Diretor do instituto iungo Paulo Emílio de Castro Andrade fala do projeto que leva formação gratuita e inovação para os educadores, fortalecendo o papel das escolas como protagonistas sociais.
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Camila de Lira em 31 de janeiro de 2022 8minutos de leitura
Atrelar o futuro de uma nação à educação já é bastante comum. Mas para o diretor de Educação do instituto iungo Paulo Emílio de Castro Andrade, a educação vai além. Ela é, na verdade, a base de tudo, inclusive, das cidades. Isso porque, segundo ele, o ambiente escolar tem o poder não só de formar os novos cidadãos e educá-los quanto à forma de interagir com o espaço urbano, como também de se tornar o centro de atividades para a comunidade ao redor. “Uma comunidade sem escola não é comunidade. A escola é essencial para a constituição de um ambiente comunitário”, afirma Andrade.
Se o desafio já parece gigante, acrescente a isso as mudanças constantes provocadas pela rápida transformação digital na sociedade e as inovações nos currículos do Ensino Médio no Brasil: “são muitos papéis para os educadores equilibrarem”, resume o diretor.
Criado em 2020, o iungo tem como objetivo oferecer formação continuada aos professores e, dentre os temas tratados nessas formações, busca disseminar o uso de metodologias ativas para educadores, a fim de ajudá-los a estarem preparados para esse cenário complexo, desafiador e em constante mudanças, trazendo-os para o centro do palco da cidadania. Em menos de dois anos, o instituto já formou mais de 5 mil professores de escolas públicas e disponibilizou gratuitamente dezenas de materiais didáticos e pedagógicos, atuando em parceria com diversas prefeituras e governos estaduais, como Santa Catarina e Minas Gerais.
O formato de atuação da instituição teve como grande contribuição a própria experiência de Andrade, que viu de perto o que os educadores passaram durante a pandemia e como os métodos de aprendizagem tiveram que se adaptar, incluindo a maneira pela qual os professores se atualizam. Para ele, o papel da escola é ser esse espaço de desenvolvimento mútuo, tanto dos alunos, quanto dos docentes, de forma inovadora. Engana-se, no entanto, quem pensa que inovação limita-se ao uso de tecnologias de ponta. “Para inovar, basta pensar no problema e em suas soluções”, diz ele em entrevista para o portal Habitability, que você confere a seguir:
Você trabalhou na área de educação por mais de 20 anos, principalmente na produção de conteúdo para apoiar a formação de professores. O que te estimulou a ajudar a formar o instituto iungo? E como vocês trabalham?
Paulo Emílio de Castro Andrade – O iungo nasceu com uma compreensão de que a transformação no campo da educação é complexa, mas passa necessariamente pelas mãos dos professores.
Não tem como criar uma educação inovadora, conectada aos interesses dos alunos e ao mundo contemporâneo, sem uma construção com os educadores. Tanto que quando criamos o iungo pensamos que não deveria ser uma instituição para os professores, mas com os professores.Uma vez que contribuímos para o desenvolvimento desses profissionais, fortalecemos a comunidade escolar e a aprendizagem dos estudantes.
Para isso, o iungo é organizado em três frentes: formação continuada; pesquisa e produção de evidências; e materiais pedagógicos, sempre como foco em uma formação voltada para mobilizar os professores e promover conexões entre eles. Temos, por exemplo, o curso pós-graduação Aprendizagem Criativa para professores da rede estadual de Minas Gerais, com 360 horas de informação, conhecimentos, práticas e metodologias; e um curso de atualização universitária realizado em parceria com a USP, de 120 horas, para professores do Brasil todo. Essa conexão entre os lugares é usada para solucionar problemas reais que os educadores enfrentam nas escolas.
Como funciona esse formato de parceria e prestação de serviços gratuitos?
Paulo Emílio de Castro Andrade – O conhecimento é como um bem público. A gente constrói e disponibiliza com e para todos os professores. O foco é promover o desenvolvimento dos professores do Brasil, esteja ele trabalhando na escola privada ou pública. A partir dessa mesma premissa, o professor que passa pela nossa formação não está aprendendo só com a gente, mas com os colegas. O nosso desafio é sempre realizar ações junto com outras instituições. Já temos parcerias com mais de oito secretarias de educação, parcerias com municípios, com universidades e com agentes do terceiro setor, porque não é possível habitar este segmento sozinho. Pelo contrário, queremos fortalecer o ecossistema.
O iungo começou em janeiro de 2020, ou seja, meses antes da pandemia da Covid-19. A partir de sua vivência, quais foram os principais desafios dos educadores nesses últimos 2 anos?
Paulo Emílio de Castro Andrade – A escola e a relação entre professores, alunos e famílias se alterou muito fortemente na pandemia. De um dia para o outro, professores que estavam acostumados a receber os alunos nas salas de aulas, com toda aquela forma de acolher e ensinar, com as famílias isoladas da escola, de repente, passaram a ter os alunos em um ambiente digital e os familiares como observadores, assistindo como os professores lidavam com várias situações, suas forças e fragilidades, o que certamente mudou a forma com a qual os professores lidam com várias situações junto aos seus alunos.
Vi de perto essa vulnerabilidade. Mas, por outro lado, a situação oportunizou muita abertura entre as escolas. As redes de ensino se apoiaram umas nas outras e os professores precisaram se apoiar uns nos outros. Foi um efeito colateral interessante: a conexão entre os profissionais, para que eles pudessem entender o que estava acontecendo. Fizemos lives com audiência de 10 mil pessoas ao vivo e mais de 70 mil visualizações. As pessoas queriam aprender.
Como você menciona, passamos por uma transformação digital forçada, em diversas áreas. A tecnologia virou tema do dia a dia dos professores, ferramentas novas entraram na rotina, assim como novas formas de conversar com os alunos, com a escola e com as famílias. Isso seria a inovação que as instituições de ensino precisam para enfrentar os novos tempos?
Paulo Emílio de Castro Andrade – As pessoas conectam inovação com tecnologia, o que é natural. Mas a tecnologia não existe por si só. Ela é importante por causa daquilo que nos possibilita. No campo da educação, a tecnologia tem papel importantíssimo. Contudo, vemos escolas inovadoras que usam poucos aparelhos “de ponta”. Isso porque, o que faz uma escola ser inovadora é ter foco no desenvolvimento integral dos alunos e não mais na transmissão de conhecimento, como era até então. A escola inovadora pensa além do conteúdo. Ela leva em consideração como o aluno pode aprender melhor, ou seja, como o conteúdo pode ser usado para desenvolver os alunos em todas as áreas.
A escola inovadora é, portanto, um ambiente para se construir projetos de vida.
Não existe um pacote pronto de inovação. A metodologia na qual acreditamos é a que chama os professores e alunos a construírem juntos o projeto. O desejo de inovar é como a antessala do projeto. O projeto, por sua vez, parte de um desejo. E não há como desejar pelos outros. Ele está relacionado com as situações-problemas que a comunidade escolar encontra. A partir daí, o projeto ajuda os professores e alunos a pensarem em soluções criativas para solucionar o problema.
As metodologias ativas, nesse sentido, ajudam a criar os projetos dentro das escolas. Como ela já está sendo trabalhada? Tem alguns exemplos?
Paulo Emílio de Castro Andrade – As metodologias ativas de aprendizagem são caminhos para concretizar a participação efetiva dos alunos na escola, é quando o professor não traz um problema pronto para o aluno resolver, mas convida os alunos a olharem seus contextos na comunidade e observarem o que já existe. Assim, os alunos são desafiados a prototiparem soluções para problemas reais, na escola, rua ou bairro. Um exemplo é uma escola do Rio de Janeiro onde os alunos do Segundo Ano do Ensino Médio identificaram que o Hemorio, o banco de sangue do Estado, estava com estoque baixo de sangue. Então, tiveram várias conversas com a entidade para entenderem os impactos dessa situação e, a partir daí, criaram uma mobilização em torno da escola. O centro disponibilizava ônibus para transportar os doadores, familiares que não eram doadores, passaram a doar e, assim, eles conseguiram mudar a situação por um mês. Não foi doação de dinheiro e nem tecnologia. Mas foi inovador. Eles identificaram um problema e transformaram o espaço.
Em Santa Catarina, alunos do Ensino Médio conseguiram implantar um quebra-mola na frente da escola. Eles perdiam muito tempo para atravessar a avenida na frente da instituição e acabavam se atrasando. Então, procuraram os vereadores da cidade, conheceram como funcionava a gestão, e conseguiram o que queriam junto à Prefeitura. O problema só foi visto quando os professores criaram esse projeto para que os alunos fizessem um brainstorming de situações que os incomodavam no dia a dia. É mais um caso de intervenção positiva no espaço urbano.
Como o uso das metodologias ativas pode ajudar a melhorar as cidades?
Paulo Emílio de Castro Andrade – Porque trabalha com problemas reais, a metodologia faz com que os alunos e os professores olhem para os problemas do entorno. Quando estamos trabalhando com a aprendizagem baseada em projetos, estamos executando com os alunos a vivência pela cidade. E ensinando que a cidadania vai além dos direitos e deveres. Se não tem rampa para cadeirantes na escola, se não tem cinema nessa cidade, o que os alunos podem fazer? Tem, por exemplo, um grupo de alunos que decidiu fazer cinema na praça. Eles mesmos compraram um projetor e fizeram as projeções de filmes. Pronto, a cidade agora tinha um cinema.
Quando a escola está promovendo esse trabalho de desenvolver um olhar crítico acerca da cidade e dos problemas urbanos, acaba fazendo com que os alunos se envolvam com esses problemas e passem a fazer parte da solução. Dessa forma, esse aluno passa a ter uma relação de apropriação com aquela cidade. É uma relação completamente diferente.
Como você enxerga a influência e participação das escolas na construção de cidades mais “amigáveis”, que favoreçam a qualidade de vida e o bem-estar das pessoas?
Paulo Emílio de Castro Andrade – Uma comunidade sem escola não é comunidade. A escola é essencial para a constituição de um ambiente comunitário. Tudo que está nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU para as cidades, precisa ser aprendido ou, pelo menos, passar pela escola: na escola se fala de consumo, sobre a questão da água, da dimensão para humanidade, das consequências que se tem quando não se cuida desse recurso; na escola o aluno aprende sobre a cidade e sobre a escola na cidade, porque os espaços formativos não são únicos.
Mas a cidade também precisa ser educativa, com estruturas para que o cidadão consiga aprender, enquanto a vivência. Uma praça estruturada, por exemplo, para possibilitar encontros, interações, acesso à cultura e a atividades físicas. O arquiteto tem o papel de pensar no desenvolvimento não só urbano, mas das pessoas: que tipo de experiência elas podem viver nesse espaço construído?
A cidade é o espaço onde se aprende sobre a vida. E a escola é um espaço onde se aprende sobre a cidade.
Como seria a escola ideal a seu ver? E como as cidades seriam beneficiadas por esse ambiente ideal?
Paulo Emílio de Castro Andrade – A escola ideal é aquela que existe em função do desenvolvimento integral dos seus alunos. Não estou falando sobre escola de tempo integral, mas sobre o desenvolvimento integral em várias dimensões: cognitiva, social, emocional, cultural e física. É aquela que busca conhecer os seus alunos, o que eles pensam, o que comem, onde vivem e o que eles já sabem, afinal, todo mundo tem repertório. A escola precisa conhecer esse repertório, entender o que a criança pensa sobre o mundo e olhar para ela como um ser em desenvolvimento. Além disso, ela entende que o erro é parte da aprendizagem. E esse é um ponto importante a se dizer porque, hoje em dia, as escolas penalizam as pessoas diante do erro.
A escola ideal também tem que ser um espaço para que o aluno aprenda a conviver e não o espaço onde se tenta “abafar” problemas de relacionamento. Precisa ser um espaço para que o aluno se conheça mais e se perceba capaz de lidar com dificuldades, com resiliência, e onde ele é estimulado a ser criativo.
Por outro lado, a escola não deve ser uma preocupação só das famílias que têm alunos ali, mas sim uma preocupação de toda a comunidade, pois se ela for melhor, a comunidade será melhor. Se a escola é mais inclusiva, a comunidade inteira estará sendo mais inclusivae vice-versa.
Portanto, a escola ideal é percebida como parte essencial da comunidade em que ela se insere.
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