Coliving: o mercado imobiliário global que está em ascensão

Veja como esse conceito está revolucionando o setor, suas vantagens e impacto nas cidades.

Por Redação em 30 de agosto de 2023 7 minutos de leitura

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Foto: Freepik

O coliving é um conceito de vida que está crescendo rapidamente, atraindo a atenção de gestores de ativos, desenvolvedores e investidores pelo mundo. Com o aumento da população global e a urbanização, a escassez de moradias vem impulsionando cada vez mais a disseminação desse estilo.

A ideia de compartilhar moradias faz parte do ecossistema urbano e pode vir a ser uma forma de aplacar a pressão por construir mais casas. Além disso, especialistas afirmam que esse formato de moradia pode reduzir as emissões de carbono em 32% e contribuir, assim, para os objetivos de um desenvolvimento mais sustentável.

Apesar de ter sido mais difundido recentemente, o conceito surgiu em 1972

A origem do conceito remonta ao termo cohousing, que se refere à prática de compartilhamento de habitações. A primeira comunidade, chamada Saettedammen, já adotava esse modelo, com 35 famílias vivendo em moradias individuais, mas compartilhando espaços de convivência e atividades diárias como refeições e limpeza, em 1972, na Dinamarca.

Em 1988, inspirado por essa forma de moradia colaborativa, o arquiteto Charles Durrett começou a aplicar a filosofia em empreendimentos nos Estados Unidos e fundou a empresa The Cohousing Company. O lema da companhia é que o convívio compartilhado é essencial para construir uma sociedade mais sustentável.

A partir dos anos 1990, o termo “coliving” ganhou popularidade no Canadá e, nos anos 2000, expandiu-se pela Europa e Ásia.

No Brasil, coliving começou a chamar atenção por volta de 2013

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A arquiteta e urbanista Lilian Avivia Lubochinski é uma das principais referências no assunto. Após se formar em Arquitetura e Urbanismo pelo Technion – Israel Institute of Technology, a especialista em processos participativos e arquitetura da longevidade, hoje aos 74 anos, chegou a morar em um “Kibutz” – palavra em hebraico que significa “grupo”, uma espécie de comunidade baseada nos princípios da propriedade comunal e igualdade social. Em 1988, ela foi a primeira arquiteta no Brasil a abordar o tema soluções espaciais para o envelhecimento durante o 8º Congresso Nacional de Geriatria e Gerontologia. Daí, começou a divulgar intensamente o coliving no país.

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Criadora e consultora da Co Lares Brasil, ela se especializou em projetos que têm especial sensibilidade para espaços de convivência e interação social para a terceira idade. Na proposta do Co-lares (Cohousing) as tecnologias sociais como prática do diálogo, visionamento, comunicação não-violenta e dragon dreaming – metodologia social de design de projetos criada a partir de estudos sobre o modo de vida e a socialização de comunidades aborígenes – se entrelaçam resultando na materialização do desejo coletivo.

Coliving ou cohousing?

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Em entrevista para o portal Terceira idade, Lilian Avivia Lubochinski explica a diferença entre os termos Coliving e Cohousing. “O coliving são espaços de moradia compartilhada onde diferentes pessoas dividem o local, podendo esse ser uma casa ou um apartamento, dividindo as despesas em uma casa grande e morando juntos. Já no cohousing você vai morar em sua própria casa, perto de pessoas muito amigas, sem perder a sua privacidade”, diz Lilian.

Colivings brasileiros começam a despontar como uma opção de moradia para quem procura praticidade e qualidade de vida

No Brasil, o conceito ainda causa uma certa estranheza em algumas pessoas que ainda pensam se tratar de “repúblicas” ou “cortiços”. Mas a moradia compartilhada remonta muito mais a um estilo de vida. 

Além disso, o coliving, também, passa longe da errônea percepção de que viver em comunidade é uma “coisa para hippies”. O país, aliás, já oferece boas opções para quem quer compartilhar moradia. O Kasa, em São Paulo, foi o primeiro coliving a ser criado no país. Localizado na Vila Olímpia, ele tem a opção de estúdios privados ou quartos compartilhados. As áreas comuns são completas e a decoração faz com que os ambientes sejam aconchegantes. O preço mensal dos quartos pode variar, em média, de R$ 2,6 mil a R$ 4 mil, com um condomínio por volta de R$ 600. 

Além da versão paulista, existem outros bons exemplos de moradia compartilhada no país como o Uliving, no Rio de Janeiro; o Oka, em Porto Alegre; Uliving, em São Paulo; e Parkside, em Florianópolis.

Conceito tem base nos ideais de reaproveitamento e consumo consciente 

Viver em comunidade se assemelha bastante à cultura da economia colaborativa, uma tendência que ganha cada vez mais força.  O manifesto coliving, criado pela Coliving.org, resume bem os principais fundamentos desse movimento:

  • Comunidade em harmonia com a individualidade;
  • Aproximação de pessoas e troca de experiências;
  • Consumo pensado na colaboração;
  • Projeção compartilhada de residências;
  • Economia de recursos naturais;
  • Divisão de decisões e tarefas.

Do ponto de vista econômico, o estilo desperta o interesse, pois tem por base ser um empreendimento sustentável. Essa visão vem da ideia inicial do conceito de construir os empreendimentos com materiais de baixo impacto ambiental e que contenham sistemas de reaproveitamento de água e captura de energia renovável, o que acarreta em imóveis mais econômicos e acessíveis.

Já do ponto de vista social, pode agregar valores e ideais de uma convivência pacífica. Em uma casa compartilhada, as tarefas básicas são divididas; existe o consumo colaborativo de suprimentos; trocas de objetos e equipamentos; o uso otimizado de meios de transporte, são muitas as atitudes que beneficiam tanto os participantes quanto a sociedade em geral. 

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Estratégias bioclimáticas são fundamentais para edificações sustentáveis

Recentemente, o especialista em coliving e co-fundador da Conscious Coliving , Dr. Penny Clark, argumentou em uma palestra em evento do Urban Living News que, em comparação com residências unifamiliares, os empreendimentos podem reduzir as emissões de carbono em 32%. Segundo ele, o estilo também contribui para muitos dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) que os países estão trabalhando para melhorar a vida das pessoas. 

O setor da construção civil, principalmente o de edificações, é um dos maiores consumidores de recursos naturais e responsável pela geração de consideráveis impactos ambientais e emissões de CO², segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Para isso, a criação de estratégias bioclimáticas é fundamental. Os empreendimentos coliving propõem, por exemplo, soluções como a produção de energia renovável local. 

Para além de se tornar um investimento atraente para pessoas que se preocupam com a questão da sustentabilidade, o estilo é perfeito para aqueles que precisam trabalhar em cidades diferentes por alguns meses e querem um lugar para chamar de lar, a exemplo dos nômades digitais. Por isso, os colivings precisam ficar em lugares estratégicos, por exemplo, a uma curta distância do centro da cidade. Dessa maneira, os moradores não precisam perder tempo procurando um aluguel de curta duração, nem pagar contas, ao mesmo tempo que têm tempo para absorver a cultura local e conhecer outras pessoas. 

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Até 2050, grande parte da população viverá em centros urbanos

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Em 2021, a Savills – empresa britânica de serviços imobiliários – divulgou um relatório afirmando que o coliving é “um mercado pronto para um grande crescimento”. O documento ainda expõe o argumento de que o crescente investimento no setor se deve à “escassez crônica de moradias, aumento da população, urbanização, diminuição do tamanho das famílias e mudança nas atitudes do consumidor”. Esses fatores, porém, não podem ser vistos isoladamente –  já que o aumento da população global e a urbanização nas principais cidades resultaram em escassez de moradias.

Leah Ziliak, também conhecida como The Coliving Consultant, diz em seu site que “até 2030, quase 9% do mundo viverá em 41 megacidades, a maioria delas localizada na Ásia. Até 2050, 2 em cada 3 pessoas viverão em cidades ou centros urbanos.” 

Segundo a especialista no assunto, o crescimento das cidades é um impulsionador da expansão urbana – quando as áreas residenciais se espalham para os subúrbios, fazendo com que as pessoas se tornem mais dependentes dos meios de transporte para se locomover. Sob o conceito coliving, a criação de espaços comuns compartilhados e espaços privados menores reduz o espaço urbano. Isso, de certa maneira, tira a pressão de construir mais casas, ao mesmo tempo em que dá às pessoas a chance de viver mais centralmente. Por isso, pode ter um profundo impacto positivo em todo o ecossistema da cidade.

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Grande demanda, especialmente entre os que precisam de acomodações em curto prazo

Com contratos flexíveis, o coliving oferece uma solução sem complicações para moradia. Algumas empresas, inclusive, estão adotando o modelo de assinatura, onde associados podem partilhar espaços, eventos e descontos. Geralmente, os empreendimentos oferecem estadias sem grandes complicações e contratos flexíveis, recebem automaticamente o pagamento mensal (e cobre as contas dentro desse custo), supervisionam os problemas de manutenção e organizam todo um calendário social que facilita a comunidade. Nesse caso, o estilo não apenas fornece um teto, mas também uma oportunidade de melhorar a vida. 

Anteriormente, o conceito era visto como algo para os mais jovens que, teoricamente, estariam mais abertos a este estilo de vida por conta dos contratos sem muita “amarra”. No entanto, ele também está atingindo os idosos, como forma de ajudar a mitigar os impactos do envelhecimento da população e o isolamento social, oferecendo serviços e promovendo a interação entre os residentes.

Impacto social positivo

Na verdade, essa pode ser uma espécie de pontapé para que empresas criem um modelo de sustentabilidade social que opere para melhorar a vida das pessoas, criando novas e diversificadas comunidade, enquanto obtêm lucro. 

A ONU descreve que “a sustentabilidade social pode abrir novos mercados, ajudar a reter e atrair parceiros de negócios ou ser a fonte de inovação para novas linhas de produtos ou serviços”. Nessa onda, o coliving pode criar marcas bem-sucedidas, colocando o cliente em primeiro lugar e oferecendo boas ofertas de preços e serviços.  Ao investir na terceira idade, por exemplo, o conceito pode ajudar a mitigar os impactos negativos de uma população global em envelhecimento. 

No Relatório Social Mundial 2023, a ONU conclui que como o mundo continua enfrentando múltiplas crises, incluindo o aumento do custo de vida, os direitos e o bem-estar dos idosos devem estar no centro dos esforços coletivos para alcançar um futuro sustentável. Os dados dizem que até 2050 o número de pessoas com 65 anos ou mais no mundo deve dobrar, passando de 761 milhões em 2021 para 1,6 bilhão em 2050.

Ao facilitar espaços comuns compartilhados, tecnologia para comunicação (mesmo quando os residentes não estão fisicamente juntos) e um calendário social empolgante de eventos voltados para a comunidade, o coliving – diferentemente dos modelos habitacionais tradicionais, que normalmente não criam oportunidades para conexão humana – pode aumentar a expectativa e a qualidade de vida dos idosos.

Como um lugar sustentável, orientado a melhorar a saúde geral das pessoas e contribuir para resolver desafios globais, como mudanças climáticas e o aumento do custo de vida, o coliving faz jus à sua crescente popularidade. Além disso, pode ajudar a mitigar os riscos de envelhecimento, o aumento da população e a expansão urbana. Mas qual o futuro do coliving para atender ao interesse dos clientes e materializar sua vocação para o impacto socioambiental? Mais diversificação e opções mais acessíveis à população com certeza farão parte dessa conta.

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