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Futebol e cidade: uma ligação maior do que o gol
O que a cidade e o futebol têm em comum? No Brasil, absolutamente tudo. Saiba aqui as ligações históricas do esporte com o país
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Redação em 28 de novembro de 2022 5minutos de leitura
O futebol é diverso. Ele pode ser jogado com dois chinelos e uma bola. Ou duas traves sem rede e uma bola. Ou um gramado e uma bola. Ou chão de terra batida e uma bola… um estádio high tech e uma bola. A bola transforma tudo. Inclusive a cidade. A relação entre espaço urbano e o esporte mais popular do Brasil (e do planeta) é tão próxima que, em alguns casos, a urbanização se confunde com a profissionalização do esporte.
Se contarmos apenas com o futebol profissional brasileiro, o esporte movimenta R$ 53 bilhões por ano, quase 1% do PIB nacional, segundo um relatório da Confederação Brasileira de Futebol, feito em parceria com a Ernest & Young. Deste total, R$ 40 bilhões são apenas movimentos indiretos, como o de bares e restaurantes. Em média, 25,7 milhões de pessoas acompanham jogos de futebol pela TV, em bares e locais de encontro ligados aos estádios, que recebem uma quantidade média de 15 milhões de pessoas todos os anos.
O país tem mais de 1 mil clubes ativos e sua cadeia direta e indireta passa por federações, fornecedores e estádios. E esse valor circula por muito tempo depois dos apitos finais das partidas.
Cidade e futebol: urbanização na chuteira
O esporte de Pelé, Garrincha, Ronaldo, Zico, Raí e Cafu não fica confinado nas quatro linhas dos grandes estádios ou em clubes milionários. Ele está enraizado na história brasileira. Como explicou o professor da UERJ e especialista em ligar o futebol à geografia, Gilmar Mascarenhas, “o Brasil se urbanizou sendo colonizado pelo futebol”.
“Temos a força de um Brasil urbano em movimento e o futebol é um elemento dessa urbanização. Está agarrado a essa urbanização”, disse Mascarenhas, em entrevista publicada na revista FuLIA da UFMG. Mascarenhas foi um dos principais pesquisadores e divulgadores da temática cidade e futebol.
Apresentado para o público brasileiro no final do século 19, o futebol se confundiu com o processo de urbanização no país. E a cidade, em parte, explica sua popularidade logo que chegou por aqui: foi nesse ambiente mais denso, próximo a trabalhadores das indústrias e do comércio, que o esporte floresceu. A explicação de Mascarenhas é que enquanto a vida no campo oferecia oportunidades de entretenimento baratas e gratuitas (como pesca, banhos em rios, caça), o ambiente urbano dificultava a diversão. O futebol foi uma maneira de canalizar essa demanda.
No começo do século 20, os bairros de operários ainda contavam com espaços abertos, perfeitos para a prática do esporte bretão. Esporte esse que era aceito também nas elites, por ter vindo do Reino Unido e por ter regras estabelecidas.
Das várzeas aos estádios
São Paulo foi um dos lugares onde o futebol explodiu primeiro, acompanhando o crescimento populacional. De 1890 a 1900 a população de São Paulo quadruplicou para 240 mil habitantes. Em 1920, eram 600 mil moradores na metrópole. Em 1950, já eram 2,2 milhões.
Em 1902, a cidade organizou o primeiro campeonato de futebol do país. Relatos de 1905 mostram que os times levavam multidões para “grandes aplausos”. O jogo era incentivado pelas inúmeras empresas de capital britânico que entravam na cidade, já que era visto como uma maneira de “integrar” os trabalhadores. Mas foi nas margens dos rios, ou melhor, nas várzeas, que o esporte se espalhou de verdade.
“Nos anos 1910, 1920 você tinha uma ideologia de que as várzeas eram perigosas, tanto do ponto de vista social quanto da saúde. Daí essa ideia de que era preciso retificar o rio. É um discurso de que a cidade tinha de crescer e ocupar todos os espaços possíveis, até mesmo o da vazão das águas”, afirma a historiadora Diana Mendes Machado, em entrevista à CNN. Cidade e futebol iriam se encontrar nesses lugares.
Nas várzeas dos rios ficavam as periferias de São Paulo, que foram levadas para mais longe conforme a cidade crescia. Eram nas várzeas que moravam os operários, imigrantes e negros. Campos informais se alastravam pelos espaços planos e clubes também nasciam a partir das associações de moradores e operários. Times como o Corinthians e Palmeiras nasceram próximos a áreas encharcáveis de rios.
O termo “futebol de várzea” é usado até hoje para falar sobre o esporte amador, mas nos anos 1930 eram os times “varzeanos” de São Paulo que faziam maior parte da comunicação entre os bairros. Os campeonatos entre times de bairro aproximavam as pessoas de lugares distantes e também exigia que o Estado criasse vias e meios de transporte para ligar essas regiões.
Cidade e futebol: uma coisa só
O processo que aconteceu em São Paulo foi visto de maneira concomitante em outras capitais brasileiras, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre. Nestas cidades, o futebol se espalhava nos subúrbios, sempre se valendo de espaços públicos nem sempre desejados por toda a população.
“O Estado não chegava no subúrbio. A Barra Funda de baixo era dos negros, dos imigrantes, das enchentes. As pessoas que moravam lá ficavam sujeitas ao regime do rio, e se organizavam para o lazer, criando clubes de futebol, clubes de dança e festas como o carnaval ou celebrações religiosas. Era uma espécie de política, no sentido de fazer uma mobilização por algo desejado, algo bom para a comunidade”, explica Diana, em entrevista ao ArchDaily.
No Rio de Janeiro, o estádio de São Januário, do Vasco da Gama, foi levantado em São Cristóvão, um bairro que, na época, era industrial e operário, mas que tinha terreno e infraestrutura. O estádio foi construído em 1925, tinha capacidade para 40 mil pessoas e, até a inauguração do Maracanã, figurava como um dos maiores estádios brasileiros, ao lado do Pacaembu, inaugurado em 1938.
“Diversos políticos, com destaque para Getúlio Vargas, utilizaram o estádio para grandes manifestações cívicas, incluindo, pasmem, desfile de escolas de samba, no contexto do Estado Novo”, lembrou Mascarenhas, em artigo para o Ludopedio.
A cada esquina, um gol
A especulação imobiliária e o crescimento das cidades pode ter acabado com os campos de várzea e as pequenas associações de bairro, mas a prática do futebol informal continuou. Diana Machado contou à CNN que a população levou a “experiência de se relacionar com as pessoas, com o espaço e o esporte” para as periferias.
“O uso lúdico do tempo é o que os indivíduos sempre procurarão. Existe esse resíduo do futebol que em todo terreno baldio vai aparecer. Se tem um campinho, uma terra batida, se faz. E isso é bonito”, falou a geógrafa Odette Seabra, à CNN.
Hoje em dia, o campo de futebol é espaço sagrado, lugar de festas, diversão, aprendizado e união (mesmo que em meio à rivalidade dos times durante as partidas). Por mais que, por vezes, a cidade queira atrapalhar, ela faz parte do futebol. E o futebol a torna melhor.
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