Vegetações encravadas em andares de um edifício comercial espelhado na Avenida Faria Lima destoam do cinza dos prédios que permeia toda a região, centro financeiro da cidade de São Paulo/SP. Jardins suspensos, cada um com 110 m², correm em espiral por toda a fachada formando uma floresta tropical vertical em meio ao centro comercial. Trata-se do Edifício Salma Tower, cujo projeto faz parte de uma onda verde presente no mercado imobiliário paulistano: prédios comerciais e residenciais que buscam promover a conexão dos usuários com a natureza.
O projeto, concebido pelo escritório aflalo/gasperini arquitetos para o Grupo 4M, com paisagismo de Soma Arquitetura, em parceria com estúdio Cardim, foi inspirado no conceito de bioarquitetura ou arquitetura sustentável, que consiste em viabilizar construções que proporcionem conforto, beleza e funcionalidade às edificações, com uso de materiais sustentáveis e aproveitamento de luz e ventilação naturais. Com 16 andares e 100 metros de altura, o prédio foi concluído em dezembro de 2023 e começou a receber inquilinos em 2024.

Fora do Brasil, iniciativas arquitetônicas que priorizam o verde também chamam a atenção, como a Floresta Vertical de Nanjing, na China – um projeto do arquiteto italiano Stefano Boeri, que teve sua primeira construção desse estilo em 2014, em Milão, Itália, o Bosco Verticale. Hoje, Dubai (Emirados Árabes) e Cairo (Egito) também têm florestas verticais de Boeri em construção.
Floresta tropical vertical nas alturas
Os jardins suspensos do Edifício Salma Tower somam mais de 1,7 mil m² de vegetação verticalizada. Além de funcionar como espaços de descompressão e proporcionar uma experiência agradável para quem trabalha no local, promovendo mais qualidade de vida.
Compostas por plantas nativas, as áreas verdes são conectadas entre si, o que permite circulação por todas elas, em todo o prédio. Para garantir segurança em situações como ventos fortes, as plantas foram amarradas com cabos e correntes emborrachadas.
O projeto ainda inclui fachadas ativas com lojas e restaurantes para estimular a interação e a conexão do edifício com o entorno, o que é potencializado pelo fato de o espaço ser aberto. Sem muros ou grades, a edificação fica totalmente integrada à calçada, facilitando o caminho dos pedestres.
Esse conjunto de fatores rendeu ao projeto o reconhecimento do Green Building Council (GBC) com a certificação LEED Platinum, classificação mais alta que um edifício pode obter no sistema LEED, que avalia a sustentabilidade de construções.
Verde até que ponto?
Por outro lado, como pondera a arquiteta e urbanista Paula Lelis Rabelo Albala, é preciso cuidado com o uso dos termos sustentabilidade e inovação. “Fachadas verdes, elementos visuais que remetem à natureza, certificações e selos ambientais podem, sim, estar presentes em edifícios sustentáveis — mas ser sustentável vai muito além disso. É preciso considerar a proveniência e o ciclo de vida dos materiais empregados, a adequação das técnicas e elementos construtivos ao clima e à realidade locais, o consumo de recursos, como água e energia, além da inserção do edifício no contexto social em que está situado, entre outros aspectos fundamentais”, explica ela, que é pesquisadora de pós-doutorado no Centro de Ciência para o Desenvolvimento da USP-Cidades, desenvolvendo estudos sobre os temas Caminhabilidade e Soluções Baseadas na Natureza.

Outro ponto importante destacado pela arquiteta diz respeito ao que se entende por inovação. “O uso de jardins verticais, por exemplo, já vinha sendo empregado em edifícios corporativos muito antes da atual ´onda sustentável´ do mercado imobiliário. Um exemplo emblemático é o edifício Commerzbank, construído na década de 1990 em Frankfurt, projetado por Norman Foster. Neste caso, os jardins verticais estão plenamente integrados ao desenho e ao detalhamento construtivo da edificação, formando, junto ao átrio central, um eficaz sistema de ventilação natural, que contribui ativamente para a eficiência energética e a redução no consumo de recursos”, comenta ela, acrescentando que “é inegável que a presença de espécies nativas traz benefícios, como ganhos urbanos e melhorias no conforto térmico e visual para os ocupantes. Contudo, há um evidente desequilíbrio quando se observa uma extensa área envidraçada em um clima como o de São Paulo, onde esse tipo de fachada pode acarretar um aumento significativo no consumo de energia, especialmente com sistemas de climatização”.
Para mitigar esse impacto, explica a arquiteta, são utilizados vidros de alta performance, muitas vezes caríssimos e importados, o que representa um contrassenso, já que há materiais e técnicas construtivas muito mais adequadas ao clima brasileiro e disponíveis localmente. Em climas temperados, como na Europa, a solução pode, de fato, trazer benefícios funcionais. A depender da latitude, o vidro é excelente aliado na captação da luz natural e da radiação térmica ao interior das edificações. No entanto, em climas tropicais, como no caso de São Paulo, é necessário um olhar crítico e cuidadoso com relação ao indiscriminado uso de fachadas de vidro, pois o ganho térmico associado ao seu uso excessivo pode transformar o edifício em uma verdadeira estufa, comprometendo tanto o conforto térmico quanto a eficiência energética”, acrescenta. Nesse sentido, “edifícios modernistas da Avenida Paulista, equipados com brise-soleils [elementos arquitetônicos que controlam a entrada de luz solar], apresentam melhor desempenho energético do que muitos edifícios envidraçados contemporâneos — mesmo sem ostentar o rótulo de sustentáveis”.
Do ponto de vista técnico, o problema central está na forma como a radiação solar interage com os vidros. A radiação de onda curta — que inclui a luz visível e parte do infravermelho próximo — atravessa facilmente os vidros, mesmo os de alta performance. Ao atingir superfícies internas, essa energia é absorvida e reemitida na forma de radiação de onda longa, no espectro do infravermelho térmico. Essa radiação, por sua vez, tem dificuldade para atravessar os vidros e escapar para o exterior, causando o aprisionamento do calor no ambiente interno. Isso eleva a temperatura e exige o uso intensivo de sistemas artificiais de resfriamento, o que resulta em alto consumo energético, especialmente no verão. “Além disso, quando há muita área envidraçada, pode haver excesso de luz natural, o que tampouco é adequado: em resposta, os usuários comumente recorrem a persianas e cortinas internas para controlar o ofuscamento, perdendo-se, consequentemente, os benefícios visuais, estéticos, e de iluminação natural”, acrescenta.
“No contexto atual de mudanças climáticas e eventos extremos, a sustentabilidade não pode ser reduzida à adoção do verde nos projetos ou a obtenção de selos. Ela exige uma reflexão profunda dos modos de projetar e construir, que dialogue de fato com o seu contexto local”, ressalta.
A amplitude da discussão sinaliza a profundidade do conceito de sustentabilidade, trazendo à tona a necessidade de análises combinadas, contextualizadas e que permita romper um modelo de arquitetura globalizado e homogeneizado, passando a atender não só às demandas de mercado de forma pontual, mas, principalmente, às demandas globais por soluções inteligentes, eficientes e alinhadas aos princípios socioambientais de maneira profunda e significativa.