Etarismo e cidade: Brasil está pronto para os 60+?
Especialistas acreditam que sociedade e cidades brasileiras precisam ainda repensar sobre como encaram o envelhecimento.
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Redação em 6 de setembro de 2023 5minutos de leitura
O Brasil está envelhecendo, colocando em voga a discussão sobre etarismo e cidade. Atualmente, as pessoas com 60 anos ou mais já representam 15,1% do total da população do país. Em 2050, elas serão mais de 30% da população. Os números não deixam dúvida: está mais do que na hora das cidades olharem com carinho para como vão criar ambientes saudáveis, dignos e prósperos para os cidadãos acima dos 60 anos de idade e combater os efeitos nocivos da relação entre etarismo e cidade.
Embora os dados sobre a idade da população do novo Censo Demográfico do Brasil só virem á público nesta semana, no dia 6 de setembro, uma coisa já é certa: a pirâmide etária do país está mudando e isso impacta diretamente as cidades. “A mudança de estrutura etária não é algo para daqui 10 ou 20 anos. Ela já está acontecendo. Há urgência, há pressa para discutir o etarismo”, afirmou Alexandre Kalache, médico especialista em envelhecimento, presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-BR) e co-diretor da Age Friendly Foundation.
Kalache se apresentou na 6ª edição do MaturiFest, principal festival sobre mercado de trabalho 50+ do país, que foi realizado nos dias 23, 24 e 25 de agosto em São Paulo. Junto de Alexandre Silva, secretário nacional dos Direitos Humanos da Pessoa Idosa, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, o médico protagonizou um dos debates mais instigantes do evento: como garantir que o Brasil envelheça bem.
Segundo Silva, a sociedade brasileira ainda é etarista ou “idadista”. O termo significa preconceito em relação à idade, criando prejuízos, desvantagens e injustiças para o grupo de certas faixas etárias. “A nossa sociedade é moldada pelo idadismo, que determina quanto esses corpos mais velhos podem ou não estar em alguns espaços”, afirmou Silva.
Quando a discussão chega nas cidades, o assunto se complica. Isso porque, a transformação etária brasileira é um fenômeno recente. Em menos de 25 anos, a expectativa de vida do brasileiro passou de 69,8 para 77 anos. As cidades do país não foram pensadas para a população envelhecendo, mas para aqueles considerados na “idade economicamente ativa”.
Os dispositivos de lazer, os prédios públicos, as rotas do transporte em massa, a localização dos postos de saúde, e, até mesmo, o desenho do imóvel brasileiro é pensado para jovens com famílias de dois ou três filhos. Tendo em vista a transformação, o que fazer? O primeiro passo, segundo Kalache, é encarar que a relação entre etarismo e cidade existe.
Idade e o “acúmulo” de desigualdades
Silva lembra que há grande diferença entre o que significa envelhecer para grupos sociais distintos. “Para alguns grupos, no Brasil, é um grande desafio chegar aos 50 anos. Não podemos falar de envelhecer apenas usando o critério cronológico”, afirmou Silva. Nada ilustra melhor a complexidade do assunto do que o Mapada Desigualdade, feito pela Rede Nossa São Paulo e o Instituto Cidades Sustentáveis.
O documento traz uma análise dos indicadores sociais e de idade dos bairros da capital paulista. A conclusão é que, enquanto um morador do Jardim Paulista, região de alta concentração de renda e infraestrutura da cidade, vive em média 80 anos. Um morador da região de Iguatemi, na Zona Leste da capital, vive até 59 anos. Enquanto 8,5% da população do Jardim Paulista é preta e parda, 50,9% das pessoas que moram em Iguatemi são desta etnia.
Outros indicadores fazem parte do levantamento, como tempo de mobilidade no transporte público (32 minutos em média pela manhã para os moradores dos Jardins contra 56 minutos para os da Zona Leste) e tempo médio de espera para consultas de atenção básica (enquanto em Iguatemi a espera era de 25 dias, no Jardim Paulista não houve volume de demanda do sistema público de saúde para constar na pesquisa).
“A geração que envelheceu já acumulou desigualdades ao longo da vida. Há a transmissão geracional de desigualdade no Brasil. Quem tem o avô analfabeto tem pouca chance de ter um doutorado ou um PhD. Mas quem tem o avô com doutorado, tem altas chances de repetir a formação”, fala Kalache.
“O grande problema é o tamanho da desigualdade”, disse Silva. Nesse ponto, garantir distribuição de renda é tão importante quanto pensar na infraestrutura das cidades. Kalache lembra que não adianta se espelhar em lugares como Dinamarca e Canadá. “A nossa realidade é diferente, estamos envelhecendo não só na pobreza, mas na miséria. Acho que o objetivo principal é garantir que essas pessoas consigam envelhecer com dignidade”, disse.
Etarismo e cidade: a gente fica ou sai?
O território, entendido como espaço vivo, criado a partir das relações, é um tema essencial quando falamos da população idosa e das políticas públicas, explica Alexandre Silva, do MDHC. Quando a pessoa envelhece, essas relações tendem a se tornar mais e mais importantes. “O melhor lugar para envelhecer deve ser onde ela queira, geralmente é onde ela já está”, fala Silva.
Para Kalache, no entanto, há um outro ponto a ser considerado quando o assunto é território. “As pessoas querem mesmo continuar a viver onde sempre moraram? Será que elas querem seguir vivendo em um bairro sem saneamento, sem água, sem luz? Se você perguntar, as pessoas estão loucas para sair de lá”, disse o gerontólogo.
E é aí que entra a cidade amiga do idoso. Não como um espaço físico, mas um lugar que apoie o envelhecimento de todos, de maneira igual e saudável.
O melhor é que as ações que levam o espaço urbano a ser bom para os mais velhos criam bem públicos de amplo alcance social, como explica o World Bank no relatório “Silver Hues: Building Age-Ready Cities“, publicado em 2022. Segundo a instituição, três características são essenciais para os espaços urbanos “age friendly“: adaptável, inclusivo e produtivo.
E, diferentemente do que se imagina, a cidade que funciona bem para os mais velhos não é exatamente uma cidade digital. Silva lembra que a digitalização excessiva dos serviços dificulta o acesso de idosos a bens públicos. “Precisamos de atendimentos mais humanizados e mais próximos das pessoas”, comenta Silva.
No Brasil, o que mais influencia o bem-estar da população com mais de 60 anos de idade são os esforços para diminuir a disparidade entre ricos e pobres. Ações como ter postos de saúde, esgoto tratado e distribuição de renda garantem que adultos envelheçam bem. Kalache lembra que a saúde ao longo da vida é construída no cotidiano “onde você mora, com quem você se diverte, quais grupos que você cria a sua volta, isso tudo é saúde”. Para os idosos, não é diferente.
Estimativas feitas pela SeniorLab indicam que as grandes capitais brasileiras já têm mais de 20% da população com mais de 60 anos. Segundo Martin Henkel, CEO da SeniorLab, Porto Alegre tem 24% da população com 60+, no Rio de Janeiro, este indicador cai para 22% e, em São Paulo, é de 20%.
Um dos principais índices de cidades “boas para os idosos”, feito pelo Instituto de Longevidade Aegon, leva em conta sete indicadores. Entre eles, há índices de moradia e de cultura e engajamento. O entendimento é que todos apoiam o bem-estar da população 60+ contribuindo para desvincular o elo entre etarismo e cidade.
Veja também o episódio 02 do podcast Habitability:
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