONGs, as mulheres são as primeiras a sofrer com a deterioração do meio ambiente ao mesmo tempo em que desempenham papéis-chave na defesa da natureza.
Mais afetadas têm menor impacto
Embora sejam as mais afetadas, as mulheres têm menos responsabilidade na devastação do meio ambiente. Segundo uma análise realizada pela economista Oriane Wegner, da Unidade de Economia do Clima do Banco Central Francês, as tendências de consumo dos homens geram em média 16% mais gases de efeito estufa do que as das mulheres.
Essa diferença é explicada pela propensão dos homens a consumir mais bens e serviços emissores. A dieta também pode desempenhar um papel importante, pois uma alimentação com menos carne está associada a emissões mais baixas. Segundo pesquisa do Instituto de Estudos de Opinião e Marketing na França e no Exterior (Ifop), realizada em maio de 2021, dois terços dos vegetarianos franceses (67%) são mulheres.
Ecofeminismo: a conexão entre direitos e preservação
Embora tenha se tornado mais conhecido recentemente, o ecofeminismo não é novo. Na década de 1970, a feminista francesa Françoise d’Eaubonne usou o termo para explicar como a busca pelos direitos das mulheres está intrinsecamente ligada às demandas por um mundo mais sustentável.
As ecofeministas acreditam que há uma conexão profunda entre a degradação do meio ambiente e a opressão das mulheres, pois ambas as questões têm uma raiz comum e, ao modificar esse sistema, pode-se alcançar condições de vida melhores para todos. O ecofeminismo surge, portanto, como uma consequência do empoderamento feminino.
O objetivo é transcender a visão tradicional da luta pelos direitos das mulheres separada da luta pela preservação do meio ambiente. Em vez disso, o ecofeminismo propõe uma abordagem holística, onde a igualdade de gênero e a proteção ambiental estão intrinsecamente interligadas. Ao desafiar as estruturas patriarcais e promover uma maior conscientização sobre a importância do meio ambiente e da organização das cidades, é possível construir ambientes mais equitativos, sustentáveis e justos para todas as pessoas.
A luta também é contra a invisibilidade das mulheres
Ao longo da história da humanidade, observa-se uma predominância masculina no processo de concepção e planejamento das cidades, deixando pouca margem para a participação e contribuição das mulheres. Desde o planejamento urbano até o design arquitetônico, os espaços públicos e os sistemas de transporte, a presença feminina tem sido limitada na criação dos grandes centros urbanos.
Embora existam e sempre tenham existido mulheres arquitetas e planejadoras urbanas, as profissões relacionadas à construção, em todo o mundo, continuam sendo fortemente dominadas por homens, em maior medida do que em outros campos, como educação ou saúde.
A primeira engenheira do Brasil, Enedina Marques, só se formou em 1917, há pouco mais de 100 anos, e era uma mulher negra que sofreu diversos preconceitos para atuar na área. Hoje, 64% dos arquitetos formados no Brasil são mulheres. Na Engenharia, houve um aumento de 42% no número de mulheres registradas no CREA desde 2016. Mas, onde estão esses reflexos nas cidades?
De acordo com a arquiteta argentina, Zaida Muxi, pioneira em estudos urbanos com a perspectiva de gênero, o gênero feminino está ausente no planejamento e decisão das cidades e as mulheres não são levadas em conta na sociedade. “Existem várias evidências das desigualdades de classe, de raça, de gênero. Quantas praças e monumentos levam, por acaso, o nome de uma mulher? Que pessoas, sem pertencer a classes poderosas ou com outra cor de pele que não seja a branca, têm seus nomes nesses espaços públicos? Isso acontece porque a história na qual as decisões se baseiam tem sido relatada a partir de um ponto de vista único, que é o ponto de vista masculino, que é o do branco e que é o ponto de vista das classes altas e poderosas”, explica.
O planejamento das cidades feito principalmente por homens exclui perspectivas importantes para uma abordagem completa e inclusiva. Decisões antigas continuam afetando negativamente as mulheres nas cidades, tornando suas vidas mais difíceis e perigosas, além de colocá-las em situações de risco.
Afinal, as mulheres possuem uma dinâmica própria ao utilizar o espaço urbano em comparação aos homens. Em geral, elas transitam pelo ambiente público com uma lógica específica, que busca conciliar responsabilidades de trabalho e cuidado com a casa, os filhos e até outros membros da família.
O assédio também afeta suas escolhas sobre como e onde circular. Existe um conhecimento prático sobre os lugares, formas e horários em que as mulheres se sentem bem-vindas para se deslocar e permanecer nos espaços urbanos. Essa realidade resulta em diferentes necessidades de acessibilidade nas calçadas, iluminação, transporte público e no planejamento urbano como um todo.
A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU), divulgou um estudo que analisa os deslocamentos das mulheres na cidade e revelou que, apesar de estarem se deslocando cada vez mais por motivos de trabalho, as mulheres ainda realizam mais viagens relacionadas à educação, saúde e compras do que os homens, devido às responsabilidades domésticas que ainda recaem sobre elas, como levar os filhos à escola, acompanhar membros da família a consultas médicas e fazer compras.
O transporte coletivo e a pé são os meios de locomoção mais utilizados pelas mulheres, em contraste com os homens, que tendem a utilizar mais o transporte individual, principalmente carros próprios. De acordo com os dados da pesquisa, considerando o ano de 2017, os residentes da cidade de São Paulo realizaram um total de 24,9 milhões de viagens, sendo que 50,6% (12,6 milhões) foram feitas por mulheres. Ao considerar a relação entre os distritos da cidade e os diferentes modos de mobilidade, observa-se uma ênfase no uso do transporte coletivo nas áreas periféricas, principalmente no Grajaú, Perus e Itaim Paulista, especialmente por mulheres. Além disso, constata-se que elas são as que mais realizam deslocamentos a pé, principalmente nas zonas periféricas, como Parelheiros e Jardim Ângela.
Nesse contexto, é imprescindível que a cidade assegure às mulheres – e ao restante da população – um transporte público de alta qualidade, com rotas bem definidas, segurança, integração eficiente, horários variados e pontualidade. É paradoxal, entretanto, que a maioria dos investimentos públicos em mobilidade esteja focada no aumento de rodovias e na expansão do espaço destinado aos veículos individuais, resultando em um transporte público caótico e frequentemente inseguro.
As mulheres compõem a maioria da população que utiliza a caminhada como principal meio de locomoção. Diante disso, é fundamental direcionar recursos para melhorar a infraestrutura das calçadas, por exemplo, tornando-as acessíveis não apenas para mulheres que carregam carrinhos de bebê, mochilas pesadas com notebooks do trabalho e da faculdade ou mesmo carrinhos de feira, mas também para pessoas com deficiências, idosos e crianças. Essa melhoria inclui investimentos em arborização, iluminação adequada e elementos atrativos que incentivem o deslocamento a pé e com segurança.
No ensaio intitulado “O que seria uma cidade não sexista?“, a urbanista americana Dolores Hayden apresentou uma visão inovadora sobre a configuração urbana, propondo uma redefinição dos conceitos tradicionais de casa, bairro, cidade e local de trabalho. Hayden argumentou que essa perspectiva é especialmente opressiva para as mulheres, que enfrentam uma série de desafios em relação à mobilidade. Além disso, a organização interna dos lares também não favorece as mulheres, que muitas vezes têm que conciliar múltiplas jornadas.
Um dos caminhos sugeridos por Dolores para melhorar as dinâmicas urbanas é reduzir a separação entre as esferas pública e privada. Essa abordagem visa criar um ambiente urbano mais inclusivo, convidativo e menos opressivo, evocando a organização de aldeias indígenas e muitas outras formas ancestrais de organização urbana, nas quais o cuidado das crianças e os afazeres domésticos são responsabilidades compartilhadas por todos os membros da comunidade, promovendo apoio mútuo, tanto nas relações de trabalho, quanto nas relações domésticas e afetivas.
As particularidades da habitação feminina
Em um País onde uma em cada quatro mulheres enfrenta violência doméstica e quase 6 milhões de lares enfrentam déficit habitacional surge uma importante reflexão: qual é a realidade das mulheres que sofrem violência doméstica e daquelas que conseguem escapar de relacionamentos abusivos quando se trata de moradia?
Ao estudar as trajetórias habitacionais das mulheres, uma pesquisa recente revelou como a violência doméstica e familiar permeiam suas vidas desde a infância. No entanto, é na fase adulta que a falta de moradia impacta de maneira mais evidente as mulheres que buscam encerrar relacionamentos abusivos.
Quando as mulheres reconhecem a violência e buscam alternativas, enfrentam o temor constante de serem expulsas de casa pelo agressor ou de precisarem fugir para se proteger, muitas vezes se refugiando na casa de familiares ou amigos. Entretanto, é comum que, quando a situação se acalma ou quando não são mais acolhidas em seus abrigos temporários, elas acabem retornando para suas casas e, consequentemente, para o ciclo de violência.
Algumas mulheres optam por permanecer em relacionamentos abusivos para proteger seus bens e garantir a herança dos filhos, evitando a dilapidação do patrimônio que tanto trabalharam para construir, o que se torna ainda mais desafiador em situações de pobreza.
Diante desse panorama, torna-se fundamental direcionar políticas públicas, como os programas habitacionais, para as mulheres e tê-las como um dos grupos prioritários, visando proporcionar a autonomia e a dignidade a fim de oferecer oportunidades de moradia segura e estável para todas.
As pesquisadoras Maria Mies, da Alemanha, e Vandana Shiva, da Índia, dedicarem-se à análise aprofundada dos sistemas político, social e econômico globais. Elas oferecem insights valiosos sobre a interseção entre patriarcado e capitalismo, apontando sua responsabilidade direta pela degradação do meio ambiente e pela limitação dos direitos e oportunidades das mulheres.
Maria e Vandana sustentam que o patriarcado capitalista estabelece uma dinâmica polarizada que permeia a realidade em múltiplos níveis, gerando um ambiente de competição incessante. Essa abordagem binária é evidenciada nas oposição homem versus mulher, progresso versus natureza, ser humano versus animal, e assim por diante. Tal clima de disputa contribui para a subordinação tanto da natureza quanto da mulher em relação ao homem, com base na crença arraigada do “poder do mais forte”.
O sistema dominante, enraizado nessas estruturas, perpetua a visão de que o desenvolvimento de um grupo somente pode ser alcançado através da dominação e subordinação de outros. Uma mentalidade hierárquica e exploradora, que resulta em uma exploração desenfreada dos recursos naturais, causando danos irreversíveis ao planeta. Simultaneamente, perpetua-se a subjugação e marginalização das mulheres, negando-lhes direitos e oportunidades em igualdade de condições.
O ecofeminismo vem para desafiar esse paradigma que implica em repensar e reestruturar os fundamentos dos sistemas político, social e econômico, a fim de promover uma nova forma de organização baseada na equidade, solidariedade e respeito mútuo entre todas as formas de vida.
“A forma de mudar essas cidades segregadas, tanto em função de classe como de gênero, tem a ver com o pensamento de que o urbanismo é uma ferramenta de igualdade, e que a prioridade é o direito à vida e não o direito à propriedade. Devemos, portanto, trabalhar a favor de uma mudança na ideia do que é realmente prioritário. As cidades devem valorizar a vida, para que possamos viver nelas com segurança. Devem também favorecer e cuidar do entorno e do ambiente. Nós, como seres humanos, fazemos parte de um ecossistema. Até agora temos vivido numa crença falsa de que o homem, o macho das espécies, é o mais importante. Devemos mudar o nosso olhar a respeito do entorno ecossistêmico ao qual pertencemos”, destaca a arquiteta Zaida Muxi.
Veja também o episódio 16 do podcast Habitability:
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