Falar sobre saneamento básico no Brasil é inevitavelmente falar sobre desigualdade. A falta de acesso à água potável e à coleta de esgoto ainda atinge milhões de brasileiros, impactando de forma mais dura as populações vulneráveis, que convivem diariamente com riscos à saúde, perdas ambientais e limitações ao desenvolvimento social. Nesse cenário, as soluções ultrapassa a necessidade de investimentos em infraestrutura, demandam, também, visão estratégica que promova inovação, inclusão social e sustentabilidade.
É justamente nesse ponto que se insere a trajetória de Édison Carlos, atual presidente do Instituto Aegea. Químico Industrial pela Escola Superior de Química das Faculdades Oswaldo Cruz e pós-graduado em Comunicação Estratégica pela USP, Carlos reúne uma sólida experiência nas áreas social e ambiental. Foram quase 20 anos nos setores químico e petroquímico e mais de uma década à frente do Instituto Trata Brasil, onde ajudou a transformar a entidade em uma referência nacional no debate sobre saneamento, coordenando estudos, pesquisas e mobilizando a sociedade em torno desse desafio histórico. Seu trabalho o levou a receber, em 2012, o prêmio “Faz Diferença – Personalidades”, do Jornal O Globo, como destaque nacional na área de Sustentabilidade.
Hoje, no Instituto Aegea, Édison lidera as frentes de sustentabilidade e responsabilidade social, com iniciativas que vão da ampliação do acesso ao saneamento em comunidades vulneráveis à promoção de projetos ambientais inovadores, sempre com foco na construção de cidades mais inclusivas e resilientes. Nesta entrevista ao Habitability, ele reflete sobre os entraves e as oportunidades para a universalização do saneamento, o papel das mudanças climáticas nesse debate e a importância da conscientização coletiva para transformar esse direito básico em realidade para todos.
O Brasil ainda enfrenta um grande desafio na universalização do acesso ao saneamento básico. Mais de 33 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável e mais de 90 milhões não são atendidos com coleta de esgoto. Quais são os maiores desafios para universalizar o acesso ao saneamento básico? Como o Instituto Aegea atua para superar essas barreiras estruturais?

Édison Carlos: Fatores como a precariedade da infraestrutura, limitações de acesso, informalidade urbana e ausência de investimentos históricos contribuem para esse cenário. O acesso da população vulnerável aos serviços de água e esgoto é foco da Aegea, que concentra esforços na ampliação da Tarifa Social, benefício que proporciona desconto nas tarifas de água e de esgoto às famílias de baixa renda que atendam aos critérios específicos da legislação de cada cidade. Dessa forma, contribuímos para que o saneamento básico seja garantido a todas as famílias e que todos recebam serviços essenciais que tanto contribuem para melhorar a saúde e a qualidade de vida.
O Instituto Aegea, braço de iniciativas socioambientais da Aegea, acompanha o que há de mais avançado no Brasil e no mundo, tanto no campo das tecnologias ambientais, como no investimento social e nos negócios de impacto, visando ao fortalecimento da atuação ESG da Companhia, com o desenvolvimento de ações sociais que incentivem a melhora do IDH das cidades onde a Aegea atua e que cuidem da saúde do meio ambiente. No que tange aos projetos sociais, os investimentos ocorrem prioritariamente nas áreas mais vulneráveis dos municípios onde estamos presentes, com foco na melhoria da saúde, educação, geração de renda e na promoção das equidades racial e de gênero. O Instituto atua por meio de iniciativas e projetos próprios e incentivados alinhados à uma política de Investimento Social nas localidades atendidas pela empresa.
O novo marco legal do saneamento incentiva a regionalização dos serviços para ampliar a cobertura de saneamento no País. Quais as oportunidades e os riscos dessa abordagem, e como garantir que municípios menores e populações tradicionais não sejam excluídos desse processo?
Édison Carlos: A regionalização abre oportunidades importantes. Amplia o acesso a investimentos, dilui custos operacionais entre municípios de diferentes portes e promove o atendimento de localidades historicamente desassistidas. Ao reunir municípios em blocos, é possível estruturar contratos que prevejam metas de atendimento universal, políticas de tarifa social e mecanismos de subsídio cruzado, reduzindo desigualdades regionais.
No entanto, para que os benefícios da regionalização sejam efetivos, é necessário que os modelos adotados assegurem a inclusão de municípios menores e populações tradicionais. Isso exige a adoção de cláusulas contratuais específicas, critérios de equidade e mecanismos de governança participativa. De modo geral, a regionalização representa um avanço institucional relevante, mas seu sucesso depende da qualidade da modelagem e da efetiva priorização da universalização e da inclusão social no setor.
Como o Instituto Aegea integra a proteção e recuperação de recursos hídricos em seus projetos, garantindo que o saneamento também seja um vetor de conservação ambiental e adaptação às mudanças climáticas?
Édison Carlos: No campo da preservação ambiental, o Instituto Aegea fortalece iniciativas que incentivam a segurança hídrica e a proteção de mananciais. São projetos como o “Água Limpa” para Todos, parceria com o WWF-Brasil que busca conservar a biodiversidade e restaurar a paisagem das Cabeceiras do Pantanal (MT/MS); e o “Floresta Viva”, parceria com o BNDES e Governo do Estado do Rio de Janeiro. Nossos projetos de reflorestamento, restauração e educação ambiental são exemplos de ações, inclusive, com soluções baseadas na natureza, adotadas diante dos novos desafios climáticos. São parte de uma estratégia mais ampla de impacto socioambiental, voltada à adaptação e regeneração dos territórios.
Além disso, temos projetos de educação ambiental voltados à conscientização sobre o uso da água e o descarte adequado de resíduos. Também se destacam iniciativas de economia circular, reuso de água e valorização do lodo gerado nas estações de tratamento. Frente aos impactos das mudanças climáticas, o Instituto apoia soluções voltadas à resiliência hídrica, com ações preventivas e estruturais que asseguram a continuidade dos serviços em cenários adversos, como estiagem e enchentes.
Considerando que a crise climática intensifica esses problemas de enchentes e sobrecarga dos sistemas de esgoto, qual é a relevância de integrar o saneamento às estratégias de adaptação climática das cidades?

Édison Carlos: Os eventos extremos e regimes menos regulares de chuvas, como temos vivenciado com maior frequência ultimamente, podem gerar desafios operacionais significativos, como aumento da turbidez da água captada, assoreamento de mananciais, impactos na qualidade da água e danos à infraestrutura. Chuvas intensas também podem sobrecarregar sistemas de drenagem e impactar redes de distribuição.
Portanto, incorporar o saneamento nas estratégias de adaptação climática das cidades é fundamental para enfrentar os impactos crescentes de eventos extremos. A falta de infraestrutura adequada expõe a população, especialmente a mais vulnerável, a riscos sanitários e ambientais, comprometendo a saúde pública, a segurança hídrica e a resiliência urbana.
Na sua visão, que tipo de infraestrutura o Brasil deveria priorizar para garantir saneamento mesmo diante dos efeitos cada vez mais fortes das mudanças climáticas?
Édison Carlos: Para mitigar esses efeitos, a Aegea, por exemplo, tem investido em tecnologia de monitoramento, sistemas de proteção de mananciais e melhorias na resiliência de sua infraestrutura para garantir a continuidade e a qualidade do abastecimento mesmo diante de condições climáticas adversas. A experiência que temos em cidades como Manaus e nos municípios do Rio Grande do Sul, com respostas rápidas frente a secas e enchentes, mostra a importância de adotar soluções técnicas robustas, combinadas com monitoramento em tempo real e planejamento preventivo. Essas ações posicionam o saneamento como eixo central das políticas de adaptação climática, fortalecendo a capacidade das cidades de enfrentar os desafios ambientais com mais segurança e sustentabilidade.
Você teria exemplos concretos de soluções inovadoras que já contribuíram para tornar os sistemas mais eficientes, acessíveis e sustentáveis?
Édison Carlos: Entre as soluções inovadoras já aplicadas estão, por exemplo, o uso de Inteligência Artificial para detecção de vazamentos e sistemas de monitoramento remoto em tempo integral via Centros de Operações Integradas (COIs). Também são destaque os projetos de reúso industrial da água e o programa de valorização do lodo para produção de biofertilizantes.
O Instituto Aegea possui muitos programas educativos para fomentar o uso consciente da água, o descarte correto dos resíduos e a valorização da infraestrutura instalada. A transformação de hábitos e comportamentos é um dos componentes para o sucesso dos sistemas de saneamento?
Édison Carlos: Sim. O Instituto Aegea estrutura seus programas educativos com foco na sensibilização e no engajamento das comunidades, promovendo a mudança de hábitos como parte essencial da efetividade dos sistemas de saneamento. As ações são realizadas de forma contínua e adaptadas à realidade local de cada território onde a Aegea atua, sejam elas iniciativas próprias, como o programa “Saúde Nota 10” e ” Estação Fonte do Saber”, ou incentivadas, como “Olho d’Água”, “Água de A a Z” e a exposição “Maré de Mudanças”, buscando sempre atuar em escolas públicas, levando atividades voltadas às educações sanitária e ambiental.
Também são realizadas visitas guiadas a estações de tratamento, oficinas, palestras e campanhas de conscientização sobre o uso responsável da água, descarte adequado de resíduos e preservação das redes de abastecimento e esgoto. O diálogo com a população é reforçado pelo programa Afluentes, que mantém canais permanentes de escuta com lideranças comunitárias, permitindo que os temas de interesse das comunidades sejam incorporados às estratégias de relacionamento. Essas iniciativas, integradas aos programas operacionais das concessionárias, contribuem para a valorização da infraestrutura instalada e para o fortalecimento da cultura do saneamento como um direito e um bem coletivos.
Essa exposição “Maré de Mudanças – Década dos Oceanos”, que o Instituto está promovendo em Duque de Caxias/RJ, tem como proposta abordar temas como mudanças climáticas, biodiversidade marinha, poluição e regeneração dos oceanos. Qual foi a motivação por trás dessa iniciativa e como ela se articula com os pilares do Instituto Aegea e dos ODS?
Édison Carlos: A exposição Maré de Mudanças foi concebida como uma resposta à necessidade de ampliar o diálogo com a sociedade sobre os impactos ambientais do saneamento e sua relação direta com a saúde dos oceanos, especialmente em um momento em que os efeitos das mudanças climáticas e da poluição hídrica se tornam cada vez mais evidentes. A motivação central da iniciativa é promover a conscientização sobre o papel que cada indivíduo, comunidade e setor produtivo exerce na preservação dos ecossistemas marinhos e na mitigação dos danos causados pelo lançamento inadequado de esgoto e resíduos sólidos.
Ao conectar temas como biodiversidade, poluição costeira e regeneração dos oceanos, a exposição traduz de forma acessível os desafios ambientais contemporâneos e reforça a importância do saneamento como vetor de transformação positiva. Essa proposta está alinhada aos pilares do Instituto Aegea, que atua na promoção de parcerias, projetos e ações em dois eixos estratégicos: inclusão social e proteção ambiental. Ao levar informação qualificada e experiências sensoriais ao público, a exposição também amplia o alcance das ações do Instituto, aproximando ciência, cultura e cidadania em torno de uma causa essencial para o futuro dos territórios e do planeta.
A exposição pretende apenas sensibilizar ou também se articular com a formulação de políticas públicas voltadas aos oceanos?
Édison Carlos: A exposição Maré de Mudanças vai além da sensibilização do público e busca se consolidar como uma plataforma de diálogo e mobilização em torno de políticas públicas voltadas à preservação dos recursos hídricos e à inclusão sanitária. Desde sua concepção, a iniciativa foi estruturada para estimular a reflexão crítica e fomentar ações concretas em parceria com gestores públicos, educadores e agentes culturais.
O Instituto Aegea mantém articulação com prefeituras, secretarias de educação, meio ambiente e cultura nos territórios onde a exposição é apresentada, promovendo atividades educativas, rodas de conversa e oficinas que envolvem escolas, lideranças comunitárias e representantes da sociedade civil. A proposta é que o conteúdo da exposição reverbere além do espaço físico, contribuindo para a construção de agendas locais de sustentabilidade, educação ambiental e saneamento.