Simony César: o futuro é feminino e anda de ônibus livremente

Criadora de plataforma que padroniza, centraliza e rastreia denúncias de assédio em transporte público, fala sobre mobilidade urbana e segurança

Por Redação em 21 de novembro de 2022 5 minutos de leitura

simony cesar

Dados do Instituto Locomotiva e Patrícia Galvão mostram que 81% das brasileiras já sofreram algum tipo de violência ou assédio enquanto se deslocam em ambientes urbanos. Para que as cidades sejam consideradas “inteligentes”, é preciso um olhar mais atento para a população feminina. 

Foi com esse propósito  que a designer e empreendedora social, Simony César, criou a NINA, em 2017, uma consultoria de mobilidade e gênero, que fornece tecnologias para rastrear, padronizar e centralizar o deslocamento em cidades. Simony e a NINA foram homenageadas no 1º Prêmio Habitability, na categoria Caminhos. Hoje, a startup já atua em Fortaleza, a quinta maior cidade do Brasil. 

A história de Simony com o transporte público é antiga e vem de seu DNA. “Minha mãe foi cobradora de ônibus, meu avô também, o irmão mais velho de minha mãe foi cobrador de ônibus. Tenho um tio que é chefe de plataforma do metrô no Recife. Eu estava ligada com o transporte diariamente”, lembra ela.

Foi no ônibus que Simony percebeu também a disparidade social no Recife. Quando passou a estudar na Universidade Federal de Pernambuco, a CEO da NINA tinha que atravessar a cidade todos os dias para chegar ao campus. “Eram seis ônibus e dois metrôs todos os dias para poder ir e voltar da faculdade. Quem morava no centro do Recife ou em algum bairro nobre chegava em 20 minutos. Eu, e outros alunos que moravam na periferia, tínhamos que madrugar para estudar todos os dias”, lembra.

Ao transitar pela cidade, Simony testemunhou diversos tipos de assédio. “É difícil achar uma mulher brasileira que não tenha passado por algum tipo de situação destas no ônibus ou no metrô”, aponta a empreendedora. Simony levou esta vivência para a faculdade e ampliou a pergunta: o quanto da violência de gênero na mobilidade é um fator impeditivo para o acesso e a manutenção das mulheres no ensino superior?

Simony César: mobilidade é feminina

A indagação inicial de Simony se desdobrou em pesquisas e foi uma fagulha para a NINA. “O que me deparei durante a pesquisa foi uma completa ausência de dados, porque a importunação sexual, enquanto crime, só foi sancionada em 2018. Para o Estado brasileiro, esse não era um problema que existia, pois os poucos casos que chegavam às estatísticas do governo eram muito graves, mas não recorrentes”, conta Simony.

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Um caso de estupro dentro do campus da UFPE foi o que mobilizou a executiva. As discussões no campus sobre como o transporte poderia ser mais seguro para as alunas levou Simony, que na época estagiava em uma empresa de frota de ônibus, a pensar em como solucionar a questão usando tecnologia e os aparelhos celulares. Os dados seriam essenciais para direcionar políticas públicas relacionadas às boas práticas de controle e prevenção de riscos. 

“O problema não é comportamental, é estrutural. Assim, a solução não seria só colocar uma série de cartazes nos ônibus e no metrô”, disse a executiva. 

Uma verdade incômoda sobre a mobilidade feminina nas cidades brasileiras é a falta de representação das mulheres em secretarias municipais ligadas ao tema. 

“Por quem e para quem foram criados os planejamentos de transporte nas cidades brasileiras?”, questiona Simony. Para quebrar esse ciclo, segundo ela, os dados podem ajudar. “Com base em dados é possível entender a problemática e compreender o que fazer para dar segurança às mulheres”, disse. 

Dessa forma, a NINA cria um espaço de mensagem eletrônica para receber denúncias e uma central que capta os dados de cada caso, criando um mapa de calor da violência de gênero na cidade. Dotados deste documento, os municípios conseguem agir na segurança pública de forma mais assertiva, principalmente no caso da população feminina mais vulnerável. 

Transporte = cidade

A ação da NINA não se fecha apenas aos espaços de transporte público, como ônibus, vans ou trens. As denúncias de assédio nas ruas também entram no escopo da NINA. Simony explica que faz parte da característica da usuária do transporte público circular mais pela cidade, já que vai à pé até uma parada de ônibus, ou de uma estação até o ponto final de chegada. 

A jornada das mulheres na cidade é diferente porque, normalmente, são elas as cuidadoras de crianças ou idosos ou, em muitos casos, as chefes de família. Não é incomum que mulheres saiam para fazer compras ou levar filhos ou pais/parentes idosos ao hospital. “As mulheres têm mais microdeslocamentos pela cidade, ou seja, ficam mais tempo vulnerávelis”, lembra Simony. 

O objetivo é tornar todo o trajeto, ou seja, o espaço urbano, mais seguro para essa população – e, por consequência, para todos. “A cidade que é segura para uma mulher de classes C, D e E andarem, é segura para todos”, diz Simony. 

Em sua visão, ao cuidar da fatia mais vulnerável da população, automaticamente, o espaço se torna melhor para a sociedade inteira. E, como boa CEO de uma startup tecnológica, a executiva baseia sua opinião em dados. 

“Monitoramos uma área em Fortaleza, uma via expressa no bairro de Aldeota. E percebemos que ali havia uma incidência grande de assédios em um determinado horário. A visita técnica foi feita na hora das ocorrências. E o que encontraram? Iluminação em falta. Trocaram a lâmpada e todos da rua foram beneficiados”, afirmou Simony.  

Veja também o episódio 27 do podcast Habitability:

Dados para diversidade

“Uma cidade que sabe interpretar o comportamento de quem a utiliza e que olha a perspectiva de quem está mais vulnerável, será realmente inteligente. Eu acredito nessa cidade inteligente”, afirma Simony. 

Fortaleza, por exemplo, já usa as informações de quase 100 denúncias por mês absorvidas pela NINA para o projeto Parada Segura: coloca pontos com reforço de iluminação, videomonitoramento e wifi reforçado. 

Importante observar que, com o aumento de aplicativos de mobilidade urbana, o transporte público está passando por uma perda de usuários – e Simony aponta que boa parte deles são mulheres motivadas pela insegurança dos sistemas públicos. 

Inteligência artificial, mas humanidade primeiro

Só os dados, ou apenas as políticas públicas, não são o bastante para apoiar a população feminina. É preciso empatia e escuta ativa. Por ser um API que se conecta a outros aplicativos de mobilidade, como os apps da prefeitura para ônibus e metrô, a NINA está na mão de quem mais precisa: a vítima. “Muitas me falam que, agora, sabem o que fazer quando (e se) sofrerem um assédio”, disse Simony.

A executiva conta que liga de 15 em 15 dias para algumas usuárias e indica como está o andamento da ocorrência. “A gente precisa que ela entenda o que está sendo feito com aquele dado”, fala Simony. 

Assim, há o retorno claro para os cidadãos de como a cidade e a plataforma podem agir. A equipe da NINA também treina a Guarda Municipal para atender esses casos e detectá-los, ajudando a prevenir.

“A tecnologia por si só não vai resolver o problema. A cidade sabe quais são as linhas de maior índice de assédio, quais são os horários de maior risco. Precisamos criar uma cultura de decisões com base de dados, porque se não a máquina que coleta informações dá a sensação falsa de segurança, mas não traz essa segurança de fato. Isso mina a credibilidade no sistema”, diz Simony. 

“A cidade inteligente é aquela em que todo mundo, de fato, tem um direito de acessar todas as oportunidades, principalmente no que se refere a estudo e educação, com segurança”, finaliza.