Grandioso e controverso, conheça o Dubai Reefs

Projeto pretende criar o maior recife artificial do mundo com 200 km², mas impacto no ecossistema e na biodiversidade é um alerta

Por Ana Cecília Panizza em 8 de outubro de 2024 3 minutos de leitura

dubai reefs
Imagem: Divulgação/URB

A cidade de Dubai, nos Emirados Árabes, Oriente Médio, chama a atenção do mundo pelos seus superlativos e recordes. Pela sua opulência, tornou-se importante destino turístico global. O local se sobressai, por exemplo, pela rede de transporte de última geração, totalmente automatizada e sem motorista, facilitando a locomoção pela cidade, que não é propícia para caminhadas em função do intenso fluxo de automóveis e das altas temperaturas, que passam de 40 graus no verão. Também chama a atenção por lá o edifício mais alto do mundo, o Burj Khalifa, projetado com ajuda de Inteligência Artificial. Agora Dubai quer bater outro recorde, com um empreendimento não em direção ao céu, mas debaixo d’água. Trata-se do Dubai Reefs, que pretende ser o maior projeto de restauração oceânica do mundo por meio da construção de um recife artificial de aproximadamente 200 km², que deve abrigar mais de um bilhão de corais e 100 milhões de árvores de mangue.

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Dubai Reefs e o laboratório flutuante 

O Dubai Reefs inclui um um laboratório flutuante, que será um instituto marinho dedicado à pesquisa oceânica, à proteção da costa local e ao oferecimento de programas de educação sobre conservação marinha. Segundo a empresa, toda a estrutura do projeto será alimentada por energia 100% renovável, gerada por meio de placas solares, hidrelétricas e wave farms, que utilizam as ondas dos oceanos para produção de energia. O Dubai Reefs também abrange eco resorts flutuantes para amantes do ecoturismo. A meta é gerar mais de 30 mil empregos na cidade ligados à economia verde.

Imagem: Divulgação/URB

A implantação do Dubai Reefs tem quatro fases. A primeira está prevista para começar ainda em 2024 e a última deve ser concluída em um prazo de até quatro anos, segundo notícia do gabinete de imprensa do governo de Dubai

Paraíso artificial 

“Dubai assusta porque lá tudo foi projetado, nada é natural. Tudo o que você vê de verde tem canais de irrigação por baixo, vários canos. Tudo é artificial: a praia, as árvores, os canteiros; foi construído no meio do deserto, do zero”, comenta o oceanógrafo Moises de Lemos, que já esteve em Dubai e trabalha como consultor na empresa M2R Engenharia, que atua na área de tecnologia e consultoria ambiental por meio de levantamentos hidrográficos e oceanográficos. 

Moises de Lemos (Foto: Arquivo pessoal)

“Quando se fala em projeto de restauração em um local onde já existe recife de coral, é super bem visto e tem impacto positivo. Agora, quando se introduz, tem vários impactos nas condições ambientais porque você altera o equilíbrio local, introduz outra espécie, e isso pode afetar tanto a flora quanto a fauna nativas, que competirão com a espécie introduzida, considerada invasora, porque não é dali”, explica Lemos. Ele acrescenta que essa situação pode levar a doenças e impactos nos organismos marinhos que já vivem ali, criando desequilíbrio no ecossistema, com alteração na biodiversidade e na cadeia alimentar. “A medida pode impactar também o transporte de sedimentos e as correntes marinhas porque o recife artificial cria uma barreira”. Impactos negativos sobre a água também poderão ocorrer porque a composição química será alterada diante da poluição e contaminação provenientes da construção do recife artificial. 

Da lama ao caos 

Quanto ao plano do Dubai Reefs de abrigar 100 milhões de árvores de mangue, o oceanógrafo avalia que “é uma coisa bem mais delicada porque o manguezal é típico de áreas costeiras tropicais e subtropicais, onde há mistura de água doce com salgada, e em um ambiente protegido”. Ambiente, portanto, oposto ao de Dubai, que tem clima desértico, com temperaturas extremamente altas e baixa umidade. “Ali não tem rio que deságua no mar, que forma ambiente propício para esse tipo de habitat. É bem mais difícil. Também tem que ter disponibilidade de água no solo. E tem que ser solo rico em matéria orgânica e nutrientes, coisa que lá não tem porque isso vem muito da costa da vegetação dos rios”, detalha Lemos.  

O projeto configura-se como mais uma iniciativa ousada e de números astronômicos. Mas seu nível de artificialidade e intervenção humana no ecossistema local traz um contraponto para sua efetividade “verde”, como pondera o oceanógrafo. Seria o homem capaz de criar um ecossistema marinho inteiro apenas com impactos positivos?