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Favelas serão exemplo de inovação sustentável, diz Nina Rentel, Gerando Falcões
Diretora de tecnologias sociais Nina Rentel Scheliga mostra como a ONG está elevando a potência das favelas.
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Camila de Lira em 2 de maio de 2022 7minutos de leitura
Digna, digital e desenvolvida. E cheia de potência sustentável. Um verdadeiro centro de inovação e empreendedorismo para as cidades. É assim que a Gerando Falcões imagina o futuro das favelas brasileiras. E a organização já está colocando em prática o modelo para que os bairros tornem esse futuro real. “A favela sem a pobreza é um lugar de muita convivência, de muita criatividade. É um lugar onde as pessoas estão prontas para trabalhar juntas. É um lugar de empreendedorismo”, diz a diretora de tecnologias sociais da Organização Não-Governamental (Ong) Gerando Falcões, Nina Rentel Scheliga, em entrevista exclusiva ao Habitability. Nina é uma das pessoas à frente do Favela 3D, projeto que já tem quatro pilotos em comunidades pelo Brasil, cujo objetivo principal é desenvolver os espaços periféricos de forma sustentável por meio de tecnologia.
Um dos projetos pilotos é a Favela Marte, que recebeu investimento – encabeçado pela Gerando Falcões – para ser 100% movida por energia solar. Mais do que apenas trazer a tecnologia e o gerenciamento, o Favela 3D quer dar voz para os moradores da favela Marte colocarem a inovação em prática em seu dia a dia. “Levamos a favela para a mesa de decisão”, explica Rentel. Para ela, essa é a forma que as cidades precisam passar a enxergar as comunidades periféricas: como exemplo de inovação e poder.
Qual o objetivo do Favela 3D, projeto da Gerando Falcões, e como a tecnologia está ajudando a atingi-lo?
Nina Rentel Scheliga – A gente tem a missão de acabar com a pobreza das favelas. Em transformá-la em peça de museu. E isso tudo antes do Elon Musk colonizar Marte. O que significa que a gente está buscando novas formas de pensar em políticas sociais ou em projetos sociais para acabar com o cenário da pobreza. A questão da corrida espacial é mais uma provocação para que a sociedade se junte a nós para criar um grande impacto social. A gente precisa voltar a falar do grande problema para o País, que é a desigualdade crescente e o agravamento da pobreza. O Favela 3D foi desenhado nesse momento pensando em como a gente usa o potencial da favela e imaginar uma favela nova, digital e digna, onde a pobreza não exista mais.
Nesse cenário haverá um museu que vai contar a história da pobreza, porque do lado de fora, ela já não existirá mais. Será uma favela digna de se viver e, para isso, ela terá que ser digital. Não se trata apenas de conectividade, mas de ser um polo para atrair tecnologia, tanto para desenvolver saúde e educação para os moradores, quanto para geração de renda, desenvolvimento e inovação para o Brasil. O Favela 3D foi construído a partir dessa visão de favela do futuro. E, mais do que um projeto, o Favela 3D quer criar um processo e uma metodologia, a partir do aprendizado contínuo, para isso poder ser escalado para todas as favelas do Brasil.
Hoje em dia vocês estão fazendo quatro pilotos do Favela 3D no Brasil. Poderia falar um pouco desses projetos?
Nina Rentel Scheliga – O primeiro piloto é a favela Marte, em São José do Rio Preto – o “estado da arte” da metodologia do Favela 3D em sua forma mais robusta. Estamos atuando também no Morro da Providência, no Rio de Janeiro, que é a primeira favela do Brasil; na favela do Vergel do Lago, em Maceió. E na favela dos Sonhos, em Ferraz de Vasconcelos, Zona Leste de São Paulo. Em toda favela a gente vai ter um projeto diferente, porque parte da metodologia do Favela 3D é trabalhar a partir de um diagnóstico inicial e a partir do conhecimento profundo das pessoas, das histórias, dos potenciais e das demandas de cada uma das favelas.
Quais são os pilares que sustentam o modelo do Favela 3D? E por que eles foram escolhidos?
Nina Rentel Scheliga – Temos uma metodologia central do Favela 3D, que é a nossa mandala de impacto social. É uma mandala de oito pétalas, ligadas às raízes da pobreza, que traduz as principais demandas, pois entendemos que a pobreza é multidimensional.
Algumas raízes são visíveis, como a habitação e urbanismo, geração de renda e educação, mas temos também a primeira infância, cultura, esporte e lazer, meio ambiente, saúde, cultura, paz e cidadania. E, no centro disso, temos as famílias, as pessoas. Então, acompanhamos as pessoas no “Programa Decolagem” para criar trilhas individuais de superação da pobreza. Cada família da favela tem uma trilha diferente.
Como o processo do Favela 3D, por meio da mandala de impacto social, é escalável?
Nina Rentel Scheliga – São duas frentes muito fortes. A primeira é que a Gerando Falcões é um ecossistema. Hoje temos mais de 700 líderes, que nos levam a mais de 3 mil favelas no Brasil. Esse ecossistema já é a tradução da potência da favela, porque temos líderes sociais, educadores, líderes comunitários… A gente está conectando a organização da nossa rede a territórios e vamos começar a trabalhar o conhecimento e a potência de todo o sistema. Trabalhamos para que essas pessoas sejam capazes de levar a metodologia para fortalecer as favelas de todo o País.
A segunda frente é estruturar e ter dados. Perceber quais são as pétalas da mandala que funcionam melhor, em qual cenário elas funcionam bem… os projetos pilotos estão sendo acompanhados por uma empresa parceira que é especialista em estatística e economia comportamental, assim a gente consegue fazer uma avaliação constante do que está sendo feito, vendo diretamente o impacto do final desse processo.
Durante todo o Favela 3D coletamos dados para aprender e entendemos que esses dados também vão dar munição para conseguir levar inteligência para todas as favelas do Brasil. Acho que vale reforçar também que, quando falamos de ecossistemas, falamos em parceiros que não são ONGs: contamos com empresas e órgãos do governo.
Quais têm sido os maiores desafios e aprendizados do Favela 3D?
Nina Rentel Scheliga – Planejamos muita coisa com a intenção de aprender no meio do caminho. Acho que um dos primeiros aprendizados – que também é um desafio – é articular os muitos atores. Temos trabalhado muito no fortalecimento da capacidade de articulação para conseguir fazer todo mundo trabalhar ao mesmo tempo. Mas é um desafio gigante entender que todos os atores têm o seu ritmo: governo, líderes comunitários, líderes sociais… Tem sido muito importante pra gente entender esse tempo, otimizar como cada um traz para mesa o seu principal ativo e fazer com que isso aconteça na favela da melhor forma possível.
Outra aprendizagem não é uma novidade, mas a gente coloca cada vez mais no centro a questão da participação social da favela na mesa de decisão. Há uma jazida de potencial humano, que floresce quando os processos do Favela 3D começam. E nem sempre é por um caminho “comum”. Um exemplo é a mudança de nome das favelas. As pessoas não querem morar num lugar chamado “Boca do Sapo”. E se os moradores pudessem escolher qual é o nome do lugar que eles moram? Foi assim que chegamos no novo nome da Favela dos Sonhos. Isso traz uma movimentação para conseguirmos trabalhar junto com a rede de liderança, colocar o potencial de volta na mesa e andar a partir disso. Outro exemplo é a favela Marte, que criou uma rádio comunitária “Fala, Marte”, construída ali dentro e gerida pelos moradores. E temos um grupo de líderes, o Rede Favela, que une os espaços do projeto e hoje já tem governança própria. Com tudo isso, a favela vai enxergando o próprio potencial e criando a sua própria solução.
No longo prazo, o que o empoderamento da favela traz de mudança para o Brasil?
Nina Rentel Scheliga – A gente se compromete em levar a favela para sentar na mesa da prefeitura, e a prefeitura para ir para a favela e sentar na mesa com os líderes de diferentes grupos de tomadas de decisão. E isso inverte a forma como a gente faz política social no Brasil. É a própria favela falando que não aceita o cenário de pobreza e que pauta as decisões para essa mudança. É essa postura que queremos levar para o ecossistema.
Você fala da potência da favela, e o que é a favela sem a pobreza? Qual é o poder desse lugar?
Nina Rentel Scheliga – A favela sem a pobreza é um lugar de muita convivência, de muita criatividade. É um lugar onde as pessoas estão prontas para trabalharem juntas por um bairro, por um lugar, por uma praça. É um lugar de empreendedorismo e conexão entre os mercados locais. No futuro veremos muito isso: empreendedores conectados, trabalhando em suas casas, potencializando a economia local. A favela sem pobreza seria esse espaço.
Como o modelo de trabalho do Favela 3D se conecta à sustentabilidade?
Nina Rentel Scheliga – Quando a gente fala do 3D, da favela digital, da favela como jazida de potencial humano, colocamos a favela como exemplo e parte do processo. Não é a favela como exemplo de problema de meio ambiente. É a favela sendo o lugar da inovação sustentável. De mostrar que ela é o centro e o exemplo de inovação. É aí que entra a sustentabilidade, porque falar do futuro de uma favela digital é falar do meio ambiente. São assuntos que andam em conjunto. Isso porque, a gente sabe que quem vai sofrer primeiro com os efeitos do desastre climático são os moradores de favela. Por isso, criamos o projeto para a Favela Marte ser o primeiro bairro 100% com energia solar: ele vai ser exemplo e, assim, pautamos o País sobre o que é importante e que a favela não é problema. Ela traz solução!
E não vamos parar por aí. As casas da Favela Marte vão ter equipamentos para gerar, converter e utilizar a energia solar, estamos formando agentes ambientais para que eles cuidem da área de proteção ambiental que rodeia a comunidade, estamos trabalhando com bio saneamento, conectando a mão de obra para capacitar quem está na Favela Marte para estarem aptos a fazerem a manutenção da energia eólica. Ou seja, a favela tem que ser esse lugar de potência, de resiliência, de criatividade, conectada com tecnologias.
Como imagina a cidade ideal de 2050?
Nina Rentel Scheliga – No futuro, as cidades terão uma favela integrada, que é mais um lugar da cidade. E será um lugar de inovação, onde as pessoas circulam, assim como circulam pelo centro da cidade. A cidade será resiliente e vai conseguir conectar a questão do meio ambiente e tecnologias digitais. Será um lugar para efetivamente usar a tecnologia para que as pessoas vivam em uma cidade mais segura, resiliente e inclusiva.
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